Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do 21º Domingo do Tempo Comum (Ano A).
“Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (Mt 16,13)
Outra vez Jesus se retira com seus discípulos,
agora para a região de Cesareia de Filipe. Vão tratar assuntos que ultrapassam
a problemática estritamente judaica; por isso, Mateus situa a cena em outro
território, fora do espaço onde prevalece uma concepção do Messias estritamente
nacionalista, para dar a entender que Jesus está aberto a outros povos.
De fato, Jesus entrou em conflito
com a religião judaica e suas instituições (sinagoga, templo de Jerusalém).
Ele não foi sacerdote, nem
funcionário do Templo, nem ostentou cargo algum relacionado com a religião; não
foi um mestre da Lei; Jesus foi um leigo. Fugiu de todo poder, e se preocupou
especialmente em cuidar das pessoas mais pobres e marginalizadas. Não se
preocupou em fundar estritamente uma religião.
Cercou-se de pessoas, mulheres e
homens, dispostos a continuar seu caminho, anunciando a mensagem do Reino de
Deus, proclamando as bem-aventuranças como projeto humanizador, denunciando as
opressões e injustiças e tornando realidade a salvação do Deus Pai e Mãe.
Este grupo de homens e mulheres acompanha Jesus em todas as partes, fazendo com Ele vida itinerante; mas também encontramos um grupo mais amplo de pessoas que, vivendo em suas casas e continuando em suas tarefas, são, no entanto, discípulos(as) de Jesus, apoiando-o, recebendo-o, seguindo-o. Todos eles formam o “movimento de Jesus”.
No evangelho deste domingo é a primeira vez que
encontramos o termo “Igreja” para
determinar a nova comunidade dos(as) seguidores(as) de Jesus. Mateus utiliza a
palavra que na tradução dos setenta se emprega para designar a assembleia (“eklesia”).
Evidentemente, Jesus não “instituiu” nenhuma “estrutura eclesial” propriamente
dita: uma doutrina, uma liturgia, um governo... Jesus pôs em marcha um movimento
de vida, que, através de muitas circunstâncias e vicissitude históricas,
desembocará em comunidades organizadas e, muito mais tarde, em uma Igreja
centralizada.
Jesus começou atuando sozinho, mas logo reuniu um
grupo de discípulos em torno a si. Assim fizeram os grandes mestres na história
da humanidade: Buda, Confúcio, Sócrates...
Professar nossa adesão à pessoa de
Jesus de Nazaré, é entrar no movimento
de vida iniciado por Ele, em torno à sua pessoa e à sua mensagem que cura e
liberta de toda escravidão e dominação.
Também nós nos sentimos e queremos
ser discípulos(as) de Jesus. É o Reino de Deus que nos congrega, que reforça
vínculos e nos faz comunidade.
Seu movimento nos impulsiona e
queremos impulsioná-lo. Move-nos a alegria, muitas vezes oculta, da mesma boa
notícia e a esperança difícil do Reino de Deus.
Somos Igreja de Jesus. Mas, como é
a “Igreja” que Jesus quis? É, antes
de tudo, comunidade de pessoas, homens e mulheres que vão amadurecendo no
seguimento d’Ele. E é comunidade totalmente aberta ao mundo, casa onde todos
encontram lugar de acolhida e comunhão; uma “igreja em saída”.
O que é radicalmente contrário ao Evangelho da fraternidade é o sectarismo, o fanatismo, o fechamento diante da realidade desafiante e a discriminação de toda e qualquer pessoa.
Também hoje, Jesus dirige a cada um de nós a
mesma pregunta que um dia fez aos seus discípulos: “E
vós, quem dizeis que eu sou?” Ele não nos pergunta para saber nossa resposta
teológica sobre a identidade d’Ele, mas para que revisemos nossa relação com
Ele. Que podemos lhe responder a partir de nossas comunidades? Somos seguidores(as)
da pessoa de Jesus ou só seguidores(as) de uma determinada religião, doutrinas,
normas, leis? Conhecemos cada vez melhor a Jesus, ou O fechamos em nossos
velhos esquemas doutrinários de sempre? Somos comunidades vivas, interessadas
em colocar Jesus no centro de nossas vidas e de nossas atividades, ou vivemos
estancados na rotina e na mediocridade?
Diante da pergunta de Jesus – “E vós, quem dizeis que eu sou?” – o Evangelho deste domingo realça a resposta de Pedro e a missão que Jesus lhe confere. Pedro é instigado a entrar no fluxo do amor-serviço do Mestre; e isso não pode ser confundido com “transferência de poder”. Pior ainda é quando confundimos o “poder das chaves” com a “chave do poder”. Quem tem a chave tem o poder.
Nenhum exercício do poder é evangélico; muito menos o “poder religioso”. Não há nada mais contrário à mensagem de Jesus que o poder. Jesus não transfere “poder” a Pedro; reforça nele a liderança para o cuidado e o serviço aos outros. Nenhum ser humano é mais que outro, nem está acima do outro. “Não chameis a ninguém de pai, não chameis a ninguém chefe, não chameis a ninguém senhor, porque todos vós sois irmãos”. A única autoridade que Jesus admite é o serviço.
Jesus
não exerceu poder porque o poder nunca é mediação para a
libertação do ser humano (seja poder político, religioso, ou qualquer outra
expressão de poder).
Jesus
despoja-se do poder; Ele tem autoridade: “ensinava-lhes
com autoridade e não como os
escribas”.
Sua autoridade é caminho para o serviço e a promoção da
vida.
Por
isso a autoridade de Jesus não tem nada a ver com o poder que
domina ou a liderança que se impõe.
Jesus
tem “autoridade” porque o “centro” está no outro; Ele veio para
servir. Jesus tem autoridade porque ativa a autoria e a autonomia no outro; sua
autoridade desperta o melhor que há em cada pessoa; ela não cria dependência e
nem tira do outro a capacidade de dar direção à sua própria vida.
Quem tem “poder”, ao contrário, o centro está em si mesmo; por isso é que toda expressão de poder é violenta, exclui, impõe-se ao outro, decide por ele... O poder alimenta dependência e submissão.
O olhar
profundo de Jesus levará Pedro também a se conectar com seu ser mais profundo
(aquilo que é mais sólido), com sua realidade mais verdadeira, com os desejos
de seu coração ainda não configurados pelo amor. Quando Jesus fixa o olhar em
Simão, seus olhos descobrem no interior deste homem um nome escondido (Pedro),
e ao pronunciá-lo, possibilita-lhe despertar essa vocação já inscrita no mais
profundo de seu ser. Aqui começa para Pedro uma nova história, que já não será
narrada por ele sozinho, mas em comunhão com Jesus, entre idas e vindas,
fragilidades e fortalezas, tentativas no amor e fracassos...
Nas itinerâncias
de Jesus, Pedro foi convidado a “fazer caminho com Ele”, começando pelo próprio
interior; impactado pela ternura cuidadosa de Jesus em sua vida, Pedro irá sendo
conduzido a descobrir-se, a ser cada vez mais consciente de si mesmo e
adentrar-se por rotas novas de liberdade, de vida, de entrega...
Mateus faz um sugestivo jogo de
palavras entre dois nomes gregos comuns: “petros”
(pedra) e “petra” (rocha). “Petros” tem o significado de pedra
comum, pedregulho, sem consistência; “petra”,
por sua vez, significa rocha, pedra
sólida sobre a qual se assenta um edifício. “Tu és petros e sobre esta petra...”
Aparece, então, a
comparação-oposição entre a fragilidade e a pequenez da pedra frente à
segurança e robustez da rocha. Pedro é “pedra”
em sua fragilidade humana, mas é “rocha”
em sua manifestação de fé. A rocha não é a pessoa de Pedro, mas a fé de Pedro.
Sobre essa rocha-fé de Pedro Jesus
deseja edificar sua comunidade de seguidores.
Nesse sentido, o Evangelho de hoje também
nos ajuda a ler nossa vida. Ali afirma-se também a nossa identidade; e a
nossa identidade se revela por aquilo que é sólido, consistente... no nosso interior,
que não se desfaz com as adversidades do mundo no qual vivemos (crises,
fracassos...).
Toda pessoa
possui dentro de si uma profundidade
que é seu mistério íntimo e pessoal. Sobre essa “rocha” construímos
nossa maneira de seguir a Jesus.
Texto bíblico: Mt 16,13-20
Na
oração:
Devemos
aprender a olhar a vida e as pessoas como Jesus as olhava, ou seja, um olhar
capaz de vislumbrar o mais humano e mais divino em cada um(a), um olhar que faz
emergir a rocha consistente, sobre a qual construir um estilo de vida, à
maneira de Jesus.
- Ao sentir-se olhado por Jesus, como Pedro, você é capaz de vislumbrar outros dons, recursos, capacidades... do seu próprio interior e que darão a solidez à sua própria vida? O que é “petra” no seu interior?
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