“...soprou
sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20,22)
A festa de
Pentecostes é a culminância de todo o tempo pascal. As primeiras comunidades
cristãs tinham claro que tudo o que estava se passando nelas era obra do
Espírito, e tudo o que o Espírito tinha realizado em Jesus, agora estava
realizando em cada um deles(as).
Também para cada um
de nós, celebrar a Páscoa significa descobrir a presença do Deus-Espírito em
nosso interior e na realidade que nos envolve, ora como brisa mansa, ora como
vento impetuoso.
Tanto a “ruah”
hebraico como o “pneuma” grego significam ar, vento,
sopro. É neutro em grego, masculino em latim (“spiritus”), feminina em hebraico,
pois transcende, acolhe e abençoa todas as identidades de gênero. É alento
vital profundo. Brisa suave no sufoco, vento forte na apatia. “O vento sopra onde quer”, vem de
tudo e de sempre, nos leva onde não sabemos.
A raiz
da palavra “ruah”, nas línguas semíticas, é “rwh”, que significa o espaço
existente entre o céu e a terra, que pode estar em calma ou em movimento. Seria
o ambiente no qual os seres vivos bebem a vida. A terra mesma era concebida
como um ser vivo, o vento era sua respiração.
Nestas
culturas, o sinal de vida era a respiração. “Ruah” veio a significar “sopro
vital”. Quando Deus modela o homem de barro, sopra em seu nariz o hálito de
vida.
No
Evangelho deste domingo, prolongando o sexto dia da criação, Jesus sopra sobre
os apóstolos para comunicar seu Espírito.
Pentecostes vem nos recordar
que o Espírito faz parte de nós mesmos, constitui nossa verdadeira identidade e
não tem que vir de nenhum lugar. Somos habitados por Ele, está em nós, antes
mesmo que nós começássemos a existir. É o fundamento de nosso ser e a causa de
todas as nossas possibilidades de crescer em todas as dimensões da vida. Nada
podemos fazer sem ele, como também não podemos estar privados de sua presença
em nenhum momento. Todas as orações, encaminhadas a pedir a vinda do Espírito,
só tem sentido quando nos levam a tomar consciência de sua presença e ação em
nós; tais orações ativam em nós o impulso para nos deixar conduzir por essa
presença inspiradora e criativa.
Assim é
o Espírito que vibra na entranha do infinitamente grande e do infinitamente
pequeno, nesta nossa Terra e no universo sem medida. O Espírito sopra onde
quer, que é como dizer “em tudo”, pois ama tudo e anima tudo. É a “alma” de tudo
quanto vive e respira. É a esperança invencível, a aspiração irresistível de
todos os seres, sem exceção. É a energia que toma forma na matéria e a faz matriz
inesgotável de novas expressões de vida, sem fim.
Nesse sentido, nós somos a terra
propícia onde atua o Espírito. Onde há mais carência, vulnerabilidade,
pobreza... há mais e maiores possibilidades criativas. Nenhuma situação pode
afastar-nos de Sua visita. Toda terra baldia é boa para o Espírito. Ele é o
buscador incansável e com um “sim” ousado e forte re-cria de novo
nossa história, estabelecendo o “cosmos” (harmonia e beleza”) em
nosso “caos” existencial.
As “terras do Espírito” albergam milhares de nomes: chama-se esperança
para aqueles que sonham um outro mundo possível; chama-se amada paz para aqueles que vivem em meio à barbárie dos conflitos;
chama-se liberdade para aqueles que
foram privados dos seus direitos fundamentais; chama-se justiça para aqueles que vivem continuamente sendo espoliados e
explorados; chama-se beleza, porque
tudo o que foi criado é bom e precioso; chama-se humanidade porque é neste “húmus-chão” onde a presença da “Ruah”
transforma a existência.
No silencioso sussurro da voz do
Espírito, toda nossa realidade interior fica abençoada: os sentimentos contraditórios,
os dinamismos opostos, os pensamentos divergentes..., se harmonizam. Ele
“desce” para nos encontrar e despertar nossa vida atrofiada. Com seu toque, uma
identidade nova ressurge: não somos mais estrangeiros, nem inimigos
de nós mesmos. Sua presença dá calor e sabor à nossa existência.
São
tantas as pessoas que fazem experiência de vida no Espírito, que bebem d’Ele,
vivem d’Ele, muitas vezes sem saber disso; elas têm uma visão aberta e são
motivo de alegria e de cuidado para aqueles que delas se aproximam; homens e
mulheres que levam alívio ao tecido da existência humana pois, com suas
presenças, dão um toque de cor e calor à realidade; como brisa leve, situam-se
junto àqueles que atravessam momentos de desânimo, de tristeza e de fracasso...
O Espírito é o artífice secreto de todas
as cores e texturas da vida, da beleza, que conhecemos e daquela que ainda nos
aguarda. Ele é a “alma do mundo” e disso só podemos fazer aproximações,
vislumbres...
Reconhecemos o
Espírito pelos efeitos que provoca: sem saber de onde vem nem para onde irá,
nos golpeia
e clama no
sofrimento dos inocentes, grita em todos os ambientes que maltratam a vida, ali
onde não se respeita a dignidade e o valor das criaturas. Ele nos alcança na
expressão terna de um rosto, na tonalidade de uma voz, na carícia da
natureza...
Ali onde nosso ego se
esvazia, o Espírito toma o lugar que
lhe pertence, desde o princípio e para sempre.
Esse lugar não é um espaço físico nem está situado no tempo, senão que
esse lugar está dentro, vai conosco lá onde vamos. São “terras do Espírito”, e
habitá-las é nossa promessa.
A humanidade sempre sonhou e buscou a “terra prometida”; no entanto,
esta não se reduz a um lugar geográfico ou um espaço paradisíaco. São as
“terras do Espírito”, terras prometidas a todos que vivem a partir de sua
própria interioridade. É preciso
descalçar-se para entrar nessas terras, fazer-se cada vez mais leves, mais
humildes, peregrinos... Quem se deixa conduzir pelo Espírito, nenhuma terra lhe
é estranha; ao contrário, tudo lhe é familiar.
Eis
que nos encontramos agora no tempo do “distanciamento social”, para não nos
contaminar. Imper-ceptíveis partículas nos ameaçam onde menos esperamos. E
procuram minar e destruir nosso sistema vital.
Mas
não devemos esquecer que há outro tipo de “bendito contágio”, que procura ter
acesso à nossa interioridade mais profunda: é o contágio do Espírito, que nos
envolve e nos pede que tiremos todas as máscaras com as quais nos defendemos
d’Ele. É o Espírito que alenta (suspira) na beleza, na arte, nas relações de
amor incondicional, no cuidado compassivo, na presença solidária, nas pessoas
que ajudam desinteressadamente, na hospitalidade da vida...
Jesus
Ressuscitado, no encontro com os discípulos e com cada um(a) de nós, nos
entregou definitivamente este Espírito, sua santa Ruah que o habitava e o levou
a entregar sua vida em favor da vida.
É a
“Ruah” que produz o contágio espiritual e que foi derramada sobre toda a
humanidade.
A Santa
Ruah é a memória permanente do “sim” do Abbá e de Jesus a todos nós. Não somos
abandonados do Amor, nem da Misericórdia de nosso Deus. Onde menos pensamos,
ali surgem sinais de um grande e apaixonado amor pela humanidade. Tanto amou
Deus o mundo, tanto amou Jesus à humanidade, que nos entregaram o Espírito
Santo, essa bendita contaminação que nos envolve por todos os lados, para que
“tenhamos vida em abundância”.
Santa
Ruah! Bendito contágio!
Texto bíblico:
Jo 20,19-23
Na oração:
Espirituais somos todos, quando deixamos que, dentro de nós, o Espírito de
Deus encontre espaço livre para mover-se, sussurrar e suscitar inquietações. Ao
habitar-nos, o Espírito não nos invade, nem se impõe.
- Se abrirmos espaço à sua presença, brota uma sadia convivência
que potencia o melhor de nós mesmos, sensibiliza nosso coração e abre os
sentidos para que fiquem mais alertas e sintonizados com as surpresas que
brotam da vida.
- No ritmo da silenciosa respiração, sinta a “Santa Ruah” tendo
acesso às profundezas de seu ser, pacificando, integrando..., despertando novas
energias e impulsos criativos e rompendo o medo, a apatia, a falta de
sentido...
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