“O Espírito da Verdade..., vós o conheceis, porque
ele permanece junto de vós e está em vós” (15,17)
O Evangelho deste domingo
faz parte de uma longa conversa de Jesus com os seus amigos, durante a
Última Ceia, e que João recolhe nos capítulos 13 a 17.
Era uma conversa amiga, que ficou na
memória do discípulo amado. Jesus, assim parece, queria prolongar ao máximo
esse último encontro, momento de muita intimidade. Para João, a conversa de
Jesus tem uma conotação de profundidade e trato, de certa familiaridade e
ternura.
Nesta interação Jesus-discípulos, tanto os
conteúdos expressos como os aspectos relacionais ganham uma grande importância:
as palavras, os gestos, o olhar, a maneira de falar, o tom da voz, os
silêncios, o contexto onde acontece a conversação...; tudo isso forma parte da
diversidade e riqueza da revelação de Jesus aos seus mais íntimos. Jesus extrai
palavras significativas, previamente cinzeladas e incorporadas no seu
interior, onde elas revelam dinamismo, sentido e alteridade; sua conversa
brota de uma vida interior fecunda e conduz a uma vida comprometida. Trata-se
de um verdadeiro “testamento espiritual”
A conversação constitui, portanto,
o núcleo diferencial de qualidade de trato próximo e fraterno daqueles (as)
que, além de viverem juntos, compartilham a vida com um projeto comum.
No entanto, há conversa e conversa. Há conversa
superficial que gasta palavras à toa e revela o vazio das pessoas. E há conversa
que toca fundo no coração e fica na memória. Todos nós, de vez em quando, temos
esses momentos de convivência amiga, que dilatam o coração e vão ser força na
hora das dificuldades. Ajudam a ter confiança e a vencer o medo.
Conversar constitui uma das experiências humanas mais antigas e
configuradoras de nosso ser. Ela não se reduz a um mero intercâmbio de
palavras; é um processo essencialmente ativo, inerente à nossa natureza
relacional, cuja finalidade última é viver a experiência do encontro.
Conversar é uma das aprendizagens vitais que não tem data de vencimento.
A arte da conversação
é um caminho pedagógico, um processo gradual que requer uma capacidade de escuta, de acolher e
deixar-se afetar pelo que o outro é, não só pelo que diz; uma
capacidade de olhar com profundidade
para reconhecer uma história santa, um caminho de salvação. É reconhecer no
outro o que há de verdadeiro, bom e belo e descobrir como o dinamismo de Deus atua no
coração dele. É ajudá-lo a descobrir, na trama de sua vida, as motivações profundas que o levam a ser
e a agir de uma maneira muito pessoal.
A conversação
é uma experiência profundamente humana de proximidade, de conhecimento, de intercâmbio, de ternura..., um encontro
entre pessoas que vão compartilhando histórias de vida, esperanças e
frustrações, vontade de construir e sonhar... Na conversação, o que importa é a pessoa do outro e não os problemas
que apresenta...; ela é o lugar privilegiado de encontro e descoberta
misteriosa do Outro (Deus).
“Conversar” e “converter”, etimologicamente,
vem da mesma raiz. Em seu sentido mais radical e profundo “conversar” é
“converter-se” ao mistério do outro, é converter-se à alteridade. A conversação
reforça os laços, criando a comunidade de “amigos no Senhor”.
Sair dos corredores do próprio claustro interior
e de seus mecanismos de defesa para converter-se em um servidor do outro, com a
mediação mais humana, mais sutil, mais imediata e universal, mais iluminadora e
mais reveladora da própria maturidade: a palavra.
Mesmo “isolados socialmente” devido
à pandemia, a conversação nos
liberta da solidão e do fechamento, fazendo-nos crescer na transparência. As
inúmeras possibilidades de conversar são encontros que nos reconciliam com a
vida, nos movem a crescer e a sair de nosso isolamento. Ela nos permite sentir
que formamos parte da vida de outros e nos ajuda a levantar-nos quando as
perdas, os fracassos, as enfermidades... tornam difícil nosso caminhar.
Para chegar a conversações mais profundas e
íntimas precisamos percorrer o caminho que se inicia no cotidiano e no
aparentemente superficial. Encontrar-nos com os outros é uma experiência que
requer seu tempo, seu espaço, seu ritmo. Nossa natureza relacional
continuamente nos oferece oportunidades para conversar; depende de nós fazê-las
banais ou convertê-las em experiência de vida.
Segundo Jesus, o protagonista principal da
conversação é o Espírito, que gera em nosso interior palavras de
vida e criatividade. Numa conversação profunda deixamos transparecer nossa
verdadeira identidade, nossa verdade original. Mas é o Espírito, que nos
habita, Aquele que cava em nós palavras de vida.
Quando Ele encontra liberdade para atuar em nós, faz brotar das
entranhas das palavras sua riqueza escondida. Por isso, Ele é o “Espírito
da Verdade”: não a verdade racional, dogmática, doutrinária...
Refere-se à “verdade profunda” que nos diz que fomos criados para uma
Vida plena e para contribuir a que cada ser humano participe de tal Vida. Ele é
a “verdade íntima” que nos diz que, no mais profundo de nós mesmos, não só
pulsa um coração, mas também um Deus que inspira em todos nós uma maneira
original de ser mais humano. Ele é a “verdade autêntica”: somos filhos(as),
irmãos(ãs) e somos chamados(as) a viver como tais.
Mais ainda: o “Espírito da verdade”
nos convida a viver na “verdade” de
Jesus em meio a uma sociedade onde a mentira é considerada estratégia, a
manipulação é vista como bom negócio, a irresponsabilidade é confundida com a
tolerância, a injustiça é identificada com a ordem estabelecida, a
arbitrariedade é propagada como ato de liberdade, a falta de respeito e a
violência verbal como expressões de sinceridade...
Para além das imagens e símbolos, é decisivo
re-descobrir a presença do Espírito de Deus que, dentro de cada um de
nós, provoca movimentos, ativa as brasas escondidas no coração, nos faz fortes,
alegres, valentes, apaixonados (as), audazes e sábios (as). Devemos acolhê-lo com coração simples e confiado, abrindo espaço
para que Ele atue com liberdade, inspirando-nos e fazendo-nos mais criativos. É
Ele que dá sabor e sentido à nossa existência e nos enraíza no modo de ser e de
viver de Jesus.
Conduzidos (as)
pelo Espírito de Jesus, mergulhamos em nosso mundo com os olhos abertos, com os
ouvidos atentos, com o coração sensível para ter acesso à verdade profunda de
toda a realidade. Tudo é perpassado por essa presença alentadora, que “faz novas
todas as coisas”.
Este Espírito de Vida subsiste em tudo e em todos,
embora muitas vezes nos tornamos traidores (as) do Seu sopro com nossos
exclusivismos, condenações e rejeição do pluralismo fomentado pelo mesmo
Espírito.
Nenhuma espiritualidade e nenhuma igreja tem o
monopólio do Espírito de Cristo, que sopra onde quer, como e quando quer, sem
que o controlemos; para o Sopro, não há barreiras e nem fronteiras.
Todos e todas estamos em caminho, envolvidos no
dinamismo contínuo desse Espírito Pascal.
Texto bíblico:
Jo 14,15-21
Na
oração:
Pela conversa a pessoa manifesta quem ela é. “Onde está sua conversa, aí está seu coração”.
- Quais são suas conversas? Elas animam os outros,
eleva-os, “aquecem seus corações?...
- Aguce seus sentidos, abra o
coração; há tantos que não podem mais esperar, pois ansiosos aguardam uma presença
que acolha e uma palavra que os anime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário