“Eu vim para que tenham vida, e a
tenham em abundância” (Jo 10,10)
Todo 4º. domingo de Páscoa é dedicado ao tema do Bom
Pastor. Embora o Evangelho de hoje não fale de “aparições” do Ressuscitado,
não nos afastamos do tema pascal: a “Vida” é o verdadeiro tema pascal.
A fé pascal é isso: crer na vida. E quando dizemos “crer na vida”, não estamos falando
em professar crenças, dogmas, doutrinas... Dizemos viver; dizemos confiar no potencial de vida em nós mesmos e nos
outros; dizemos rebelar-nos contra todos os poderes que asfixiam a vida;
dizemos fazer-nos presentes junto àqueles cujas vidas estão feridas; dizemos
ser humilde fermento que transforma e levanta a história; dizemos respirar em
paz e continuar caminhando cada dia, apesar do fracasso, da doença e da morte...
Crer na Páscoa é uma maneira original de ser e de
viver.
Para crer n’Aquele que é o Vivente,
não são necessários sepulcros vazios, nem anjos e nem aparições milagrosas,
pois tudo está “animado” (inspirado) pelo Anjo da Vida, tudo é milagre, todos
os sepulcros estão vazios de ausência, mas cheios de boa presença, da Graça de
ser que Jesus viveu.
Só é preciso que abramos o coração
e os olhos para apalpar a Vida em todas as mãos e pés feridos, em tudo o que é
e palpita: o caminhante anônimo, o imigrante expulso, os índios invadidos, o
ancião solitário, a criança abandonada, os enfermos esquecidos, os sem
teto-pão-trabalho...
A presença do Pastor Ressuscitado,
que vem ao nosso encontro em cada passo, nos chama pelo nosso nome e nos diz no
segredo do coração: “amigo(a), não temas; confia e vive!”.
O Evangelho é um contínuo chamado à Vida. Não qualquer vida, mas a Vida
verdadeira, a Vida que deseja ser despertada para romper com tudo aquilo que a
limita. Por isso, o relato do Bom Pastor
é uma verdadeira catequese sobre o encontro com Aquele que é Vida e que é fonte de Vida em crescente amplitude.
Jesus não vem prolongar a vida biológica, vem
comunicar a Vida de Deus que Ele mesmo possui pelo Espírito e da qual pode
dispor. Ao mesmo tempo, vem ativar em todos nós as potencialidades de vida que
ainda não encontraram possibilidades de expressão. Somos um manancial de vida
que se visibiliza na criatividade, na capacidade de sonhar, no encontro
compassivo com os outros, na comunhão com todas as manifestações de vida.
Em Jesus acontece algo totalmente novo; Ele traz
uma nova maneira de viver e de comunicar vida que não cabe nos nossos esquemas.
É justamente isso o que mais atrai em sua pessoa. Quem entra em comunhão de
vida com Ele, conhece uma vida diferente, de qualidade nova, expansiva...
Nesse sentido, a experiência do Seguimento de Jesus
é uma verdadeira “escola de vida”, cujo aprendizado nos leva ao âmago do nosso
ser, para enraizar nossa vida no coração da Trindade, dele haurir a
seiva da vida divina e deixar-nos plenificar pela graça transbordante de Deus.
Pois, em nossa vida
flui a plenitude da Vida, e nossa vida flui para sua plenitude, em passagem ou
páscoa permanente. Nada mais contrário ao espírito do Evangelho que a
vida instalada e uma existência estabilizada de uma vez para sempre, tendo
pontos de referência fixos, definitivos, tranquilizadores...
Jesus de Nazaré “passou fazendo o bem”, não de qualquer modo.
Aquele homem que movia multidões em toda a Galileia, por sua pregação e
milagres, não era um revolucionário violento. E, no entanto, nem por isso,
deixou de ser inquietante e perigoso. Como Bom Pastor, aproximou-se e
cuidou, de forma preferencial, dos mais fracos, pequenos, necessitados...,
deixando-se “tocar”
e “tocando” as situações humanas mais rejeitadas, mais quebradas, mais dolorosas,
mais sofredoras e marginalizadas...
Como Bom Pastor, Jesus transbordou ternura sobre
nossa humanidade ferida, despertando a vida atrofiada e escondida no interior
de cada um(a).
Para o evangelista João, a “vida” é uma totalidade, ou seja, a
vida presente, a vida atual, possui tal plenitude que, com toda razão, podemos
chamá-la de “vida eterna”; uma vida com tal força que nem a morte mesma terá
poder sobre ela. A vida eterna, então, não é um prolongamento ao
infinito de nossa vida biológica. É a dimensão inesgotável e decisiva de nossa
existência. Ela torna-se “eterna” desde já.
Precisamos adquirir uma consciência mais profunda
da vida enquanto “seres já ressuscitados”, perceber as pulsações desta vida
eterna que está em nós, do mesmo modo que, prestando atenção, percebemos as
batidas do coração de toda a criação.
Nesse sentido, a vida tem a dimensão
do milagre e até na morte anuncia o início de algo novo; ela carrega no seu
interior o destino da ressurreição. “Minha vida é
uma sucessão de milagres interiores” (Etty
Hillesum). Vida plena prometida por Jesus.
Nem sempre
sabemos viver de maneira intensa: conformamo-nos com uma vida estreita,
estéril, fechada ao novo, carregada de “murmurações”, presa ao cotidiano
repetitivo e “normótico”. O dinamismo do Seguimento de Jesus, no entanto, é
gerar vida, possibilitar que o(a)
discípulo(a) viva a partir da verdade mais profunda de si mesmo(a); ou seja,
viver a partir do coração, do “ser profundo”.
A imagem
de Jesus “Bom Pastor”, conduzindo e
abrindo novos espaços para suas ovelhas, nos ajuda a conhecer nossa própria interioridade (redil) e
despertar nossa vida, arrancando-a de seu fatal “ponto morto”, de seus
limites estreitos e constituindo-a como vida que se desloca em direção a novos horizontes.
O seguimento proporciona vigor inesgotável,
nossa vida se destrava e torna-se potencial de inovação criadora,
expressão permanente de liberdade, consciência, amor, arte, alegria,
compaixão.... É vida em movimento, gesto de ir além de nós mesmos; vida
fecunda, potencial humano. Vida com fome e sede de significado, que busca o
sentido... Vida que é encontro, interação, comunhão, solidariedade. Vida que é
seduzida pelo amor, pela ternura. Vida que desperta o olhar para o vasto mundo.
Vida que é voz, é canto, é dança, é festa, é convocação...
Somos Vida, não há lugar para o
temor!
Na Igreja de hoje, assim como naquela de São
João, devemos ser presenças de compreensão, de abertura, de acolhida, de
compaixão, de tolerância e de perdão, caso queiramos multiplicar a vida em
abundância e semear a esperança. Se nós asfixiamos as pessoas, se recusamos a
acolhê-las como são, se as condenamos, não podemos pretender querer alimentar a
vida em abundância n’aqueles(as) que nos são confiados. Todos nós temos esta
responsabilidade de abrir espaços para que a vida vá se expandindo. É a mais
bela das vocações e é a única maneira de ser fiel ao Cristo Bom Pastor.
Na vivência
pascal somos tomados de uma “moção à vida”, que nos impulsiona a prolongar o
ministério do Bom Pastor, sempre em favor da vida.
Texto bíblico: Jo
10,1-10
Na
oração:
Para quem
vive uma “passagem” autêntica (Páscoa) é impossível não ser movido a viver mais
intensamente, a valorizar a vida e a colocar-se a serviço dela; porque,
neste percurso litúrgico, cada pessoa experimenta a paixão eterna de Jesus pela
vida e por todas as manifestações de vida na face da terra. No tempo pascal,
cada seguidor(a) do Bom Pastor revisa sua própria vida à luz do amor
criador e redentor de Deus; percebe o dom da vida na sua origem e
alimenta a gratidão para expandir este dom como presença criativa e original.
- Jesus
continua exercendo seu “pastoreio” através de seus (suas) seguidores(as); que
ações concretas, você pode ativar no dia-a-dia, para que nelas transpareça o
coração do Bom Pastor?
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