“Eis que eu estarei
convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,20)
O Mistério Pascal é uma realidade única: nem a ressurreição, nem a
ascensão, nem o sentar-se à direita do Pai, nem a glorificação, nem a vinda do
Espírito, são fatos separados.
As diferentes “expressões” do
Mistério Pascal, pertencem ao hoje como ao ontem, são tão nossas como foram
para Pedro, João ou Madalena. Não aconteceram só no passado, mas também estão
acontecendo neste instante. São realidades que estão afetando nossa própria
vida. Podemos e devemos vivê-las como os(as) discípulos(as) de Jesus as
viveram.
Para nós seguidores(as) de Jesus,
Ascensão é abertura para o cotidiano,
para a realidade do serviço. É preciso partir
e viver o chamado do Mestre para prolongar, neste mundo, seu modo de ser e de
viver.
A Ascensão
de Jesus não significa evasão aos céus - “Homens da Galileia, por que ficai aqui,
parados, olhando para o céu?” (At. 1,11) – mas imersão
na vida. Aquele que Vive não escapou do mundo; sua Ascensão significa expansão e
presença no universo inteiro, plenificando tudo em todos; Ele agora assume
todos os rostos, identifica-se com toda a humanidade e continua a caminhar
pelas Galileias dos excluídos, das periferias, dos pobres, acampa junto aqueles
que vivem às margens...
Ao celebrarmos a
entrada de Jesus na glória, não celebramos uma despedida ou um distanciamento,
mas um novo modo de presença; celebramos a proximidade radical
d’Aquele que é, realmente, o Emanuel, o Deus-conosco para sempre.
Ao “subir aos
céus”, Jesus se faz mais radicalmente próximo de todos, ultrapassando tempo e
espaço. Ascensão não é afastamento, mas uma maneira nova de fazer-se presente a
todos e em todos os lugares.
O único
que Jesus faz é restabelecer e assegurar a proximidade e comunicação com toda a
humanidade. Isto deve nos dar uma grande alegria, pois Ele permanece aqui na
terra, junto a nós. Assim,
a Ascensão de Jesus nos desafia a romper a estreiteza de nossa vida para
expandi-la a horizontes mais inspiradores.
Na festa da Ascensão
deste ano, a liturgia nos propõe a cena final do evangelho de Mateus; embora
não fale expressamente da “elevação” de Jesus ao céu, nele se condensa todo o
caminho anterior, e se abre ao mundo inteiro, como presença e promessa de vida.
Mateus termina seu evangelho
narrando um breve encontro entre Jesus Ressuscitado e o grupo dos onze que
havia regressado à Galileia, depois de receber a mensagem das mulheres que
tinham ido ao sepulcro. Este encontro acontece longe de Jerusalém, afastado do
lugar onde eles tinham vivido a experiência traumática da paixão de Jesus. Esta
distância física é também existencial. Depois da crise, do medo, do desespero
que os havia paralisado, o Mestre os convida a voltar à Galileia, às origens, para
percorrer de novo os caminhos, para “fazer memória” das experiências junto
d’Ele e que agora hão de reler de forma diferente.
A Ascensão é a festa por
excelência da nova proximidade de Jesus. No entanto, devido à situação pandêmica,
celebramos fisicamente distanciados uns dos outros; mas, a Ascensão pode ser um
momento oportuno para ativar outras maneiras de nos fazer próximos, inspirados
na proximidade do Ressuscitado.
A festa da Ascensão pode também
ser uma ocasião para des-velar (tirar a máscara) o farisaísmo que está latente
em todos nós: a vivência camuflada de um distanciamento humano.
O isolamento
sanitário pôs às claras esta dura realidade: já levamos anos praticando o
distanciamento político, a polarização religiosa, o enfrentamento de extremos,
a separação ideológica, a distância como meio para nos fechar em nossas
posições fanáticas, preconceituosas e intolerantes. Uma voz surda sempre esteve
presente: devemos nos separar dos outros, daqueles que pensam diferente, sentem
diferente, vivem diferente, assumem posições e opções diferentes...
Não podemos deixar
que a atual crise sanitária acentue mais ainda os diferentes distanciamentos
que estavam escondidos, mas que agora vieram à tona com mais força.
Esta é a dura contradição que
estamos vivendo: se, estar separados fisicamente de nossos seres queridos e
vizinhos é o mais eficaz para combater a pandemia, precisamos, então, buscar
outras expressões de proximidade para que essa distância não se converta em
ecossistema e modo de vida. A distância sanitária não pode servir de cortina de
fumaça para reforçar outras distâncias que se abrem diante de nós, no campo
social-político-religioso-cultural...
Não podemos deixar
que o sonho do Reino, o projeto universal de Jesus, se dilua em meio às
distâncias artificiais que desumanizam. Hoje, mais do que nunca, devemos
celebrar e recordar que juntos, unidos, orientados para um horizonte comum,
poderemos enfrentar qualquer crise que nos venha. Talvez, esta
pandemia nos
oferece uma ótima oportunidade para crermos nisso, de verdade: de transformar
declarações ocas em atos sólidos, de resumir tudo o que é a humanidade numa só
palavra: proximidade. Proximidade
com aqueles que sofrem, com aqueles que buscam um mundo melhor, com aqueles que
menos tem, com aqueles que se sentem excluídos... Em meio a um mundo onde a
distância e a suspeita crescem e se enraízam, a Ascenção é a alternativa de proximidade e colaboração que todos
precisamos.
Não nos sobram muitas outras
oportunidades de transformar este sonho em realidade. Vivemos na distância,
necessária no momento, mas não façamos dela nosso estilo de vida; não devemos
convertê-la em meio que determine o que somos. Somos chamados a ser algo mais
que compartimentos estanques e seguros, isolados. Podemos ser “praça comum” de
encontro e diálogo, de mãos estendidas e ouvidos atentos para dar forma a isso
que tanto precisamos: sentir-nos próximos uns dos outros.
À luz da Ascenção podemos
afirmar: fisicamente distanciados é quando nos sentimos mais próximos.
Podemos recordar o constante
convite de Jesus a provocar encontros que ajudem a integrar, a
re-unir, a re-ligar, a articular o tecido comunitário. Há tantas vidas
esparramadas, isoladas, rejeitadas... esperando por sinergia. Na verdade, Ele
provocou as pessoas a saírem de seu isolamento e padrões alienados de
relacionamento para expandir-se em direção a uma nova forma relacional com tudo
o que existe; tal relação é a concretização do sonho do “Reino de
Deus”.
Como homem e
como mulher, trazemos esta força
interior que nos faz “sair de nós mesmos” e criar laços, fortalecer a comunhão, romper
distâncias...
O ser humano
não é feito para viver só; ele necessita con-viver,
viver-com-os-outros; ele é um ser constitutivamente aberto, essencialmente em referência a outras pessoas: estabelece
com os outros uma interação, entrelaça-se com eles, e forma um nós: a comunidade.
Textos
bíblicos:
Mt 28,16-20
Na
oração:
Jesus vive sua proximidade radical através
dos seus(suas) seguidores(as) que se fazem próximos. A “opção de vida” em favor
do próximo é o indicador de uma vida aberta e comprometida na cons-trução de
uma convivência social na qual predomine a ternura
e não a dureza de coração, o respeito à vida e o amor e não a violência e a
exclusão.
- De quem eu sou próximo, ou, como me faço
próximo, nestes tempos de isolamento social?
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