“Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim,
mesmo que morra, viverá” (Jo 11,25)
O
quinto domingo da Quaresma é como uma espécie de Monte da visão, de onde podemos contemplar as primeiras luzes da
Páscoa e da Vida. Ela ainda não é realidade, mas já podemos ver seus primeiros
sinais. O importante é nos perguntar se, de verdade, estamos nos aproximando deste
Monte da visão ou, simplesmente, ficamos no caminho, cansados, fatigados ou
indiferentes.
A
Páscoa é a nossa verdadeira meta? É o nosso verdadeiro horizonte?
É preciso tomar consciência de onde
saímos: lugares estreitos, visões atrofiadas, atitudes conservadoras, ideias
enfaixadas, sentimentos carregados de ego, coração petrificado... Ou será que
vamos chegar à Pascoa tão escravos como quando partíamos, no início da Quaresma?
Quanta liberdade temos hoje que não
tínhamos no começo?
A
CF deste ano nos apresenta como tema: “Vida:
dom e missão”.
Sabemos
que este caminho em favor da vida é belo, instigante, mas muito arriscado.
Aqueles que trabalham em favor da vida, aqueles que tiram homens e mulheres de
seus túmulos, são frequentemente perseguidos, porque há interesses em jogo e
muitos preferem que as coisas continuem do mesmo modo. Assim diz o Evangelho: “Que morra um (Jesus) para que o “bom” sistema
prossiga...”
Que morram muitos, milhões, para que o sistema neo-liberal continue sobrevivendo.
É perigoso optar pela vida e
testemunhar a ressurreição neste mundo de morte. Há muitos (pessoas e instituições)
que preferem manter as coisas assim, traficando com a morte (vendedores de
armas, promotores de uma economia que mata, etc.). O evangelho revela que os
primeiros traficantes da morte (“que Lá-zaro apodreça!”)
são os dirigentes religiosos e políticos que controlam o poder a partir da
mesma morte.
A única verdade é a que abre espaço
de vida para todos, em justiça e paz. O único valor é a vida, cada vida, acima
da “santa nação” à qual apelava Caifás, compactuando com o Sacro Império de
Roma.
No processo do seguimento de Jesus, ao longo da
Quaresma, somos tomados por uma “moção à vida”
que nos impulsiona a uma “missão em defesa da
vida”. Da moção
à missão: este é o dinamismo original deste tempo litúrgico.
Alguém já teve a ousadia de afirmar que a morte é mais universal que a vida; todos morrem, mas nem todos “vivem”, porque incapazes
de re-inventar a vida no seu dia-a-dia; marcados pelo medo, permanecem atados,
debaixo de uma fria lápide, sem nunca poder entrar em contato com a vida que
flui dentro de si e ao seu redor. Na maioria dos casos, as pessoas passam sobre
a vida como sobre brasas: de uma maneira superficial, fugindo do grande sentido
da própria existência. Diante do impulso por viver em plenitude, contentam-se
em mal-viver ou sobreviver. Trata-se de pessoas mortas diante do sentido da vida,
ou seja, pessoas alienadas, desconectadas de si mesmas, sem experiência pessoal
profunda e sem ter dentro de si a fonte da confiança e do entusiasmo. Criam
sepulturas e se enterram.
Quem não sabe por quê
vive e para quê
vive, não pode eleger o como
quer viver.
O apelo de Jesus – “Lázaro, vem
para fora!” - é um princípio de esperança, mas
também de compromisso em favor da justiça neste mundo.
“Lázaro, vem para fora!”
Hoje, com muito mais intensidade, é preciso deixar ressoar este grito. Venhamos
todos para fora, de maneira que não vivamos mais de mortes, que não vivamos
mais na indiferença e na letargia, envolvidos em sudários e vendas,
compactuando com a violência e com a injustiça, dando cobertura aos que matam!
Esta expressão – “vem para fora!” –
é para todos; temos de sair de um mundo em que, de um modo ou de outro, nos
acostumamos com as mortes, defendendo mediações e estruturas que atrofiam a
vida.
Sair do túmulo significa viver para
a vida, na justiça e na solidariedade; que todos possamos viver para a acolhida
e a concórdia, condenando a violência de um modo radical.
O caminho da vida começa ali onde
tomamos consciência que não se pode matar ninguém para “manter a própria
segurança”; que ninguém se aproveite da injustiça para justificar algum tipo de
ação opressora.
“Jesus era muito
de Marta, de sua irmã Maria e de Lázaro”, e é nessa corrente de vida e amor onde
aprendemos a força sanadora que as relações tem. Os três irmãos representam a
nova comunidade dos seguidores de Jesus; e Jesus está totalmente integrado no
grupo por seu amor a cada um(a). Cada membro da comunidade se preocupa pela
saúde do outro.
A
morte de Lázaro se converteu em uma benção para suas irmãs e seus amigos.
Depois de atravessarem juntos a experiência dos limites, de reconhecerem-se
feridos e de abraçarem a dor, fortaleceram-se os vínculos entre eles, e a
amizade pode se expandir.
O
amor e a amizade devolveram a vida a Lázaro, recriando esse “tecido de
relações” que Jesus estabeleceu com esta família de amigos, em Betânia.
Vivemos, também nós, um tempo de
decomposição social e de relações superficiais.
Talvez, quem sabe, muitos
acontecimentos que nos custam viver escondem também uma benção.
As perdas, a dor, a doença..., nos
aproximam dos outros, nos fazem mais solidários. Humaniza-nos também a ternura,
a bondade, o tratar mutuamente com cordialidade...
O sofrimento e a perda podem nos
despertar para a dimensão de profundidade da realidade e de nós mesmos. Mas
precisamos passar por um processo de transformação para que o sofrimento e a
dor nos abram ao Mistério e não nos afundem no desespero. Jesus vai ajudar
Marta e Maria a passar por este processo.
Em
chave da interioridade, no relato evangélico deste domingo, “Lázaro”
pode significar também aquilo que rejeitamos em nós mesmos, aquilo que deixamos
enterrado sob uma lápide porque não nos agrada; o que ocorre é que tudo o que
enterramos e reprimimos começa a exalar mau cheiro.
Para começar a viver, é preciso, antes
de mais nada, reconhecer o que já está morto em nós (falta de sentido, ego
inflado, preconceito, frieza nas relações); reconhecer nosso Lázaro interior
naquilo que há de positivo e que ainda não foi ativado, porque preferimos nos
fechar em mecanismos egocêntricos; reconhecer nosso Lázaro naquilo que nos pesa
e que é reprimido, ameaçando-nos continuamente como uma sombra.
Mas não é suficiente reconhecê-lo.
Exige-se também crer na força da vida e no dinamismo do próprio ser
habitado por Deus, que nos cria constantemente. A partir daí, podemos escutar a
palavra de Jesus que chama à vida e ressuscita o Lázaro que ainda vive em nós.
O que mais precisamos é reagir à apatia e à acomodação, a partir da confiança
na vida e na palavra de Jesus.
O “ego” é nosso principal sepulcro:
tudo o que significa culto ao “eu”, todo tipo de egoísmo, narcisismo e individualismo.
É a incapacidade para a relação aberta e generosa; é o coração solitário; é
aquele que se fecha em si mesmo, se asfixia, morre. No fundo, é o sepulcro do
não-amor.
Sabemos disso: “todo aquele
que não ama está morto”.
Texto bíblico: Jo
11,1-45
Na oração:
deter-se para contemplar o coração
de Jesus comovido, sacudido, diante da dor e da morte; assim é o seu coração: feito com as fibras da
fortaleza e da coragem, entrelaçadas com as fibras da compaixão
e da ternura.
-
Para captar a presença de Deus em sua vida, fique atento(a), desperto(a), não
perdido(a) em tantas coisas que o(a) levem a viver afastado(a) de si mesmo(a).
- Deus é presença
calada e respeitosa. No silêncio e no olhar profundo pode-se captar os
vestígios de sua presença. No amor aos outros, cada um(a) se abre à densidade
de Seu amor.
- No assombro diante
da vida, sentida em seu interior, perceba-se mergulhado(a) no Mistério.
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