“O seu rosto brilhou como o sol e as
suas vestes ficaram brancas como a luz” (Mt 17,2)
“Saí de vossas trevas! Deixai para trás a segurança do vale
e empreendei, sem medo, a subida ao monte, porque lá no alto a luz vos
espera!”.
Este poderia ser o apelo do evangelho da Transfiguração, que pede de nós
mobilidade para sair das falsas seguranças de uma vida sem horizontes.
De
fato, há em nós uma força atrofiadora que nos faz preferir a acomodação,
permanecendo tranquilos, perdidos no imediato e alheios à capacidade de
transfiguração que se esconde por detrás da aparente normalidade das pessoas e
das coisas.
“O mundo está
cheio de esplendor espiritual e de segredos maravilhosos, mas basta um pequeno
cisco sobre nossos olhos para que tudo fique escondido” (Baal Sem Tov).
Por isso, no Evangelho de hoje, e
com diferentes graus de intensidade, o evangelista sai da esfera plana das
descrições precisas e exatas e se expressa na linguagem do excessivo, do
simbólico, do totalizante: “seu rosto
brilhou como o sol”, “suas roupas ficaram brilhantes como a luz”, “uma nuvem
luminosa os cobriu”...
E como contraste escuro frente a
tanta luz, três pobres homens assustados que balbuciam disparates, que
preferiam permanecer junto a esta situação tão surpreendente.
A
Transfiguração está nos dizendo quem era realmente Jesus e quem somos
realmente cada um de nós.
Essa
cena que Mateus relata é um símbolo das muitas “experiências de transfiguração”
que todos experimentamos. A vida diária tende a fazer-se cinza, monótona,
cansada, e a deixar-nos desanimados, sem forças para caminhar. Mas, eis que
surgem momentos especiais, com frequência inesperados, em que uma luz atravessa nosso coração, e os olhos
de nossa interioridade nos permitem ver muito mais longe e muito mais fundo
daquilo que estávamos acostumados a olhar até esse momento.
A realidade é a mesma, mas nos
aparece transfigurada, com outra figura, revelando sua dimensão interior, essa
na qual tínhamos acreditado, mas que com o cansaço do caminhar tínhamos
esquecido. Essas experiências, verdadeiramente espirituais, nos permitem
renovar nossas energias e, inclusive, entusiasmar-nos para continuar
caminhando, com o sentimento de “como se víssemos o Invisível”.
Aquele Monte
(Tabor) foi um espaço instigante para Jesus, lugar alto de sua experiência
radical, de onde Ele podia ver os problemas da humanidade, para senti-los, para
assumi-los e mudar... O mesmo Jesus nos faz subir à grande montanha para que
vejamos as coisas de outra forma, de outra perspectiva...
É preciso, de vez em quando, tomar distância e nos
afastar do cotidiano rotineiro e atrofiado, para ampliar nossa visão e
contemplar o drama humano; é decisivo nos situar diante do calor de Deus (sarça
ardente) para desvelar nossa verdadeira identidade. Somente assim a Montanha nos transfigurará para que nos
empenhemos no serviço em favor dos “desfigurados” do mundo.
Todos nós aspiramos por
experiências como a dos discípulos de Jesus no alto do Tabor. Mas nós não
podemos nos encontrar com Jesus no Tabor
da Galiléia. Necessitamos buscar nosso Tabor particular, os rincões de
nossa morada interior, onde estão as fontes que mais forças nos dão, as luzes
com as quais nos sintonizamos para iluminar e dar um novo significado ao nosso
compromisso primeiro.
Todos nós somos portadores de uma luz que procede de dentro, uma
iluminação interior, que só aquele que vive a partir de sua própria
interioridade consegue ter acesso a ela.
Ao
relatar suas experiências espirituais, muitos místicos fazem referência a uma luz que ilumina com força seu interior.
É uma graça que não se revela rara, pois temos consciência que “Deus
é luz” e que o mesmo Jesus se definiu como a “Luz do mundo”. Somos
envolvidos providencialmente por esta expansiva Luz.
Todas
as pessoas que fizeram esta experiência de encontro com o “Deus da Luz”,
puseram os meios para fazer a viagem interior e ativar a “faísca da luz divina” ali presente. Na medida
em que se deixaram invadir por essa Luz, aproximaram-se cada vez mais dela para
vivê-la com mais intensidade e para deixá-la refletir em seus rostos e ações.
Por isso, foram pessoas de presenças originais e iluminantes em seu meio.
No ritmo do cotidiano, o dom imenso
da luz passa desapercebido. Que o
digam aqueles que não podem ver; que o digam aqueles que nunca puderam
estremecer-se diante de um pôr-do-sol ou diante das cores vivas de uma pintura;
que o digam aqueles que nunca puderam ver o brilho de uns olhos cheios de
amor...
Na costumeira cotidianidade, o
perigo de não valorizar a luz é evidente; no entanto, para quem contempla sua
cotidianidade, a formosura da luz que se derrama sobre nós que vivemos neste
planeta sem luz própria é a prova da generosidade de Deus para conosco.
Por
isso mesmo, há vidas luminosas e vidas obscuras. Há pessoas cuja luz interior
trans-figura suas vidas: vivem na transparência da luz, seus gestos e atos são
luminosos, admiram-se com o brilho da vida e desejam que tudo tenha esse
brilho, iluminam com sensata positividade tudo o que acontece ao seu redor,
colocam-se sempre na perspectiva de quem desfruta da cor e do amor no encontro
com os outros...
O
resplendor da Transfiguração brilha no interior de cada um de nós; não nos
vemos vazios por dentro porque no mais profundo de nós, na morada mais interior,
está o “sol de onde procede uma grande
luz”
(Santa Teresa de Jesus).
Deixar-nos transfigurar. Somos
seres de luz e nossa verdadeira transformação nasce de nosso interior.
Na Transfiguração,
Jesus nos faz descobrir nosso verdadeiro ser, que vemos refletido n’Ele.
A
transfiguração não é condição de um “iluminado”, mas a realidade de toda pessoa
que é capaz de “sair
de seu próprio amor, querer e interesse” (S. Inácio).
Deixar-se transfigurar é descentrar-se e expandir sua luz, para realizar aquele
chamado único de Jesus dirigido a todos: “Vós
sois a luz do mundo”.
Transfiguração é festa da luz: Jesus é
a Luz e no encontro com Sua Luz
podemos ativar a tímida luz presente no nosso interior. Só assim podemos
ampliar os espaços de luz em nossas vidas, para contagiar-nos de luz e para
comunicar uma mística de luz em nosso entorno. Não se trata de falsas iluminações,
mas de alcançar outra perspectiva de vida, mais luminosa, mais positiva, mais
esperançada.
Para transitar na noite de
nosso tempo precisamos buscar, na Transfiguração, a Luz que a
ilumine e nos indique a direção e o sentido de nossa existência.
A “noite de nosso mundo”- carregada
de tanta corrupção, violência, preconceito e intolerância - pede pessoas
marcadas pela experiência da Transfiguração, capazes de ver a presença d’Aquele
que é a Luz no meio das realidades simples e cotidianas, no profundo do coração
de cada ser humano, de cada realidade vivente, de cada palmo de nossa terra, no
mistério insondável do universo grávido de graça.
Precisamos cultivar não só olhos
que vejam a realidade, senão que sejam capazes de contemplar, no meio da
noite, a presença da Luz: uma luz que brota das profundezas da
realidade, do profundo do ser, onde o Deus, Fonte de vida, sustenta tudo; uma Luz
que nos faz descobrir nosso ser essencial: filhos e filhas amados(as) e
irmanados(as) com todos e com tudo.
Texto
bíblico: Mt 17, 1-9
Na
oração:
Na nossa vida cristã, não faltam momentos de claridade e certeza, de
alegria de luz.
E
tudo depende de nossa visão, ou seja, se nosso olhar só capta o imediato e
rasteiro que nos rodeia, ou se é capaz de descobrir o profundo e o luminoso em
tudo...
-
Como é seu olhar? Você é capaz de transfigurar o olhar para captar a presença
da Luz, da profundidade de sentido, da presença de Deus... que há por detrás de
cada circunstância?
-
Sua presença cotidiana, é oportunidade para deixar transfigurar sua luz
interior, que se visibiliza na bondade, na compaixão, no compromisso com a
vida...?
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