“Avança para águas mais profundas, e
lançai vossas redes...” (Lc 5,4)
Indiscutivelmente, Jesus é o misterioso visitante
que cada dia chega até nós para advertir que precisamos nos libertar do tedioso
cotidiano, quando ele se torna convencional e, não raro, carregado de
desencanto, pesado, estressante... Corremos o risco de sermos apenas imitadores ou
repetidores, pois tememos nos perder na busca do novo, bloqueando o desenvolvimento
pessoal e comunitário.
O encontro com Jesus nos arranca da rotina, do
“sempre fizemos assim” e nos desafia a “pescar” de maneira diferente; sua
presença alarga nossa mente e nosso coração instigando-nos a sair dos nossos
estreitos mares e entrar no movimento do vasto mar que Ele nos oferece.
Em quê grau Sua presença nos desperta para aquilo
que devemos ser como seus(suas) seguidores(as)?
São grandes os riscos de vivermos
em mares tão estreitos; é cômodo perceber, delimitar, defender e fechar-nos no
próprio mar. Isso fazemos de maneira tão zelosa que nem vemos aquilo que
está para além da margem onde nos estabilizamos.
Tal estreiteza de vida aprisiona a
solidariedade e dá margem à indiferença, à insensibilidade social, à falta de
compromisso com as mudanças que se fazem urgentes. O próprio espaço se
torna uma couraça e o sentido do serviço some do horizonte inspirador de tudo
aquilo que se faz.
Hoje, o lago
de Tiberíades se converteu numa grande rede que abarca o mundo inteiro.
Mas, o que as pessoas buscam nessa grande rede? E, sobretudo, o quê estamos
oferecendo nela para evangelizar?
Com um só click podemos chegar a milhões de
pessoas, podemos fazer muito bem, mas também podemos criar muita confusão e
inclusive repulsa, podemos levar a mensagem de Jesus ou simplesmente fazer
transparecer todo o nosso ego inflado, cheio de si mesmo. As redes sociais têm
seus perigos, mas também tem suas grandes oportunidades que não podemos
desperdiçar. Vamos nos dando conta que, enquanto não evangelizemos a partir dos
meios eletrônicos modernos, não poderemos encher nossas redes de peixes. O
seguimento de Jesus implica hoje a necessidade de evangelizadores nas redes
sociais.
Tendo as ferramentas em mãos
(nossas pobres barcas e redes) e sendo portadores de uma mensagem de vida (o
evangelho) somos movidos por Jesus a “ser pescadores
do humano”.
No mar das redes sociais ressoa
mais uma vez o apelo de Jesus: “fazei-vos
pescadores do humano”.
Frente a esta nova realidade, quê
tipo de profecia responde melhor a nossa peculiar forma de
cooperar na missão do Espírito do Abbá e de Jesus.
Estamos no mundo das telas:
através delas nos interconectamos, transmitimos informações, saberes. As
diversas telas tendem à convergência: com um só dispositivo, fixo ou móvel,
podemos falar, enviar e receber fotos, música, vídeos e qualquer tipo de
arquivo; com o “boom” das redes sociais podemos fazer isso com o grupo que
elegemos em cada momento.
Se há algo que caracteriza nosso tempo é a nova
consciência de ser rede-comunhão-interconexão-unidade. Encontramo-nos em
um tempo surpreendente: as espetaculares inovações tecnológicas nos convidam a
entrar numa inimaginável rede de informações, imagens, conexões... Nosso
planeta está dotado de uma complexíssima textura de comunicações. Com apenas
alguns clics oferece-se, diante de nós, um mundo complexo, de graça e maldade,
de alianças para o bem e para o mal, de luzes e trevas.
E aí estamos nós, seguidores(as) de Jesus,
“en-redados(as)”, nos perguntando por nossa identidade cristã, na vivência do
Evangelho e na missão de nos fazer presentes neste “novo mundo”.
Todos já sabemos que tudo está interconectado: a globalidade
é interação. Lentamente vai-se tomando consciência de que formamos
parte de um todo. A realidade vai se revelando como um manto sem costuras, sem
fraturas, onde todos estamos implicados e comprometidos.
“Rema mar adentro!”,
ressoa a voz de Jesus. A multidão permanece em terra; somente Pedro e seus
companheiros se adentram no mar profundo. Este apelo de Jesus é muito simbólico.
Em grego “bados” e em latim “altum” significam profundidade
(alto mar); só nas profundezas é que se pode extrair o mais autêntico do ser
humano, o que é mais nobre e divino.
Tudo o que, em vão,
buscamos na superfície, está dentro de nós. Mas, ir mar adentro não é tão fácil
como pode parecer. Exige ultrapassar as seguranças do “eu superficial” e
adentrar-nos nas incontroladas águas de nosso ser profundo. Confiar naquilo que
não controlamos exige uma fé-confiança autêntica. Dizia Teilhard de Chardin: “Quando descia ao
profundo de meu ser, chegou um momento em que não ‘dava mais pé’ e parecia que me deslizaba para o vazio”.
O mar era o símbolo das forças do mal. “Pescar homens” era um dito popular que significava
tirar alguém de um perigo grave. Não quer dizer, como se entendeu com
frequência, fazer proselitismo ou converter as pessoas à força para a religião
cristã. Aqui quer dizer: ajudar as pessoas a sair de todas as opressões que lhe
impedem crescer e desenvolver suas potencialidades. Só pode ajudar o outro a
sair da influência do mal aquele que encontrou o que é mais verdadeiro e nobre
dentro de si mesmo.
Neste contexto atual,
onde corremos o risco de nos converter em pessoas “grudadas” a uma tela, se faz
mais necessário que nunca humanizar a rede para “pescar o humano” que está escondido no
oceano interior de cada um. Esta humanização requer, em primeiro lugar, muita
responsabilidade.
Tudo isto nos leva a pensar que na rede há uma
grande necessidade de silêncio (“silêncio na rede”), precisamente para que possamos
ouvir a verdade com amor. Há excessivas palavras que afogam, notícias falsas,
“bullings”, campanhas desqualificadoras e comentários feitos com extrema má
educação. Sobretudo nas páginas religiosas, precisamos de um silêncio
construtivo para que se escute a verdade que liberta.
Silêncio construtivo significa utilizar uma linguagem
propositiva, compreensiva, que estenda pontes de diálogo, que escute o outro
que é diferente, que leve em conta o que “o outro” diz, talvez um aspecto da
realidade que nos tinha escapado.
Silêncio construtivo significa tomar partido pelos mais
fracos e excluídos; significa usar uma linguagem que sare as feridas, que
reconstrua os vínculos quebrados. Uma página (mensagem) que só busca condenar,
que só revela intolerância e preconceito, não pode ser evangélica.
Literalmente, “há demasiado disparos” que desumanizam. Precisamos do azeito do consolo que
cura as feridas, o vinho da esperança que nos une como irmãos acima das
diferenças, o pão da compaixão que alimenta e eleva ...
É preciso fazer a “travessia” do estreito mar de nossa vida,
onde nossas inúteis barcas e redes só “pescam” futilidades e lixo, para o
grande oceano que Jesus nos oferece, carregado de vida e vida em plenitude.
Texto bíblico: Lc
5,1-11
Na
oração:
“Rema mar adentro e desce ao profundo
de teu ter!”
É
um convite dirigido a todo ser humano. Sem essa profundidade, não é possível a
plenitude humana. A contemplação é o único caminho.
“Não
é necessário que percorras os mares buscando alimento; aprende a pescar em teu
próprio mar interior; o que com tanto afinco buscas fora de ti, já tens ao
alcance da mão, dentro de ti.
Se
não tens pescado nada, que poderás oferecer aos outros? Se não tens aprendido a
pescar, como poderás ensinar a outros? Dá verdadeiro sentido à tua vida e
ajudarás os outros a atingir o mesmo”. (cf. Fray Marcos)
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