“Quando ouviram estas palavras de Jesus, todos na sinagoga
ficaram furiosos” (Lc 4,28)
O
Evangelho deste domingo é inspirador: as pessoas se admiram com as “palavras cheias de encanto que saíam da boca de Jesus”. Palavras que despertam
assombro nelas; palavras diferentes que ativam suas vidas, palavras que não
deixam ninguém indiferente; palavras provocativas porque carregam o impulso do
novo; palavras que incomodam porque lhes faziam perguntar por suas próprias
palavras, seu modo habitual de ser e de viver...
A primeira reação dos ouvintes foi
de admiração pela pessoa de Jesus e por sua mensagem. Mas, rapidamente,
passaram da admiração à surpresa: quem pensa ser ele, para dizer tais coisas? «Não é este o filho de José”? Reduzem-no assim à sua herança natural; não
haviam entendido que, dali em diante, têm à sua frente um novo Jesus, o Filho
muito amado do Pai. A única razão que dão para rejeitar as pretensões de
Jesus é que Ele é simplesmente mais que um do povoado, conhecido de todos.
Isto é revelador por parte do
evangelista Lucas. No
início de sua vida pública, Jesus se revela como uma presença original, pois
sendo “um entre tantos”, no entanto, sua presença despertava perguntas, dúvidas
e até incompreensões e discussões. Todo seu povoado o via como um homem a mais,
um galileu a mais.
Mas,
sendo “um entre tantos”, começou a pensar, viver e agir com um estilo único que
o diferenciava de todos. A grandeza de Jesus está justamente
em que, sendo um no meio de tantos, foi capaz de descobrir o que Deus esperava
d’Ele.
Jesus
não é um extraterrestre que traz poderes especiais de outro mundo, mas um ser
humano que tira da profundidade de seu ser o que Deus colocou no coração de
todos. Fala daquilo que encontrou no seu interior e nos convida a descobrir em
nós o mesmo que Ele descobriu.
Sua vida
começou a desconcertar as pessoas; seu modo original de falar desconcertava a
todos; sua liberdade de espírito e seus critérios desconcertavam as pessoas.
Diante d’Ele só lhes restava fazer perguntas: quem é Ele? Como explicar sua
proposta de vida?
Jesus não quis deixar o mundo como o
encontrou; Ele não veio ao mundo para deixá-lo tal como estava; Jesus veio
mudar as coisas e deixar-nos um mundo diferente; não um mundo com soldas e
remendos, mas um mundo mais habitável. Por isso, no início de sua vida pública,
Ele se revela como uma presença
diferente, apresentando a proposta de um mundo diferente.
Tudo o que era antigo chegou ao
fim; um mundo novo está aberto, diante de todos.
Pois, agora, a hora chegou. Os
ouvintes de Jesus entendem que vão ter de mudar, de transformar-se. E isto é
inquietante: estavam tão tranquilos até aquele momento.
As pessoas de sua comunidade viviam
mergulhadas na inércia, no costumeiro e não queriam se abrir ao novo, às
mudanças. Preferiam a vulgaridade de ser como todo o mundo à
originalidade de ser diferente; preferiam a monotonia de viver como todos e
passar desapercebido na massa, sem derpertar a atenção para uma original e
provocativa presença.
Os moradores de Nazaré estavam
fechados à presença divina. E nos oferecem, assim, uma imagem daquilo que, com
frequência, também vivemos: o julgamento que fazemos dos outros, o nosso
preconceito e a nossa intolerância diante de quem pensa, sente e vive de
maneira diferente.
As palavras
de Jesus na sinagoga de Nazaré questionam, também hoje, o sentido que nossas
palavras têm; elas nos fazem tomar consciência daqueles que se sentem movidos
por nossas palavras, nos fazem perguntar sobre a inspiração e a força das
palavras que brotam do nosso interior.
Quantas
palavras temos dito ou escrito hoje? Talvez tenhamos enviado um e-mail; ou
feito um comentário no WhatsApp ou no blog de um amigo; ou tenhamos conversado
junto a uma mesa de bar, partilhando conselhos, trocando ideias...; ou tenhamos
falado com nossa mãe pelo telefone...
Vivemos
saturados de palavras. Elas nos assaltam nas canções, estão nos perfis
virtuais, nos livros, em mil e uma conversações. Falamos, dizemos, escrevemos,
escutamos, lemos...
E de tanto usá-las, talvez as
palavras tenham perdido o sentido. Estamos
tão acostumados a proferi-las que não nos damos conta do muito que significam.
Então falamos, mas não vivemos; digitamos palavras, mas não transmitimos calor
humano. Assustam-nos converter a palavra em palavreado crônico.
Há palavras que se gastam de tanto
serem usadas; há afirmações que, de tanto serem repetidas, perdem sua força.
Palavras que perdem seu valor, caindo no terreno comum das “coisas baratas”. Pronunciar,
sem enrubescer, palavras que deveriam ser ditas com extremo cuidado como
compaixão, justiça, amor, vida... É bonito pensar no poder das palavras, ou em
nosso poder e responsabilidade ao pronunciá-las.
Sabemos
que o ser humano chegou a ser o que é graças a esse dom evolutivo que é a palavra; ela nos permite pensar, dar
nomes às coisas, aos outros seres, às emoções que sentimos dentro de nós e comunicar-nos
eficazmente com nossos semelhantes.
Claro
que, como somos seres complexos, esse dom, que é nossa capacidade verbal, pode
ser usada para diferentes fins. Podemos utilizá-la para reconhecer e transmitir
o que de verdade sentimos ou pensamos ou enganar-nos a nós mesmos e aos nossos
interlocutores.
A
diferença radical está no fato de que com a palavra podemos cuidar, acariciar,
conhecer, irradiar consolo ou amor, ser artífices de paz e sossego... Ou,
podemos gerar ódios, rancor, alimentar preconceitos e julgamentos, provocar
invejas, trair, dividir...
Nas “sinagogas pós-modernas” (redes
sociais) temos a oportunidade de proferir palavras que ampliam a vida, elevam o
outro, abrem horizontes de sentido...; elas também se revelam como o espaço
onde escutar palavras oriundas de um coração e uma mente diferentes, que
despertam mudanças, a busca do novo... Infelizmente, como nos tempos de Jesus,
também este ambiente tem sido o local da expressão de palavras ásperas de
julgamento e de indiferença, carregadas de preconceito e intolerância. Ali
encontramos a soberba disfarçada de verdade, o conservadorismo farisaico que
cria distâncias, o medo camuflado de firmeza, as inseguranças alimentando
divisões... Estas atitudes nunca deixam espaço para o novo, a renovação
torna-se impossível e a inovação se extingue... Nesses ambientes disfarçados de
ortodoxia, fundamentalismo, moralismo, legalismo... nem o Espírito tem espaço
para atuar e inspirar “palavras de vida”.
Jesus foi “deletado de sua
comunidade” porque ousou pensar de maneira diferente; o seu anúncio e as suas
opções rompiam com esquemas mentais arcaicos e petrificados.
Por isso, dentro de nossas
sinagogas atuais, é preciso alimentar mais sobriedade frente à “falação”
vazia”; mais sinceridade frente à mentira; mais acolhimento frente à
indiferença...
Talvez
o silêncio pode ser algo novo quando não se tem uma palavra diferente que
dizer. Mas é certo que se cheguemos a dizer algo novo, algo nosso, há uma terra
sedenta que espera ansiosa essa chuva.
Texto bíblico: Lc 4,21-30
Na oração:
Diante
das palavras que brotam de minha
sinagoga interior, perguntar-me:
- Quantos se sentem tocados pelas minhas palavras?
Quantos daqueles que as escutam se sentem anima-dos, vibrantes, curados... Até
onde falo daquilo que vivo? Minhas palavras despertam o coração das pessoas?
- Ou, pelo contrário, quantos daqueles que me escutam se
sentem entendiados e cansados diante de meu pala-vreado crônico, de minhas
críticas ácidas, de meus julgamentos preconceituosos?
Nenhum comentário:
Postar um comentário