“E, levantando os olhos para os seus
discípulos, disse: ‘bem-aventurados vós...” (Lc 6,20)
“Ser feliz”: não há outra meta mais importante
na vida de todos nós. De fato, é tão importante que se converteu em um desejo
que repetimos de maneira muito frequente e, de forma especial, para as pessoas
que mais amamos. Proferimos os votos de felicidade em qualquer
evento, em todos os aniversários, no início de cada ano... Não podemos
desprezar o excesso de nossas felicitações, por mais rotineiras que nos
pareçam. Elas expressam um desejo profundo, talvez o desejo mais íntimo de nós
mesmos.
“Que sejas feliz!” Que melhor sentimento que
isso podemos desejar a alguém, seja ele(ela) quem for?
A
proposta evangélica de felicidade
tem algo a nos dizer em nosso momento atual?
A
impressão que temos é que a vivência de muitos cristãos está longe de
apresentar a Deus como amigo da felicidade humana, fonte de vida, alegria,
saúde; na experiência de fé de muitas pessoas, o seguimento de Jesus,
muitas vezes, não se associa com a idéia de “felicidade”.
Predomina,
em certos ambientes ou grupos cristãos, uma doutrina dolorida e uma catequese
afastada da busca humana da felicidade. O cristianismo se apresentou, durante muito
tempo, como a religião da cruz, da dor, do sofrimento, da renúncia, da
repressão ao prazer e à felicidade neste mundo.
Diante
de tal situação, Jesus, no Evangelho de hoje, afirma categoricamente: “Felizes sois
vós!”
Jesus,
ao “descer
à planície”, promulga seu programa “com” vida, fundado não numa
ética de “deveres e obrigações”, mas numa ética de “felicidade e ventura”.
Aqui
está a surpreendente novidade do projeto oferecido por Jesus. Sem sombra de
dúvida, o significado das bem-aventuranças e, portanto, do programa de Jesus,
é algo mais humano, mais próximo e mais ao alcance de ser entendido e vivido
por qualquer pessoa de boa vontade.
O Evangelho, a “boa notícia”, é o tesouro que
enche o ser humano de uma felicidade indescritível. Com efeito, a
primeira característica que aparece nas bem-aventuranças é que o programa de
Jesus para os seus é um programa de
felicidade”. Cada afirmação de Jesus começa com a palavra “makárioi”, “ditosos”. Essa palavra, significa, em grego, a
condição de quem está livre de preocupações e atribulações cotidianas.
As
bem-aventuranças substituem os mandamentos que proíbem por um
anúncio que atrai para a felicidade. E a promessa de felicidade não é para
depois da morte. Jesus fala da felicidade nesta vida.
Conhecemos
duas listas de Bem-aventuranças: a de Lucas e a de Mateus. São bastante
distintas, porque uma fala dos pobres e a outra fala dos pobres “em espírito”;
uma fala de fome e outra de fome de “justiça”... Costuma-se dizer que as
Bem-aventuranças de Lucas são bem-aventuranças “de situação”, e
as de Mateus são “de atitude”. Ou seja, enquanto Lucas diz: os
que se encontram assim, os que estão nesta situação, são bem-aventurados (os
que estão chorando, os que tem fome, os que são pobres...), Mateus diz: os que
reagem desta maneira diante dos que choram, dos que são pobres, dos que tem
fome... são bem-aventurados. É como a atitude que se toma frente aqueles que
Lucas descreveu.
Antes
de proclamá-las, Jesus vive intensamente as bem-aventuranças; elas são a
expressão daquilo que é mais humano no seu interior; elas são seu auto-retrato.
Jesus é o bem-aventurado. Ele personaliza tais atitudes: é o pobre, aquele que
se comoveu diante da dor e misérias humanas, que expressa uma fome e sede de
plenitude e humanização, que é incompreendido e perseguido por causa dos seus
sonhos.
O
Jesus que os Evangelhos nos apresentam deixa transparecer, permanentemente, um
sentimento sereno e agradecido diante da vida. Ele vive apaixonado pelo Reino
do Pai; Ele é um homem aberto e próximo das pessoas, com uma enorme capacidade
de relação, de maneira especial diante dos mais pobres e excluídos. Mostra uma
infinita confiança nas pessoas que encontra, seja qual for sua situação
existencial. Ele é o portador definitivo de boas notícias. O evangelho da
salvação chega até às barreiras e fronteiras humanas. Seu tempo é tempo de
alegria; é a festa das bodas. Jesus nos convida a entrar na nova vida de
felicidade e fraternidade. As bem-aventuranças são o caminho da
felicidade.
Jesus,
ao proclamar “bem-aventurados” os pobres, os famintos, os que choram, os que
são perseguidos... jamais quis sacralizar a dor humana. Ao contrário, são
bem-aventurados, sim, os pobres,
porque, vazios de apegos e cheios de esperança, anunciam o sonho de Deus para a
humanidade, uma nova sociedade baseada na solidariedade e na partilha; são
bem-aventurados, sim, os famintos,
porque trazem nas entranhas a fome de liberdade e sabem que o ser humano e o
mundo carregam infinitas possibilidades de crescimento; são bem-aventurados,
sim, os que choram porque suas
lágrimas demonstram que eles ainda não
perderam a sensibilidade, que eles sentem o mundo como injusto e que, por isso,
são verdadeiramente os únicos a sonharem, a buscarem e a lutarem por um mundo
novo; são bem-aventurados, sim, os que são perseguidos
porque seguem corajosamente a estrela do Reino e são sinal de grande
transformação realizada por Deus.
As bem-aventuranças nos revelam que somos habitados
por um impulso que nos torna “buscadores de felicidade”. A
sociedade de consumo que invadiu tudo, realça a felicidade como a meta imediata de nossas buscas, algo ao qual
temos direito e que depende de fatores externos. Esta felicidade é passageira,
pois quando a alcançamos, invade de novo a insatisfação, a inquietude, o
ressentimento, a inveja... e de novo empreendemos nossa busca. Assim, pois, a
felicidade nos escapa quando a buscamos “fora”, como fim em si mesma, para
saciar nosso ego insaciável.
A felicidade nasce dentro de nós: daquilo que
sentimos, que valorizamos, que vivemos...
Por isso, as bem-aventuranças não são algo
externo, mas atitudes que plenificam nossos corações.
A
chave da felicidade está em permitir que se revele o sentido da luminosidade
que se encontra no fundo de nosso ser. O que nos tira a energia e nos torna
impotentes é afastar-nos desse princípio vital que é o Divino em cada ser.
Ser
o que somos, em serenidade e profundo sentido. A felicidade, tal como a verdade e a
beleza, ao se revelar a nós, desata a potencialidade daquilo que somos e de
tudo o que é.
Nesse
sentido, felicidade pode ser
entendida como um “estado de espírito”; felicidade
é viver sem chegada, sem partida; é experimentar uma sensação de renascimento
de satisfação interior... ou sentir despertar em si um potencial de bondade, de
compaixão, de solidariedade...muitas vezes desconhecida.
A verdadeira felicidade coincide com a paz interior; é o prazer de
descobrir, cada dia, que a vida se inicia novamente em cada amanhecer; é fazer
da mesma vida uma grande aventura...
Por
isso, a felicidade está relacionada com a gratuidade
e com a gratidão.
Texto bíblico: Lc. 6,17.20-26
Na oração:
“Empalavrar” (pôr em palavras) as bem-aventuranças que brotam do
seu coração, aquelas que lhe inspiram e dão sentido à sua existência, como
seguidor(a) de Jesus.
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