“Para
libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19)
O Espírito conduziu Jesus para a experiência do
deserto; agora, o mesmo Espírito do Deus do Reino impele Jesus para o deserto
da existência humana, ou seja, ser presença inspiradora e comprometida em favor
dos últimos, dos mais pobres, dos excluídos e marginalizados da sociedade. Os
primeiros a experimentarem essa vida
mais digna e livre que Deus quer para todos são justamente aqueles para os
quais a vida não é vida.
Podemos, então, dizer que a primazia dos últimos
inspirou sempre a atividade de Jesus a serviço do reino de Deus. Para Ele, os
últimos são os primeiros. Ser compassivo como o Pai exige buscar a justiça de
Deus começando pelos últimos.
Lucas captou isso muito bem quando
apresenta Jesus na sinagoga de Nazaré, aplicando-se a si mesmo as palavras do
profeta Isaías (62,1-2). Aqui Jesus apresenta seu “projeto com vida”, ou seja,
começar sua missão resgatando a vida dos últimos, para torná-la mais sadia,
mais digna e mais humana.
Fala-se aqui de quatro grupo de
pessoas: os “pobres”, os “cativos”, os “cegos” e os “oprimidos”.
Eles resumem e representam a primeira preocupação de Jesus: aqueles que Ele
carrega no mais profundo de seu coração de Profeta do Reino. Ele quer deixar claro que os últimos são os
prediletos de Deus.
O Deus de Jesus não é o aliado de uns poucos, nem
é o Deus dos piedosos, dos poderosos e dos sábios. É, sobretudo, o Deus dos
marginalizados, dos excluídos, dos enfermos e pecadores. O caminho para um
mundo mais digno e ditoso para todos começa a ser construído a partir deles.
Esta primazia é absoluta; é Deus que quer assim. Não deve ser menosprezada por
nenhuma política, ideologia ou religião.
Só estaremos em sintonia com o coração do Deus de
Jesus se estivermos com “o coração nas mãos”, comprometidos com
a causa da “massa sobrante” (D. Luciano). Caso contrário, estaremos nos relacionando
com um ídolo. Uma religião, conivente com qualquer tipo de exclusão e
violência, é idolátrica.
Não podemos esquecer esta verdade:
a “opção
pelos pobres e contra a pobreza”, tal como aparece no evangelho, não é
uma questão ideológica, filantrópica ou político-partidário, nem uma moda posta
em circulação depois do Vaticano II e Medellín. É a opção do Espírito de Deus e
que anima a vida inteira de Jesus na busca do Reino e sua justiça. Deus não
pode reinar no mundo sem fazer justiça aos últimos.
Esta afirmação traz consigo o
seguinte: o amor aos pobres e contra
a pobreza é dom de Deus.
O amor aos empobrecidos nasce do encontro vivo e existencial com o
Senhor Jesus, que rico se fez pobre (2Cor. 8,9). Deus ama os pobres simplesmente porque eles são pobres, “porque
assim é do seu agrado” (Mt 11,25). E
os pobres, os preferidos de Deus,
são empobrecidos efetivos, reais e concretos, vítimas de estruturas sociais e
políticas injustas. Ou seja, a opção de Deus pelos pobres é absolutamente gratuita. Também a nossa opção, que é uma
resposta à interpelação do rosto do empobrecido, nasce da absoluta gratuidade de Deus e é chamada a
manifestar esta gratuidade.
Como cristãos, somos
seguidores(as) de uma pessoa e não de uma religião, de uma doutrina, de uma moral.
O seguimento de Jesus, escola de
liberdade cristã, dá ao amor preferencial pelos pobres, por todos os pobres,
a verdadeira dimensão e o verdadeiro sentido da nossa existência cristã; sem
esse amor pelos pobres caímos numa
prática religiosa estéril, desprovida de humanização.
A opção pelos empobrecidos não significa
assumir o lugar deles; trata-se de devolver a eles o protagonismo de sua
história e a autonomia de seu destino.
O envolvimento com o “outro”
(excluído, pobre, marginalizado...) nos conduz à autenticidade, à libertação de
apegos e avareza, à liberdade para partilhar e receber e a uma imensa
felicidade.
O encontro com o “outro”
marginalizado dá um toque especial à nossa espiritualidade e nossa espiritualidade
faz nossa ação mais radical – mais
enraizada em si mesma e vai mais a fundo nas raízes da injustiça. Aproximar-nos
do empobrecido e deixar-nos “afetar”
pelo seu sofrimento torna-se a maior fonte de nossa espiritualidade.
Suas “fraquezas” suscitam em
nós o melhor de nós mesmos e, ao nos envolver afetivamente em sua vida, fazem
com que vivamos um misto de ternura e indignação, a que chamamos compaixão.
Na experiência de “convivência” com os empobrecidos
adquirimos os valores evangélicos da capacidade de celebrar, da simplicidade,
da hospitalidade... Eles têm um jeito de nos trazer de volta para o essencial da vida. Eles são uma fonte
de esperança, de autenticidade. Eles se tornam nossos amigos.
“Nosso
compromisso de seguir o Senhor pobre, naturalmente nos faz amigos dos pobres”
(S. Inácio).
Na medida em que o(a)
seguidor(a) de Jesus se vê interpelado pelo rosto do empobrecido e age, esta sua ação revela a compaixão de Deus. A nossa ação
deve fazer resplandecer a compaixão
de Deus pelos últimos e excluídos.
Quem é possuído pelo ágape de Deus é sensível e comprometido
com o mundo dos empobrecidos.
O amor preferencial pelos empobrecidos é divino, antes de ser humano.
E o ser humano só pode assumi-lo como seu porque antes o contemplou na prática
salvadora e amorosa de Jesus Cristo, e porque este amor foi por Deus colocado no mais profundo do seu coração.
Nos Evangelhos, Jesus Cristo é o pobre e o servidor por excelência, Aquele que, a partir de sua condição
divina, se encarna, se esvazia e assume o lugar dos últimos. O seguimento de Jesus pobre é a única via de acesso ao
mistério glorioso do amor de Deus. A opção pelos pobres e contra a pobreza,
tal como aparece na Igreja latino-americana é, portanto, uma opção de amor.
Seguir
Jesus hoje é prolongar, criativamente, a sua presença e o seu compromisso junto
aos mais excluídos, vítimas da ganância humana. Somos, portanto, chamados
construir uma “cultura da solidariedade e partilha”. Significa viver de modo
que a solidariedade constitua um
pilar em nosso projeto de vida.
A
solidariedade implica encontrar-se
com o “mundo do
sofrimento, da injustiça, da fome... e não ficar indiferente”. A solidariedade,
que nasce da compaixão, leva a reconhecer no outro (sobretudo o outro que é excluído) uma dignidade e uma
capacidade criativa de superar sua situação.
Isto
pede de nós uma atitude de abertura ao outro, o que implica colocar-nos em seu
lugar, deixar-nos questionar e desinstalar por ele... Importa, pois,
re-descobrir com urgência a solidariedade
como valor ético e como atitude permanente de vida, frente a um contexto social
e político que alimenta o que é mais funesto no ser humano: o impulso da
violência covarde que se visibiliza na “posse de armas”.
Texto
bíblico: Lc
4,14-21
Na oração:
A
experiência de encontro com Jesus na sinagoga de Nazaré desperta em nós a compaixão para com o outro que é
excluído, marginalizado, pobre... Somos chamados a viver a solidariedade como um estilo de vida, fundado no modo
de viver de Jesus.
- Frente ao mundo dos empobrecidos, sua vida transborda com-paixão,
compromisso, acolhida... ou, indiferença, preconceito, julgamento...?
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