E, neste primeiro domingo do Tempo Comum, a liturgia nos motiva a fazer memória do "Batismo de Jesus". Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho indicado para esta festa.
“E, enquanto
rezava, o céu se abril e o Espírito desceu sobre Jesus...” (Lc 3,21-22)
Terminado o “tempo
natalino”, começamos hoje o “tempo comum” (Ano C), ou seja, a vida
pública de Jesus, sua missão como Filho em favor dos filhos e filhas. O
relato do batismo – que marca a passagem da vida em Nazaré para a vida
peregrina – faz referência a uma experiência fundante de Jesus: confirmado pelo
Pai, impulsionado pelo Espírito, Ele descobre o sentido de sua vida e a missão
que devia realizar.
O batismo de
Jesus significou uma profunda experiência espiritual, muito ligada à sua atitude
humilde de aproximar-se do rio Jordão, onde as pessoas simples do povo buscavam
no batismo de João uma purificação de seus pecados.
Jesus foi reconhecido
pelos pastores e magos, mas não pelos que compartilhavam com Ele a fila dos
pecadores. Uma fila que margeava o rio Jordão, constituída por aqueles que
queriam receber o batismo das mãos de João. E ali se pôs Jesus, entre eles, em
silêncio. Não era um a mais, mas parecia ser.
Quê foi que levou Jesus a
tomar esta decisão? Quê esperava encontrar com o batismo de João? Quais foram
os sentimentos que o acompanharam durante este percurso de mais de 100
quilômetros desde Nazaré até o lugar onde recebeu seu batismo? Foi uma viagem
solitária ou a fez em companhia de alguns amigos e amigas que também buscavam o
mesmo?
Jesus “desce”
ao Jordão; este gesto resume sua descida do céu à terra, sua “kénosis”, seu
esvaziamento radical. É uma “descida” às águas da humanidade; por
isso, sobre Ele “desce o Espírito”.
O Espírito não
“desce” sobre aquele(a) que “sobe” ao pedestal da vaidade, do poder, da
intolerância, do preconceito... Ali, o “ego inflado” não abre espaço para se
deixar inspirar pelo mesmo Espírito que conduzia Jesus. É preciso “descer” às
águas da própria existência, “entrar na fila solidária” da fragilidade humana,
passar pelas águas da renovação vital e sair do outro lado, purificado e humanizado.
Embora
não reconhecido pelas pessoas, ao entrar nas águas do Jordão, Jesus foi
reconhecido e confirmado pelo Pai. E fez isso com uma voz potente para que
todos se dessem conta de que o Filho queria compartilhar a situação da
humanidade. E o Pai lhe deu carta branca para estar entre nós sem privilégios,
continuando o despojamento que lhe supôs entrar em nosso mundo.
O batismo comove
Jesus por dentro, o transtorna, parece que lhe invadem uma compaixão e ternura
infinitas. O Deus dos pais se revela a Ele como Fonte de Vida, como
Misericórdia e Compaixão, como fonte de dignificação e perdão.
O Céu deixa de estar
em silêncio, o Céu não se compraz na Lei e no Templo, o Céu se compraz em
Jesus, e, a partir de sua profunda percepção do Deus como Ternura e Fonte da
Vida, sua vida vai se revelar como Boa Notícia para os abatidos de toda a
humanidade.
Jesus não será mais o
mesmo; o “filho do carpinteiro” foi tocado pelo Compassivo e sua vida vai se
converter em visita de Deus a seu povo, em causa de liberdade para os
oprimidos, em saúde para os enfermos, em perdão para os indignos, em inclusão
para os excluídos, em festa para os tristes...
A Bíblia nos convida a
tomar consciência que os lugares de
encontro de Deus com o ser humano não são unicamente os sagrados,
institucionais ou majestosos, mas, principalmente, os lugares da “margem”, do
cotidiano, das experiências de fragilidade e limite, das obscuridades e
dúvidas... enfim, das fendas da vida.
E foi das “fendas
da humanidade” que o próprio Jesus entrou em comunhão com o Pai.
Segundo o evangelho
de hoje, Jesus se faz presente na “fenda’ mais profunda da terra, no Jordão, e
é precisamente ali onde Ele escuta a voz do Pai indicando-o como o Filho amado
em quem “põe o seu bem-querer”. A partir desse momento, Jesus se descobre
portador dessa “complacência divina” e vai fazendo-a presente nos diferentes lugares por onde se desloca com uma
mobilidade surpreendente: do deserto à Galiléia, onde anuncia a chegada do
Reino; às margens do mar, chamando os primeiros discípulos; em Cafarnaum onde
exerce seu ministério terapêutico; às portas das casas, acolhendo uma multidão
de enfermos; no descampado onde oferece a grande mesa da partilha; nos
territórios fronteiriços, onde acolhe e entra em diálogo com o diferente...
Não são lugares
“sagrados”; é sua presença que os converte em “teofânicos”
(manifestação da presença divina), porque ali onde Ele se faz presente, os céus
se “rasgam” e Deus “se deixa ver” em seu Filho, e Suas palavras continuam
ressoando em nós, convidando-nos a escutá-lo.
Viver a vocação batismal ativa nossa sensibilidade mais profunda,
fazendo-nos entrar em sintonia com
Deus e com a realidade. Deus age diretamente no coração e
nos conduz com delicadeza, com
carinho
e com liberdade, preparando-nos para a grande “salto” na vida. E
nosso coração aberto, atento, sintonizado
com a ação de Deus, dispõe-se,
coopera e responde à Graça divina, empenhando-se por encontrar “o que tanto deseja”.
Essa é a experiência mística da vida: “sentir Deus
em todas as coisas e todas as coisas em Deus”.
O(a) seguidor(a) de
Jesus faz a experiência da intimidade, da presença, da comunhão, da
proximidade de Deus em sua própria vida. Ele(a) vive embriagado(a) de vida,
vive como um peixe nos oceanos de Deus, dizendo um profundo sim às ondas, ao vento, ao sol, à
existência... Ele(a) sente-se cativado(a), envolvido(a), amado(a), sintonizado(a),
habitado(a) por Deus de tal maneira que seus olhos, gestos, suas atitudes,
palavras, seu coração, sua existência, transbordam
Deus. Sente-se envolvido(a) pela “onda” de Deus e sintoniza-se com o Seu
coração. Tal experiência é
incomunicável; ninguém pode vivê-la por ele(a).
A vivência batismal implica um contínuo “estar presente”
diante do Deus Presente. E estar
presente é estar “acordado”, no sentido de desperto
e atento,
e também no sentido musical de estar afinado, “em acorde”, sintonizado
com a Presença que se revela de
maneira “sempre nova e inesperada”.
Dentro de
cada um de nós existe uma música,
uma melodia, uma nota do divino. É preciso criar espaço
para que ela possa fluir em forma de canto, de dança, de louvor...
No meio
desse mundo confuso e dividido é necessário encontrar um princípio integrador;
é preciso compor uma sinfonia, buscar a “com-sonância” das diferentes vozes
e instrumentos presentes ao nosso redor. O compromisso batismal é esse momento
delicado que nos ajuda a recuperar o “som
primordial”, e portanto, a unidade do sentido da nossa existência.
Por isso, “viver a
vocação batismal” não é evento, mas sintonia com o coração de Deus; é estar
“antenado” no modo de agir de Deus e corresponder a essa ação divina.
Faz-se necessário,
portanto, um contínuo discernimento para deixar-se conduzir pelo Espírito e
prolongar o modo original de ser e viver de Jesus.
Na oração:
Todo(a) seguidor(a) de Jesus é
testemunha de uma presença
contemplada e ouvida no silêncio da oração.
- Deixe-se levar como se estivesse
num rio, observando-se com um olhar
interior, escutando, sentindo...
- O Batismo implica expandir os
espaços interiores, romper com tudo aquilo que atrofia a vida para acolher o
novo: nova missão, novo compromisso, nova presença solidária, acolhida do
diferente...
- Renove seu compromisso batismal:
ser presença diferenciada em meio a um mundo carregado de morte e violência.
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