“...voltaram para sua terra por outro
caminho”
(Mt 2,12)
“Por
que é que os homens se deslocam em vez de ficarem quietos”? Esta pergunta do
escritor Bruce Chatwin nos reconduz ao centro do mistério do próprio ser
humano.
Somos seres de travessia. As viagens nunca são apenas exteriores. Não é
simplesmente no espaço geográfico que o ser humano viaja. Isso significaria não
perceber toda sua a profundidade; deslocar-se implica uma mudança de posição,
uma ampliação do olhar, uma abertura ao novo, uma adaptação a realidades e linguagens
diferentes, uma expansão da sensibilidade, um confronto, um diálogo tenso ou
deslumbrado..., que deixam necessariamente impressões muito profundas.
A experiência da viagem é a experiência de fronteira e
do horizonte aberto, de que o ser humano precisa para ser ele mesmo. Nesse
sentido, a viagem é uma etapa fundamental da descoberta e da construção de sua própria
identidade e do conhecimento do mundo que o cerca. É a sua consciência que
perambula, descobre cada detalhe do mundo e olha tudo de novo como da primeira
vez. A viagem é uma espécie de
propulsor desse olhar novo. Por isso, é capaz de introduzir na sua vida
elementos sempre inéditos que o incitam a uma mudança contínua. Nada mais
anti-humano que uma vida estabilizada em posições fechadas, ideias atrofiadas,
visões limitadas pelo medo do diferente...
Mais do que viajantes, aos poucos
vamos nos descobrindo peregrinos.
Quando fazemos uma peregrinação,
muitas vezes nos interrogamos onde é que ela termina, porque uma das coisas que
experimentamos é que, à medida que caminhamos, a realidade torna-se sempre mais
aberta e nós nos enriquecemos muito mais. A peregrinação não tem propriamente
um fim: tem uma extraordinária finalidade. No caso dos Magos é o encontro com o “Rei de Israel”.
Na noite de Natal, Jesus se manifestou aos pastores, homens pobres e humildes, que
foram os primeiros a se deslocarem para levar um pouco de calor à fria gruta de
Belém. Agora são os Magos que chegam
de terras longínquas, também eles atraídos misteriosamente por essa Criança. Os
pastores e os Magos são muito distintos entre si; mas uma coisa tem em comum: o
céu.
Os pastores de Belém foram correndo
para ver o menino Jesus não porque fossem particularmente devotos, mas porque
velavam de noite e, levantando os olhos ao céu, viram um sinal e escutaram uma
mensagem.
Assim também os Magos: investigavam
os céus, viram uma nova estrela, interpretaram o sinal e se puseram a caminho.
Os pastores e os Magos nos ensinam que para encontrar Jesus é necessário saber
levantar o olhar para o céu, não fixar-nos em nós mesmos, ter o coração e a mente
abertos ao horizonte de Deus, que sempre nos surpreende, saber acolher suas
mensagens e responder com prontidão e generosidade.
O termo “magos” tem uma considerável gama de
significados; mas, certamente, em Mateus são sábios cuja sabedoria religiosa e
filosófica os põe em caminho; é a sabedoria que leva a
Cristo. Somente homens de uma certa inquietude interior, homens de esperança,
em busca da verdadeira estrela da salvação, seriam capazes de colocar-se em
caminho e percorrer a longa distância entre Oriente e Belém.
Chama a atenção a prontidão da resposta dos Magos.
Com simplicidade expressam como no preciso momento em que perceberam a
indicação do céu, imediatamente reagiram e a seguiram.
A estrela que os guiava era uma estrela nova,
superior, peregrina, que despertava assombro e atraía àqueles que a
contemplavam. Os caminhos deste novo astro, orientam à salvação divina para
toda a humanidade.
A experiência dos Magos nos exorta
a não nos contentar com a mediocridade, a não permanecer adormecidos e
estáticos, mas a buscar o sentido das coisas, a perscrutar com paixão o grande
mistério da vida. Eles nos ensinam a não nos escandalizar frente à pequenez e à
pobreza, mas a reconhecer a majestade na humildade e sabermos ajoelhar diante
dela. O deslocamento dos Magos ajuda a nos deixar guiar pela estrela do Evangelho
para encontrar Aquele que é Luz, e despertar a luz que nos habita. Assim,
poderemos levar aos outros um raio de sua luz e compartilhar com eles a alegria
do caminho.
Os Magos vêm do Oriente e caminham
para a luz. Estão orientados. Oriente significa onde nasce o sol, a luz. A
desorientação é a perda do sentido, do caminho, é viver na escuridão. A
verdadeira luz está mais presente na gruta despojada que nos palácios e templos
de Jerusalém.
Epifania, portanto, é abrir caminhos; Epifania é buscar e caminhar para a
luz.
Mateus termina seu relato notando que, uma vez
que os magos se encontraram com o Menino Jesus, “regressaram
por outro caminho”.
E não mudam de caminho para evitar Herodes, mas porque encontraram o Caminho: “Eu
sou o Caminho, a Verdade e a Vida”.
Deus, a Luz, não está presente nos caminhos e
pretensões de Herodes (e existem muitos Herodes e faraós soltos pela história), mas naquele que é frágil e
está deitado em um presépio.
Como os Magos, levantemos e voltemos à casa por
outro caminho!
Quem se encontra com Jesus voltará à sua casa, ao
seu trabalho, às suas ocupações, mas já não será o mesmo. Voltará de outra
maneira, por outro caminho, com um coração dilatado e um espírito renovado. Quem
se encontra com a Criança de Belém, dá-se conta de que os caminhos de Herodes,
do poder, do prestígio, da riqueza, são caminhos que levam à morte. E Epifania
é o caminho da vida, da acolhida e do encontro.
O itinerário espiritual, portanto,
pode ser descrito como uma viagem da cabeça ao coração; é uma viagem longa,
difícil, mas apaixonante.
Por
diferentes motivos, também hoje vivemos uma grande mobilidade; precisamos ser espertos
em mover-nos entre o diferente, o que nos confunde, o mistério, o que nos questiona...
Sempre caminhando. Esta é a atitude daquele que segue um Deus sempre maior,
sempre surpreendente, que está sempre mais além de onde estamos. Então, que
sigamos, sempre adiante... mas façamos isso juntos, sem deixar ninguém fora!
Este e o dinamismo que deve
perpassar nossa vida: da instalação ao crescimento, da acomodação ao deslocamento
contínuo. Partimos da realidade de que a tendência natural é amparar-nos nas “zonas
de conforto”; elas nos dão mais segurança; é mais cômodo; requer menos
energias.
A inércia leva a viver o ordinário,
o repetitivo; custa-nos admitir e saborear o excepcional, o extraordinário;
muitas vezes nos movemos em meio a um certo ceticismo vital, sem paixão pela
vida e pela missão. Mas o caminho da fé nos leva de assombro em assombro, de
graça em graça, de alegria em alegria.
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas
usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que
nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos
fazê-la teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos” (Fernando Pessoa).
Texto bíblico: Mt
2,1-12
Na
oração:
Esse
“outro caminho” é o caminho que deve
direcionar para Deus nossa vida.
O
que importa é pôr-se a caminho nas
pegadas dos Magos, fazer escolhas e recusar desvios.
- Há alguma “estrela” abrindo horizontes para
você?
- O que há de “herodiano” em sua realidade e em
seu mundo interior? Quais são as causas, as manifestações e os efeitos das suas
inseguranças, do fixismo em torno do próprio eu, dos seus medos?
- Conserve-se em movimento interior, sempre; nada de
roteiros rígidos que sufocam o Espírito, matam a criatividade, prendem à rotina
e empobrecem o dinamismo de uma vida em transformação.
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