“Jesus
desceu então com seus pais para Nazaré...” (Lc 2,51).
Nazaré é a escola do Filho de Maria, rodeado de gente comum, com sua paisagem
natal, sua linguagem, seu modo pessoal de ser e viver, sua conduta, sua fé...
Na
“vida oculta em Nazaré” encontramos
os “nomes” e “verbos” nos quais Deus
falou em Jesus e onde continua nos falando hoje. Ali Ele se faz “um entre
tantos”, vizinho com os vizinhos, trabalhando com os que trabalhavam, acolhendo
a vida cotidiana em toda sua riqueza e limitação. Ele é “o filho do
carpinteiro”.
Para Jesus,
Nazaré é um tempo de aprendizagem: olha, escuta, observa tudo o que acontece
nesta escola do cotidiano. Exercício de preparação diante das urgências do
Reino. “Tempo de enraizamento...”.
Jesus conheceu a dor real do povo,
na escola do Pai, que é a escola da vida humana, em contato com as necessidades
dos mais pobres e excluídos, em solidariedade laboral. Assim aprendeu a ser
humano, ouvindo os gritos dos homens e mulheres de seu entorno, expulsos,
oprimidos, como ovelhas sem pastor. Não teve que entrar no lugar da exclusão a
partir de fora: cresceu ali dentro.
Na escola da vida, comum e cotidiana,
Jesus também foi aprendiz.
O artesão de Nazaré nos ensina o valor
das coisas cotidianas quando são feitas com dedicação e carinho.
Nesta “ocultação”, estava assumindo a
condição da imensa maioria dos mortais deste mundo, dos homens e mulheres
“comuns”, daqueles que vão trabalhar ou estão sem emprego, daqueles que
precisam “ganhar a vida”, porque na vida não encontram seu lar, daqueles que
são pura estatística...
Aprender é consequência básica da dinâmica da Encarnação.
Lucas confirma:
“Jesus
crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens” (Lc. 2,52).
Portanto, Jesus viveu a vida como um processo
lento e progressivo, a partir da própria condição humana no meio do povo e
em vista do Reino de Deus, graças a uma criatividade
transformadora.
Foi no cotidiano familiar que Ele aprendeu,
aos poucos, a ampliar seus horizontes, seus interlocutores e o sentido de sua
missão. É a vida cotidiana que nos
revela que Jesus foi uma pessoa nitidamente humana e humanizante,
que vivenciou um processo de maturação, de releitura de suas tradições e
assimilação do novo, até chegar à proposta original da Boa-Nova.
Foi no
cotidiano que Jesus viveu a “mística do
encontro”: viveu intensamente, em primeiro lugar, o encontro com o Pai,
conhecendo e realizando Sua Vontade; foi em Nazaré que aprendeu a valorizar e a
saborear o encontro com todas as pessoas. Encontros humanizadores que O
humanizaram.
Na sua vida em Nazaré Jesus nos convida
a entrar na sua casa para aprender d’Ele e com Ele os valores próprios de uma
família. É difícil compreender a “normalidade” da vida de Jesus;
parece até que o Reino não tinha exigências sobre a sua vida. Identificando-se
com a vida de todo mundo mostrava
que a salvação não consistia em
coisas extraordinárias e em gestos fantásticos, mas na “adoração do Pai em espírito e verdade”. Jesus passou praticamente toda sua Vida nesta humilde condição; viveu
desapercebido como Messias. Pois o Reino se
revela no pequeno, no anônimo e não no espetacular, no
grandioso. Ele está misteriosamente se realizando entre nós.
Nazaré é o sinal da “epifania” de Deus nas pequenas coisas, é o sinal da palavra
divina escondida nas vestes humildes da vida simples, é o sinal do sorriso de
Deus que se faz visível nos espaços comunitários.
Tanto em Nazaré quanto na vida
pública, Jesus nos comunica uma profunda união com o Pai, vivendo
uma oração confiante e de entrega.
Jesus sente quando o Pai o chama a
mudar o estilo de vida escondido. Ele está atento aos “sinais dos tempos” e
saberá discernir, nesses sinais, a Vontade do Pai que o chama a mudar de
caminho, a deixar sua terra, a lançar-se numa aventura. Começará, então, uma
vida itinerante,
missionária, despojado de tudo.
No espaço familiar, em Nazaré, Jesus se revela, para todos nós, como presença inspiradora neste
momento em que as transformações são rápidas e exigem de nós maturidade,
aprendizado, diálogo, novas expressões de fé... Um dos desafios da espiritualidade atual é motivar a viver
a vida em profundidade, apesar da aridez do deserto do cotidiano.
O ritmo da sociedade atual e, sobretudo, o culto à
novidade, ao efêmero, ao superficial, ao consumismo, pede de nós recuperar a
dimensão de profundidade em nossa vida cotidiana.
O chamado universal à santidade nos faz
confiar profundamente na vida cotidiana, ou seja, no dia-a-dia da vida
familiar, no exercício da profissão, nas relações da vida social, nas decisões
éticas, na ação cidadã, no
campo dos direitos humanos, da economia, na presença ativa da política, no
mundo da cultura, no cuidado e preservação da vida, no diálogo com os meios de
comunicação..., como “lugares agraciados” de encontro com Deus e
manifestações explícitas de compromisso cristão.
Custa-nos muito descobrir a “espiritualidade
da vida familiar cotidiana”, a vida de cada dia nos parece sem sentido,
sem muito destaque e sem muitos
fatos extraordinários; temos ainda muito que aprender da vida cotidiana do
artesão de Nazaré.
Precisamente
a vida cotidiana é o lugar privilegiado para descobrir Deus (“por onde
passa meu Senhor”), sentir o sabor da Sua presença que permanece. Os lugares
cotidianos são “lugares sagrados” de encontro com o Senhor da
Vida.
Encontrar
a Deus no cotidiano significa que é preciso viver em um contexto vital no qual
cada um se sinta estimulado a tomar decisões, a assumir responsabilidades,
grandes e pequenas, a cuidar pessoalmente dos processos concretos da vida de
cada dia.
É vital
descobrir se nossa vida cotidiana é egocêntrica ou excêntrica, se tem a marca
da “cultura do encontro” ou da “cultura da indiferença”, se a missão de nossa
vida nos projeta para o compromisso com o outro, se temos paixão pelo Evangelho
encarnado nos ambientes onde nos fazemos presentes cotidianamente.
A realidade
cotidiana da nossa Nazaré é o lugar
onde somos chamados a viver a espiritualidade
cristã e a deixar-nos conduzir pelo mesmo Espírito que animou Jesus e o levou a
inserir-se na trama humana e a assumir o risco da história. Ser seguidor(a) de
Jesus, inserido(a) no mundo, em meio às agitações cotidianas, é acima de tudo
tê-Lo como inspiração de vida: suas palavras, suas ações, sua relação com o Pai
e com os outros...
A espiritualidade cristã é a
espiritualidade do cotidiano, que conserva sua força transformadora, que é
capaz de despertar o espanto e a admiração, apontando sempre para um horizonte
mais amplo e mais rico;
é a espiritualidade que reacende desejos e sonhos novos, que suscita energias em direção ao mais;
é a espiritualidade que faz descobrir,
escondida no cotidiano, uma Presença
absoluta que nos envolve;
é a espiritualidade que faz saborear o eterno e o Absoluto no ritmo doméstico e cotidiano da vida...;
é a espiritualidade que projeta a vida a
cada instante; abre espaço à ação do Espírito para que Ele nos expanda, nos
alargue e nos impulsione em direção a uma nova humanização.
Textos bíblicos: Lc 2,41-52
Na oração:
A vida cotidiana exige não
apenas fidelidade, mas também amor, gratuidade. É o lugar que
inspira a viver encontros com a
marca da surpresa, da acolhida do diferente, do respeito ao outro...
- Como é o seu cotidiano? Rotina
e repetição ou desafio e criação? Espaço de encontros inspiradores ou ali-mentador
da indiferença? Nele há lugar para a esperança e para o novo?
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