“Tomai cuidado para
que vossos corações não fiquem insensíveis...” (Lc 21,34)
Com o Advento,
começamos um novo ano litúrgico, um tempo que sempre nos fascina. O ser humano,
ferido pela estreiteza da vida, imposta pelo seu ego, descobre a fragilidade, o
medo, a dor, o sem-sentido, pelo qual volta a gritar a seu Criador, buscando,
suplicando de novo que lhe envie um raio de luz.
Desolado pela
experiência do sofrimento, da violência, da intolerância, da solidão e do medo,
dirige novamente seus olhos para “Aquele que está à vista”. O Advento é o tempo
mais adequado à nossa existência atual. Queremos intuir algo novo, reacender
nossa esperança, alimentar uma presença inspiradora nesse contexto social no qual
vivemos, carregado de trevas e abalos sísmicos.
O Tempo do
Advento tem algo de belo e atraente que mobiliza o nosso coração a entrar em
outra sintonia; tal qual um sedutor, ele revela sua capacidade para debulhar
dias até completar um tempo que vai nos guiando em direção ao Natal. Um tempo
tão tranquilo, tão sussurrante, como um manancial que, em silêncio, vai
espalhando vida em todo seu entorno. Tempo que nos convida a sonhar e a viver
despertos.
Vários personagens
que emergem no Advento, com sua maneira original de ser e de viver, vão se
tornando familiares; eles nos acompanham neste tempo inspirador, ativando em
nós uma ousada esperança e um outro modo criativo de nos fazer presentes no
contexto social, tão carente de esperanças.
Isaías nos
ensina como viver o sempre jovem Advento; ele nos ensina a gritar esperança no
sofrimento, a confiar em tempos melhores, a provocá-los. Este homem tão
sensível nos diz que somos nós que devemos dar um colorido especial à vida e
que Deus é como um tição fumegante que abrasa a nossa vida. Poeta do futuro,
Isaías nos ensina a viver carregados de entusiasmo, gestando a paz.
João Batista, aquele
do dedo que aponta o caminho novo e o Novo. Sim, João, o parente austero, impaciente,
metódico, que pergunta sem rodeios: “és tu
Aquele que há de vir ou devemos esperar outro?”
João
também revela-se como um bom mestre porque nos recorda que, com muito pouco se
pode viver, e que a qualidade de vida é dada pela relação com Deus, que sempre
nos surpreende. Ele nos anima a viver com simplicidade e a gritar sempre que o
Reino de Deus está próximo, tão próximo, que o temos colado em nosso interior.
Maria, a
mulher bendita e abençoada de Nazaré, a do anúncio original, a filha de Sião
que recebeu de novo a Ruah Santa, a que interpelou o anjo até que ambos se
puseram de acordo no “sim”. Diante dela, nos inclinamos admirados, porque ela,
que pronunciou poucas palavras, no entanto, gestou a Palavra em seu ventre.
Maria nos diz agora, no Advento, que o coração deve ser grande para poder
guardar nele todas as coisas em silêncio.
Tudo é permanente
Advento, transformação, movimento. Espaço em expansão, interioridade
que se abre, braços que se unem. Seu ardor nos inspira, sua esperança nos
alenta. Há uma eternidade que devemos inaugurar cada dia, em cada instante: a
eternidade da vida expansiva, justa e ditosa.
Esperar é transformar este
mundo em outro mundo humano, fraterno, e muito mais feliz. Esperar é derrubar o
que impede viver. Se esperamos, podemos.
Não
encontramos melhor maneira de traduzir a linguagem apocalíptica de Lucas a não
ser fazendo referência ao mundo da construção. O toque de atenção que ressoa no
evangelho deste domingo nos chama a derrubar e a construir. Lucas nos fala
de sinais cósmicos, de sismos e desmoronamentos. Justamente ali onde algo se
desmorona, é onde aparece espaço livre para uma nova construção.
Há um
mundo que deve acabar: este mundo contaminado pelo “deus dinheiro” e pelo mercado;
este mundo que gera exclusão e violência; este mundo que abafa a “cultura do
encontro” para alimentar a “cultura da indiferença e do preconceito”; este
mundo que faz opção em favor da morte...
Nada
nosso é tão caduco que não permita um projeto novo. Nada é tão antigo que não
tenha algo aproveitável. As calçadas velhas das cidades, os antigos casarões, o
centro histórico, se remodelam conjugando o velho e o novo. O resultado costuma
ser uma nova obra de arte.
Cada um
de nós é convidado, no início deste Advento, a uma “re-abilitação ou re-modelação”
de todo nosso ser. Entrar no fluxo inspirador deste tempo nos leva, cada dia, a
des-fazer e re-fazer. Uma fé que se paralisa e não avança é como um edifício
que se faz velho.
O Advento nos mantém erguidos e com
dignidade, afugentando o medo, denunciando a injustiça que provoca exclusões e
sofrimentos, aplicando o antídoto do amor contra a imbecilidade do ódio, da
intolerância e da manipulação.
Por isso, as
expressões do evangelho: “tomai cuidado”,
“ficai atentos”, “orai a todo momento”, são gritos de ânimo
e gritos de construção de futuro. Talvez, para alguns, a única coisa que
precisa fazer seja pintar a casa, ou mudar algum cômodo. Para outros, a obra
será de maior envergadura. E, quem sabe, para outros ainda, o futuro depende de
uma reestruturação mais a fundo da vida: esvaziá-la e reconstruí-la.
A obra de Deus em nós consiste em que
derrubemos o que construímos, segundo nossos gostos e egoísmos, e não segundo o
querer d’Ele. A Deus lhe agrada um
coração com estâncias cheias de luz e de sol, liberadas de apoios inúteis,
capazes de acolher a todos.
Como
estar atentos(as) ao Deus que em cada Advento quer dar à luz algo novo em
nossas vidas, em nosso contexto, em nosso mundo, embora pareça que não temos
mais idade, como aconteceu com Isabel, a mãe de João Batista e continue
rompendo nossas lógicas, como aconteceu com Maria de Nazaré?
O que
realmente mata o ser humano é a rotina sem sentido; o que lhe salva é a
criatividade, a capacidade para vislumbrar e resgatar a novidade. Se
contemplarmos a realidade em profundidade, tudo é sempre novo, diferente e em
constante mudança. Participar desse movimento de mudança que chamamos vida é a
única promessa sensata de felicidade.
O Advento nos provoca a perfurar a realidade
para nela ler a vida, os acontecimentos, mais além da superficialidade e da
banalização que se impõe a todos nós. Perfurar a realidade é buscar, na
densidade dos acontecimentos e do próprio coração, os respiradouros de
Evangelho, por onde o mistério de Amor e Vida Plena revelam sua face e nos urgem
a impulsionar seu dinamismo na história.
Por
isso, é preciso focalizar nosso olhar, pôr lupa, afinar a sensibilidade para
detectar as pegadas da misericórdia criativa, resiliente e fecunda de Deus em
nosso mundo e no nosso próprio coração.
Que é
Deus senão este Advento e Presença que é e que vem, Calma vivente, Coração
latente no qual somos e respiramos?
Texto
bíblico: Lc 21,25-28.34-36
Na
oração:
Os caminhos de Deus têm desertos difíceis,
mas sempre anunciam a “terra prometida”.
Os caminhos de Deus têm momentos de
tremores e abalos sísmicos, mas nunca falta a Boa Notícia de uma vida nova.
Desparecerá a obscuridade, porque sempre há um amanhecer.
Deus não anuncia finais; Deus sempre
anuncia começos; Deus não anuncia entardeceres, mas amanheceres.
O importante é que nossas vidas não
estejam embotadas e incapacitadas de ver a nova luz.
- Fazer memória dos abalos em sua vida
que foram ocasião privilegiada para expandi-la em novas direções.
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