“No entanto, desde o princípio da
criação Deus os fez homem e mulher” (Mc 10,6)
O Mestre Jesus, em sua itinerância missionária,
depara-se com diferentes perguntas sobre aspectos da vida, pessoal ou
comunitária. Todas elas acabam se revelando uma ocasião privilegiada para Ele
anunciar a Boa Notícia do Reino.
No evangelho deste domingo, partindo da pergunta
que lhe fazem, Jesus não foca tanto na questão do divórcio (ou repúdio), quanto
no lugar e na dignidade da mulher; sua
resposta vai centrar-se em outra direção, pela qual não lhe haviam perguntado.
Para Jesus, não se pode tolerar uma
lei machista segundo a qual o marido pode abandonar a sua esposa como se fosse
uma mercadoria; os dois são pessoas com a mesma dignidade.
O que isso significa é bem simples:
situar o homem e a mulher em pé de igualdade. Ou, dito de outro modo, desativar
o machismo que, como ainda hoje em nosso contexto, leva a considerar a mulher
como “propriedade” do homem ou, ao menos, como aquela que deve estar ao seu
serviço.
É claro que tais atitudes machistas
contradizem flagrantemente aquele primeiro princípio bíblico que falava de “ser os dois
uma só carne”.
Na realidade, a atitude de Jesus é coerente com
toda sua trajetória. Se algo fica claro, no relato evangélico, é seu
posicionamento decidido a favor dos “últimos”, dos “pequenos”, das “crianças”,
das mulheres...
Por tudo isso, não parece casual que, depois do
relato no qual defende a igualdade da mulher com relação ao homem, apareça a cena
de Jesus abraçando as crianças.
Seja qual for o motivo da pergunta feita pelos
fariseus, a resposta de Jesus vai se centrar neste ponto: a “intuição primeira” (e, portanto, também o “horizonte”) para a qual tende a relação
amorosa entre homem e mulher: “o que Deus uniu
o homem não separe”.
Mas Deus não une pelas leis canônicas e sim pelo amor cuja intenção é a plena comunhão entre duas pessoas. Uma coisa
é a indissolubilidade canônica e outra é a fidelidade que o casal deve
atualizar cada dia e em cada instante de sua convivência.
No meio de uma cultura marcadamente machista e
patriarcal, Jesus desativou o machismo e rompeu com tabus intocáveis, adotando
uma atitude de reconhecimento e valorização da mulher em nível de igualdade
com o homem; e isso desde “o princípio”,
ou seja, por vontade divina. Em um contexto no qual o mundo feminino era
invisível, Jesus o fez visível, superando preconceitos e atitudes de dominação.
Ao
renunciar sacralizar a sociedade patriarcal de sua época, Jesus restituiu à sua
fonte original a relação entre homem e mulher, o matrimônio e a família.
Mulheres
e homens aparecem em seu projeto como iguais, sem prioridade de
um sexo sobre o outro.
No
discipulado igualitário de Jesus, as mulheres encontraram espaço para se
desenvolver em liberdade, rompendo a submissão à ordem patriarcal.
Jesus
as emancipou e as fez companheiras itinerantes, em companhia dos homens, para
escândalo daqueles que olhavam o corpo da mulher como perigoso e contaminante.
Sabemos que o ser humano se humaniza quando em companhia,
e uma estável relação de casal alcança o grau mais profundo de realização
humana. Esta é a chave de todo o discurso de Jesus.
Este projeto matrimonial é para Jesus a suprema
expressão do amor humano. É Deus mesmo que atrai mulheres e homens para viverem
unidos por um amor livre e gratuito. O matrimônio é a verdadeira escola
do amor. Nenhuma outra relação humana chega a tal grau de profundidade.
O amor não é puro instinto, não é paixão, não é
interesse, não é simples amizade nem simples desejo de um querer mútuo. É a
capacidade de ir ao(à) outro(a) e encontrar-se com ele(ela) como pessoa, para
que, no mútuo crescimento e experimentando-se como dom, ambos possam se ajudar
para serem mais humanos. E uma das qualidades mais bonitas do amor é que deve
estar crescendo toda a vida.
“O amor é faísca
de Javé” (Cant. 8,6-7)
Nesse
sentido, o matrimônio não é uma realidade estática, mas dinâmica, é
chama divina, é mudança, é abertura ao novo, é projeto a ser construído
cotidianamente a dois, é movimento na direção de um “Amor maior”,
“amar
melhor”, fundado sobre o amor incondicional de Deus.
A questão fontal, portanto, não é só disciplinar,
de ascese e de uma moral rígida, mas a mística
do amor; sem ela, o matrimônio se reduz a “um castelo de cartas” que se
desmonta facilmente.
O Vat. II define a vida matrimonial como “comunhão
de vida e de amor”.
1. Comunhão
de amor. Não de
amor como mero enamoramento transitório; homem e mulher uniram-se em matrimônio
não só porque se queriam, senão para plenificar o amor entre ambos.
2. Comunhão
de vida, porque
prometeram percorrer, mutuamente unidos, o caminho de sua vida, não meramente “até que a
morte os separe”,
mas “até
que a vida inteira, percorrida em uníssono, os una por completo”.
Ao
envelhecer juntos, meta desafiante, consuma-se o matrimônio. Assim é que se realiza a
vida juntos, fazendo-se companhia digna, ajudando-se mutuamente a se tornarem
mais humanos; uma companhia experimentada como dom, com alegrias e sombras,
querendo-se muito e também sendo mútuo suporte, mesmo no outono da vida.
Por isso, ao falar de “indissolubilidade
matrimonial”, é preciso assumir com lucidez e serenidade o caráter processual
da relação de “duas pessoas unindo-se” em “comunhão de vida e amor”.
Os trâmites legais que certificam o
consentimento conjugal se firmam em um momento. Mas a união de duas pessoas em “comunhão
de vida e amor” não é momento, mas processo; não tem efeito instantâneo a
partir de uma declaração legal, nem de uma fusão biológica, nem de um artifício
mágico, nem sequer de uma benção religiosa; não é uma foto estática e morta,
mas um processo dinâmico e vivo.
A expressão “sim, eu quero”, não é uma fórmula mágica que
produz automaticamente um vínculo indissolúvel. Para o casamento, basta meia
hora. Para a consumação do matrimônio “de maneira humana”, é preciso uma vida
inteira.
Por isso, ao invés de usar a expressão “um casal unido”, deveríamos optar por esta outra: “um casal unindo-se”. O casamento é um
momento, mas o matrimônio é um processo; o matrimônio deve
ser re-inventado, re-construido cada dia. Isso implica ser criativo na maneira
de vivê-lo, buscar novas expressões, novos gestos... A cada dia, o casal
deveria dizer, um ao outro: “Hoje eu te recebo novamente como minha esposa/meu
esposo, e te prometo ser fiel, na alegria e na tristeza...”.
A indissolubilidade matrimonial não
é um caráter selado a fogo como um carimbo, mas uma meta, fim e horizonte do
processo em direção a uma profunda unidade de vida: “Serão os dois um só ser” (Gn 2,24); unidade
sem costuras, na qual não se nega a diferença, mas esta fica integrada ou
abraçada na Unidade maior que nada deixa fora.
“Projeto
a dois”, mas sem anular a identidade, a originalidade do outro. O amor faz do homem e da mulher não “duas
metades” que se encontram, mas dois inteiros que se doam, e que generosamente
acolhem e transbordam o Amor de Deus semeado em seus corações, desde sempre.
Por isso, nas congratulações do dia
do casamento, este deveria ser o desejo expresso aos noivos: “que realizeis vossa união, acompanhando-vos mutuamente através de uma
longa vida”.
Texto bíblico: Mc 10,2-16
Na
oração:
Toda opção vocacional - matrimônio, vida consagrada,
sacerdócio, solteiro(a) - é marcada com o selo do “sim”. É preciso, continuamente, re-encantar o “sim” e
carregá-lo de sentido, de afeto, de ternura... Sim que se prolonga...
O “sim” proclamado diante de Deus,
torna-se sagrado, compromete, faz cúmplice... Não é um “sim” que se
fecha, mas que se expande, repercute nos outros, desencadeia outros “sins”...
Sim com a marca da coragem, da ousadia... que arranca do imobilismo e
desperta o sentido dos pequenos “sins” cotidianos.
- Fazer memória dos “sins” que significaram um salto qualitativo na sua vida.
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