“Quem quiser ser grande seja vosso
servo”
(Mc 10,43)
Jesus segue o caminho para
Jerusalém; enquanto isso, vai revelando aos seus discípulos as consequências de
sua entrega em favor dos últimos e excluídos. Pois, todo aquele que investe sua
vida a serviço da vida, sempre encontrará oposições, perseguições e morte.
Marcos, ao anunciar três vezes a
paixão de Jesus, está revelando o preço da fidelidade ao Reino de Vida. Ao
descrever, depois de cada anúncio, a resistência e a incompreensão dos
discípulos, está nos advertindo sobre a dificuldade do verdadeiro seguimento.
Depois do primeiro anúncio, Pedro quer desviar Jesus do caminho de fidelidade
que o levará à Cruz e morte; depois do segundo, os discípulos continuam discutindo
quem era o maior entre eles. Hoje, no terceiro anúncio da paixão, os dois
irmãos, Tiago e João, pretendem sentar-se, um à direita e outro à esquerda de
Jesus, no seu Reino Não há maior contraste entre a atitude do Mestre e a de
seus seguidores; estão em diferentes amplitudes de onda.
Os outros dez se
indignaram. Esta reação é apenas um sinal de que todos estavam na mesma
dinâmica. Os outros discípulos tinham as mesmas ambições dos dois irmãos, mas
eram covardes e não tinham a coragem de manifestá-las. Também no protesto pelo
que o outro faz podemos manifestar o desejo de fazer o mesmo. Como a imensa
maioria dos cristãos, continuamos tentando manipular Deus em nosso proveito.
Seguindo a linha do profetismo
crítico, Jesus desmascara a trama oculta da busca do poder: “Sabeis que os
chefes das nações as oprimem e os
grandes as tiranizam”. Dessa forma alude a uma conduta que, a seu
juízo, é clara entre os poderosos deste mundo.
Embora manifestem o desejo de
caminhar com Jesus, Tiago e João deixam transparecer que carregam no coração o
impulso para dominar e impor-se sobre os outros. Esta busca de poder destrói a
paz e as relações entre os membros de uma comunidade que se diz seguidora
daquele que não buscou o poder, mas o serviço.
Jesus
apostou na vida de todos os seres humanos e não se deixou subornar por nenhum
poder destruidor de vidas. Ele convidou ao serviço e à solidariedade como
novidade radical.
Sua
fidelidade ao Reino se tornou transparente e iluminadora no seu ministério em
favor da vida.
O Deus que Ele nos revelou é o Deus que se faz
presente no pequeno, no simples, naqueles que não tem voz e nem vez neste
mundo. Não é o Deus do poder absoluto, nem o Deus que exige obediência e
submissão àqueles que se apresentam como representantes do divino.
O Deus de Jesus é o Deus que responde e corresponde
aos anseios de respeito, dignidade e felicidade, que todos trazem inscritos no
sangue de suas vidas e nos sentimentos mais autênticos e nobres.
O Deus Misericordioso não impulsiona ninguém
a desejar poderes, por mais nobres que pareçam ser. Ele é o Deus que só
legitima a identificação e até a fusão com o destino das vítimas deste mundo.
Por isso, os discípulos de Jesus
(e toda a Igreja) devem renunciar toda expressão de poder, os métodos de força,
imposição e domínio que os poderosos deste mundo exercem sobre as pessoas.
Não há, para Jesus, um poder mau
(próprio dos tiranos) e outro bom (que seria próprio de seus discípulos). Todo
poder é, no fundo, destruidor, toda imposição é má. Por isso, Jesus não quer
melhorar o poder (convertê-lo), mas superá-lo na raiz, isto é, não deixar que
ele se manifeste.
Jesus não veio
fundar hierarquias entendidas em chave de honra, poder e prioridade social ou
espiritual. Ele iniciou, sim, um movimento humanizador, onde o poder não tem
lugar. A partir daqui, é que se entende seu apelo ao seguimento, que implica
uma inversão a respeito da ordem antiga: o poder (desejo de domínio) deve
tornar-se gratuidade, gesto de amor desinteressado pelos outros, serviço
comprometido...
Os
discípulos tiveram dificuldades em compreender que o Seguimento passa pela
implicação pessoal na solidariedade com as minorias e excluídos, pela denúncia
do poder dominador e manipulador, gerador de morte. Eles queriam um líder
triunfador que dividisse o poder com eles; por isso, lhes custou crer que a
marca do Mestre de Nazaré é a vida que se doa para que o outro viva.
Ao colocar-se nessa
atitude de serviço em relação ao mundo, a comunidade dos(as) seguidores(as)
espelha-se em seu Senhor, que não veio para ser servido, mas para servir e dar
sua vida por todos. Estar a serviço é uma atitude gratuita que brota do amor, que faz a pessoa “sair” de si
mesma e ir ao encontro do outro; coloca seu centro de atenção não em si, mas no
outro e na coletividade, visando o bem de todos.
A atitude do serviço é o oposto do egoísmo
autoreferencial, que leva o indivíduo a viver somente para si,
tendo em vista os
próprios interesses. O caminho do Seguimento de Jesus descontrói essa lógica
rasteira do egoísmo interesseiro e descortina perspectivas novas que, pela
doação de si no serviço generoso, abrem os horizontes da pessoa para o
verdadeiro sentido da vida e da realização humana.
Amar servindo e
servir amando: este é o sentido de
nossa missão cristã.
Tal amor e espírito de serviço concretizaram-se na generosa doação de tantos cristãos que,
ao longo dos séculos, ofereceram e continuam oferecendo a vida a serviço dos
outros em hospitais, creches, orfanatos, asilos, escolas, universidades, e numa
infinidade de projetos e pastorais que atendem, sobretudo aos mais
necessitados. Assim, a Igreja presta serviço formando gerações, influenciando
culturas, salvando vidas, infundindo e consolidando valores em meio a sociedade
onde se situa.
Jesus, com seu modo original de ser
e viver, nos coloca diante da tentação que sempre nos ameaça: o gosto do poder,
da comodidade, das pompas, do querer ser como os “chefes das nações”, de ter
privilégios, de ser servido. Sua proposta de vida é de uma sabedoria e de uma
humanidade finíssima; seu horizonte é o serviço.
Todos temos algo ou muito dos “filhos
de Zebedeu” em nosso interior. Quanta afetividade mal resolvida procura se
satisfazer com doses de poder! Essas doses na veia existencial é a morfina para
acalmar problemas mais profundos. Os sedativos não curam nada, mas nos deixam
anestesiados.
Quanto mais desintegrada a
afetividade, mais despóticos e tirânicos nos tornamos. Os fanatismos, as intolerâncias,
a violência e o ódio, o afã de se impor sobre os outros..., tem sua incubadora
em uma afetividade não ou mal resolvida. Mesmo quando, na prática, não temos
chances de exercer o poder, nos projetamos e nos identificamos com alguém que
visibiliza as mazelas de nossa interioridade não integrada.
Portanto, mudar poder por serviço é a chave. A partir do serviço, a hipocrisia e a corrupção
do poder se estatelam contra o solo; o serviço nos situa todos no mesmo nível,
o horizontal: ninguém é mais que ninguém. Aclarando que serviço não é
servilismo, que é do que se vale qualquer poder.
Jesus propõe o
serviço como uma verdadeira revolução e é Ele quem dá o primeiro passo,
rompendo esquemas, indicando que o caminho não é o poder que se impõe, mas a
“descida” solidária.
Todos somos
chamados à revolução do serviço, crentes e não crente, de todas as
religiões e culturas. Coloquemos a serviço da vida os dons particulares, as
habilidades, a profissão, os estudos, a sabedoria herdada de nossos
antepassados, a capacidade de denúncia diante dos abusos, a luta contra a
corrupção e a hipocrisia, a violência e o ódio.
Como cristãos,
somos chamados a um “serviço amoroso”, gerador de vida e vida em plenitude.
Texto
bíblico: Mc
10,35-45
Na
oração:
Na intimidade com o Senhor, perguntar-me:
- Minha presença no mundo e na Igreja é
carregada de esperança? É inspiradora e servidora? Está a serviço da vida ou da
morte?
- Em que posso crescer no serviço
eficaz? Onde devo atuar? Como sair do “serviço repetitivo” e sem criatividade?
- No serviço, sou o “centro” ou o
centro é o outro?
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