“A
mãe de Jesus estava presente”
(Jo 1,1)
O papa
Francisco, em uma homilia proferida no Santuário Nacional de Aparecida, convidou
a "nos
deixar surpreender por Deus" constantemente.
Deus
espera que nos deixemos
“surpreender
por seu amor, que acolhamos as suas surpresas”.
O papa nos
mostrou como modelo de surpresa a história do Santuário: três pescadores depois
de um dia inteiro sem apanhar peixe encontram, nas águas do Rio Paraíba, a
imagem da Senhora Aparecida. Sabemos que os pescadores, após encontrarem a
imagem milagrosamente, têm uma pesca abundante e conseguem o que precisavam
para atender ao conde de Assumar. O Papa Francisco vai além, vai ao essencial
desse episódio para entendermos melhor como Deus atua: “Quem poderia imaginar que o lugar de
uma pesca infrutífera, torna-se-ia o lugar onde todos os brasileiros podem se
sentir filhos de uma mesma Mãe? Deus sempre surpreende, sempre nos reserva o
melhor”.
É decisivo estar dispostos a abrir espaços em nossa
história a novas pessoas e situações, novas vivências, novas experiências...
Porque sempre há algo diferente e inesperado que pode nos
enriquecer.
A vida está cheia de possibilidades e surpresas;
inumeráveis caminhos que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em
nossas vidas; desafios, encontros, aprendizagens, motivos para celebrar, lições
que aprendemos e nos fazem um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais
simples...
Em Maria nos inspiramos para viver também uma
presença inspiradora em nossa existência cotidiana.
Maria foi aquela que, como
ninguém, abriu-se ao Deus surpreendente e deixou-se conduzir por Ele. Dela não
se diz muito nos evangelhos, mas o que ali se diz nos revela uma presença
surpreendente, capaz de ver mais além do cotidiano e estabelecido.
Sua presença revela um gesto profético de
solidariedade e de anúncio: presença que aponta para uma outra presença, a de
seu Filho. Sua presença dignifica e revela um novo sentido à presença de Jesus
numa festa de Casamento.
É o
evangelista João quem nos apresenta Maria em sua verdadeira missão de presença mobilizadora e mediadora junto
a Jesus. Não porque ele fale muitas vezes dela, mas porque a situa claramente
nos dois momentos-chave da vida de Jesus: no início, quando faz adiantar a
Hora, e na Hora da Cruz.
No relato da festa de casamento em
Caná, o evangelista, com uma frase tipicamente sua, quer realçar um aspecto que
muitas vezes nos escapa. Ele nos diz: “a mãe de Jesus estava presente”. E desta maneira, pela primeira
vez, João apresenta a Virgem Maria em seu evangelho. E a nomeia como a mãe de
Jesus. E será a primeira e única vez em que nos relata algumas palavras de
Maria. Só duas frases curtas: a primeira é para avisar o seu Filho que o vinho
tinha acabado – “Eles não têm mais vinho”.
Maria, que sempre se revelou como
uma mulher atenta à realidade, certamente andou pela cozinha da casa e se
inteirou da dificuldade dos noivos e do problema que significaria interromper a
festa do casório. Com sua sensibilidade feminina, entendeu a difícil situação e
soube que atitude tomar.
Em outras palavras, Maria é aquela que sabe
entrar em sintonia com os sentimentos dos outros e construir vida festiva, e
vida em abundância. Ao sussurrar no ouvido de seu Filho - “Eles não têm mais vinho” - ela se revela sensível e atenta às necessidades das pessoas que vivem
ao seu redor e as põe em comunicação com Aquele que pode remediar tais necessidades. O vinho
simboliza o dinamismo da vida, a alegria, a festa contínua, a celebração...
E disse a segunda frase que ficará
para sempre como um grande convite para todos os seguidores e seguidoras de
Jesus: “Fazei tudo o que Ele vos disser” É como se esta frase fosse a
condensação da mensagem e da atitude de Maria no evangelho. Ela se
apresenta como caminho que conduz ao Caminho verdadeiro; foi aquela que mais
conheceu e mais seguiu seu Filho; precisamente por isso, sua presença é capaz de alimentar em todos
nós a confiança em Jesus e nos acompanha até Ele.
Porque estava presente a Deus, Maria fez-se presente nos momentos decisivos de
seu Filho, bem como fez-se presente na vida das pessoas. Uma presença que faz a
diferença: presença solidária, marcada pela atenção, prontidão e sensibilidade,
próprias de uma mãe que acompanha com ternura.
Sua presença não era presença anônima, mas
comprometida; presença expansiva que mobilizou os outros, assim como mobilizou
seu Filho a antecipar sua “hora”.
Trata-se de uma presença que é “música calada” nos lugares cotidianos e escondidos,
que sabe enternecer-se e escutar as inquietações que procedem desses lugares.
Uma presença que descobre o próximo no próximo, que sabe resgatar a solidariedade
na vida cotidiana; uma presença que se manifesta na ausência de recompensa ou
de interesse próprio.
A presença silenciosa, original e
mobilizadora de Maria des-vela e ativa também em nós uma presença inspiradora, ou
seja, descentrar-nos para estar sintonizados com a realidade e suas carências.
Tal atitude nos mobiliza a encontrar outras vidas, outras histórias, outras
situações; escutar relatos que trazem luz para nossa própria vida; ver a partir
de um horizonte mais amplo, que ajuda a relativizar nossas pretensões absolutas
e a compreender um pouco mais o valor daquilo que acontece ao nosso redor; escutar
de tal maneira que aquilo que ouvimos penetre na nossa própria vida;
implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas e
títulos; acolher na própria vida outras vidas; histórias que afetam nossas entranhas e permanecem na
memória e no coração.
Disto se trata: aprender dos outros; recarregar nossa
própria história de um horizonte diferente, no qual cabem outras possibilidades
e outras responsabilidades; descobrir uma perspectiva mais ampla que ajuda a
formular melhor o sentido de nossa própria vida.
Em Maria descobrimos a verdadeira
vocação de todo ser humano. Ser como Maria não é uma simples meta a alcançar,
pois partimos da mesma realidade da qual ela partiu. O que estamos celebrando,
nesta festa da Mãe Aparecida, nos indica o ponto de partida de nossa trajetória
humana, não o ponto de chegada.
E fazer este percurso vital é
abrir-nos às surpresas do Deus Surpreendente.
Texto bíblico: Jo 2,1-11
Na
oração:
Por onde você tem
transitado normalmente? Somente por lugares conhecidos, junto às pessoas amigas?
Sua presença eleva, anima, desperta os outros?
Você se deixa afetar
pelas presenças provocativas? os pobres? os marginalizados? as minorias?...
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