“Jesus tomou uma criança, colocou-a no
meio deles e, abraçando-a...” (Mc 9,36)
No evangelho de Marcos, o “caminho” representa o
itinerário de formação do discipulado. Jesus não quer um grupo de fanático que
lhe entoem vivas a seu nome, mas um grupo de pessoas responsáveis que sejam
capazes de assumir Seu projeto, em favor da vida, ou seja, o Reino de Deus. Por
esta razão, seus esforços se concentram no ensinamento de seus seguidores. Mas,
a instrução parte dos desacertos e das incompreensões que eles vão revelando ao
longo do trajeto para Jerusalém.
No evangelho deste domingo, Jesus
utiliza uma estratégia pedagógica muito criativa: retoma a discussão dos
discípulos que, no caminho, estavam concentrados não em Seu ensinamento, mas na
partilha dos cargos burocráticos de um hipotético governo. Jesus reconduz a
discussão mediante um exemplo tomado da vida diária: coloca uma criança no meio deles. Tal gesto revela
como o presente e o futuro da comunidade dos seus seguidores(as) está em
colocar no centro não as próprias ambições, mas as pessoas mais simples e
excluídas. Só assim se reverte o sistema social de valores; e só assim, a
comunidade torna-se uma alternativa inspirada frente ao mundo, que só sabe
colocar no centro as pessoas ricas e poderosas. A novidade de Jesus consiste em
tornar grande quem é pequeno, despojado de poder e prestígio.
Os discípulos queriam construir a Nova Comunidade
em bases de poder, a partir do maior e do primeiro. Mas Jesus não precisa de
maiores nem primeiros, busca os últimos e servidores; quer pessoas que saibam se
colocar no final, para ajudar os outros a partir desse espaço, superando a
lógica do mando. Ao falar assim, não combateu um simples vício de egoísmo, mas
inverteu as estruturas mesmas da velha sociedade, edificada a partir dos
poderosos.
Ninguém briga para disputar o último
lugar. Todos discutimos e buscamos o primeiro lugar. Essa foi também a
conversação dos discípulos pelo caminho.
Ninguém estava disposto a ser o
último; todos queriam ser os primeiros. E isso porque Jesus acabara de anunciar,
de novo, a entrega de sua vida em favor dos outros, em serviço de amor.
Por isso, quando, em casa, lhes
pergunta - “O
que discutíeis pelo caminho?”
-, todos ficaram mudos. Agora ninguém quer dar a cara; todos são inocentes. Com
sua pergunta, Jesus quer que tragam à luz seus íntimos e perversos sentimentos,
mas guardam silêncio porque sabem que não estão de acordo com o que Ele vinha
lhes ensinando. Entre eles, continuam na dinâmica da busca do domínio e do
poder.
Os discípulos haviam discutido sobre quem é (ou
deve ser) o maior. Como todo grupo humano, também no grupo de Jesus surgiram
invejas, desejos de liderança, disputas sobre privilégios. Mas Jesus não é um
ditador, não impõe seu domínio pela força; Ele sabe que seu grupo de seguidores
tenderá a dividir-se em grupinhos de influência ou prestígio; Ele tem
consciência que onde predomina o poder, a vaidade, a força... Ali não há
possibilidade de uma verdadeira comunidade.
Só superando a lógica do desejo de poder é que se
pode edificar o reino da nova humanidade, um mundo onde os mais fracos e
vulneráveis possam viver em amor e crescer em vida.
Jesus já tinha apresentado seu
projeto em chave de ruptura social e religiosa, investindo toda sua vida em favor
dos outros. Ele desencadeou um “movimento humanizador”, onde não há lugar para
o domínio, a imposição, mas espaços de gratuidade e de ajuda mútua, abertos aos
mais necessitados, a partir de uma perspectiva de entrega da vida. Seu projeto
revelou-se luminoso, mas, humanamente falando, parecia inviável, pois todo
grupo humano busca organizar-se numa estrutura de poder, e os discípulos de
Jesus pretendiam fazer isso, de maneira que alguns pudessem ocupar os lugares-chave
da comunidade.
Por isso, para inverter esse modelo e criar uma
comunidade diferente, Jesus toma uma criança
e realiza um gesto provocativo: coloca-a no centro e a abraça.
Os discípulos conspiram, buscando poder e
prestígio; no entanto, Jesus descobre e desmascara tal conspiração, oferecendo
amor (abraçando) a uma criança. Dessa
forma, a autoridade (colocá-la no meio) se torna ternura: a criança é
importante porque está à mercê dos demais e necessita carinho.
Jesus põe a criança no centro de todos. Os
discípulos buscam o centro, mas o verdadeiro centro da Vida de Deus está já
ocupado pela criança a quem Jesus a coloca de pé, em sinal de autoridade, no
meio do círculo onde Ele mesmo havia se situado, convertendo-a em autoridade
máxima.
Aqui aparece um Jesus escandaloso,
messias de ternura que não só abraça as crianças, senão que propõe esse gesto
como sinal de identidade de seu discipulado e reino.
A mesma criança aparece assim como
autoridade, sinal do messias (“quem a recebe, a mim me recebe”).
No espaço central da Igreja,
abraçada a Jesus, encontramos uma criança; a nova comunidade passa a ser lugar
para o abraço. Ambos, Jesus e a criança, formam a verdade messiânica. Com esta
imagem desaparecem os modelos de domínio e prestígio (ser maior, ser primeiro,
ter mais poder). A criança é a maior e a primeira, não é preciso buscar mais. A
partir daí se pode falar de igreja: quem acolhe a criança, oferecendo-lhe
espaço para o abraço no centro da casa, esse, sim faz parte da comunidade
cristã.
Frente aos discípulos patriarcalistas que
buscavam o domínio e o poder (ser grandes, conquistar com risco os primeiros
lugares) Jesus elevou aqui o modelo de uma Igreja que é família, lar materno a
serviço dos pequenos, lugar da acolhida e do
crescimento das crianças.
O Jesus de Marcos superou um modelo de família
patriarcalista, entendida como hierarquia de poder; ao iniciar um movimento de
vida nas casas, Jesus insiste na necessidade de que toda a comunidade de seus
seguidores atue de um modo materno-paterno, acolhendo os mais necessitados, e
de um modo especial as crianças, com um gesto de autoridade (a criança é o
centro da comunidade) e de ternura (à criança oferece-se o calor da vida e o
abraço).
Frente uma sociedade do “descarte”, onde as
crianças são as primeiras vítimas da violência, o evangelho de hoje torna-se
ocasião privilegiada para repensar a atitude dos cristãos frente à infância
desamparada. Também a Igreja, quando está só focada no poder, no ritualismo, na
doutrina, no legalismo, no moralismo, no dogmatismo..., deixa de ser mãe terna
e carinhosa para com os mais frágeis, para deixar-se contaminar pela “mosca
azul” do poder e prestígio.
O que importa para a igreja é oferecer espaço
humano à criança que já existe e que ocupa o seu centro. Não é questão de
dogmas mais ou menos racionalizados, nem tampouco das grandes estruturas. A
igreja deve fazer-se lugar de vida para as crianças!
A comunidade cristã não é (não
deveria ser) um grupo dominado por sábios anciãos (uma gerontocracia), não é
sociedade de sacerdotes poderosos ou influentes, um sindicado de burocratas do
sagrado, funcionários que escalam passo a passo os degraus de sua grande
pirâmide de influências, poderes, competências (e também incompetências). De
acordo com o evangelho deste domingo, a Igreja é, antes de tudo, lar para as
crianças, espaço onde encontram acolhida e ajuda para seu crescimento, humano e
espiritual.
Texto bíblico: Mc
9,30-37
Na
oração:
Há
gestos cotidianos que nos ajudam a descobrir em profundidade quem somos
realmente. Um abraço, um beijo, uma mão estendida, um olhar sereno..., são
gestos que quebram toda pretensão de poder e desmascaram o impulso de querer
colocar-se acima dos outros. São gestos que nos recordam que somos seres
amados.
Sem
dúvida esta é a linguagem de Deus: Ele se des-vela mais nos gestos, que dão
conteúdo a tantas palavras já desgastadas.
-
Prolongar, no seu cotidiano, o modo terno e carinhoso de ser e de agir de Jesus,
sobretudo com os mais frágeis.
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