“Jesus
saiu de novo da região de Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da
Galiléia...(Mc
7,31)
Uma imagem constante no evangelho de Marcos:
Jesus, portador da Vida, é um itinerante; rompe os espaços
geográficos-culturais-religiosos e transita com muita liberdade pelo território
pagão. Ali também encontravam-se os excluídos, aspirando viver relações mais
humanizadoras.
Nesse deslocamento, algumas pessoas trazem um
surdo-mudo a Jesus e pedem que lhe imponha a mão. O surdo-mudo poderia ir ao
encontro d’Ele, mas não teria como expressar seu pedido.
Portanto,
parece lógico, que alguém tivesse que atuar para conduzir o surdo-mudo até
Jesus, para que fosse “tocado”; aqui aparece a força do contato.
Sabemos pouco da riqueza de nosso contato. O contato
nos cura. É um caminho de comunicação maravilhoso. Na enfermidade, muitas
pessoas não buscam mais que o contato. Um verdadeiro contato nos envia sempre
para dentro. Não é somente o contato da pele, mas o que nos põe em marcha para
nosso interior.
O contato nos faz despertar. Existe a idade da
palavra, a do ouvido, a do olhar..., mas neste momento Jesus se detém na idade
do contato. O caminho do contato é o da mais profunda comunhão.
A mão é fonte de contato, é canal de passagem da
energia curativa.
O Mestre separa o surdo-mudo da multidão e lhe
confere uma atenção especial, em um espaço protegido, onde pode estar a sós com
o doente. É apenas nesse encontro entre os dois que a confiança necessária pode
crescer para que aquele, cuja boca e ouvidos estão fechados, se abram.
O processo da cura do surdo-mudo é descrito aqui
em cinco
passos, onde Jesus abre a possibilidade para o encontro deste homem com
os outros e para o encontro com o Pai: coloca os dedos nos
ouvidos do surdo, toca a língua do mudo, eleva os olhos ao
céu, suspira e ordena: “Efatá” – “abre-te”.
Palavra dirigida ao coração do surdo-mudo. É como
se dissesse: “abre-te à tua
identidade! Destrava teu interior!” Depois de tantos passos através do não-verbal,
vem a palavra. E o surdo-mudo desata
sua língua e começa a falar.
Contrariamente aos outros
milagres, Jesus realiza uma série de gestos que demonstravam proximidade e envolvimento:
tocou o corpo do homem, olhou para o céu, exprimindo sua comunhão com o Pai, e
suspirou como sinal de participação profunda no acontecimento. A cura deixa de
ser um ritual puramente exterior, mas brota de um encontro, de um gesto que
demonstra comunhão entre o doente e Jesus.
Jesus, com seus sentidos
abertos e acolhedores, destrava os sentidos do pobre homem excluído e o
capacita a integrar-se na convivência social; com os sentidos abertos, agora ele
pode expressar a riqueza de sua interioridade. Uma vez libertado da atrofia dos sentidos, o homem se emancipou,
recuperou sua autonomia e agora pode manifestar-se sem bloqueios; nada mais o limita.
Com todos os órgão e sentidos do seu corpo mobilizados,
ele insere-se na comunidade que ouve a Deus e proclama que Ele é o único
Senhor. Desaparecem as causas que lhe
impediam optar com liberdade; a possibilidade de uma nova vida se abriu para
ele.
Nessa nobre missão de ajudar os outros a “dar à
luz” o melhor deles mesmos, Jesus foi um sábio “parteiro”: n’Ele podemos contemplar em quê consiste o saber servir
de ajuda para que a vida possa emergir como dom.
Jesus se dedica ao surdo-mudo de forma carinhosa,
como uma mãe. Ele toca a língua do mudo com sua saliva. Este é um gesto
maternal. O surdo-mudo só consegue abrir seus ouvidos e sua língua, num ambiente
marcado pela confiança e pelo amor maternal.
É sugestiva a imagem de ser “parteiro da vida”, ou
seja, saber favorecer o nascimento de cada um, em sua verdade mais profunda, em
todas as suas possibilidades. É colaborar com o Deus Pai/Mãe nessa bela missão,
ajudando cada pessoa a ser o que pode e está chamada a ser.
“Ativar e expandir vida” foi a paixão que mobilizou todo o ministério de
Jesus: seu desejo de que todos tivessem vida e vida em plenitude, sua
capacidade de fazer emergir a vida atrofiada, centrou-se de um modo especial
nos excluídos, marginalizados, enfermos, pessoas “oficialmente pecadoras”...;
pois, assim Deus o havia revelado, assim sentia Ele seu coração entrar em
sintonia com o coração do Pai, que põe mais amor onde há mais necessidade.
Poder “dar vida”, capacitar para que cada pessoa
pudesse viver sua vida e sua verdadeira identidade foi, para Jesus, uma fonte
profunda de fecundidade e de felicidade.
Assim como o surdo-mudo, também nós podemos viver dentro
de bolhas, que nos atrofiam e impedem que cheguem até nós o rumor da vida dos
demais, com seus problemas e suas alegrias; ou permanecer fe-
chados dentro de nossas pequenas fronteiras, com
dificuldades para expressar o que sentimos e vivemos.
Enquanto permanecemos fechados, reduzidos a
falsas identidades, geramos confusão e sofrimento. Acreditamos naquilo que não
somos e esquecemos quem realmente somos. Tal fechamento evoca a imagem de uma
jaula, feita à medida dos limites que nossa própria mente estabelece.
Condenar-nos-emos a um sofrimento estéril e insolúvel, por um único motivo:
confundimo-nos com algo que não somos.
“Efatá”: “abre-te”. O ser humano, mesmo sendo pura abertura e amplitude
sem limites, tende a fechar-se. Talvez, porque isso lhe traz uma sensação de
segurança, ao crer que mantém o controle sobre o pequeno espaço ao qual se
reduziu.
Para começar, ele se fecha em seu próprio corpo, como
se as fronteiras físicas do mesmo delimitassem também sua identidade; fecha-se
em suas ideias atrofiadas, em sua religião burguesa, em seu legalismo e
moralismo doentios, em suas intolerâncias e preconceitos...
Nesse contexto, a palavra de Jesus aparece como um
convite firme a sair de qualquer identificação redutora: “abre-te”,
“não te mantenhas fechado na crença de uma identidade isolada, que não pode
ouvir nem contar a Beleza
que realmente és”.
“Abre-te”,
“não te feches em nada, não te reduzas a nenhum objeto, não te deixes aprisionar
em nenhuma jaula, reconheça a abertura sem limites do “oceano” que constitui
tua verdadeira natureza”. “Abre-te”…,
“A que? À tua verdadeira identidade!”
O surdo-mudo necessitava abrir os ouvidos e a
língua, mas todos nós temos necessidade de abrir alguma dimensão de nossa
pessoa, ou talvez alguma capacidade adormecida ou bloqueada.
É provável que, normalmente, a abertura seja
progressiva: à medida que consentimos abrir algo em nós, ser-nos-á mostrado o
próximo passo a ser dado. Como nas “sete moradas” de S. Teresa D’Ávila, diferentes
portas se sucedem, uma depois de
outra; assim se revela ser nosso mundo interior. Cada porta aberta nos coloca
diante de outra nova “porta”, que clama para ser também aberta.
E, no percurso interior, vamos tendo acesso a espaços
cada vez mais originais e inspiradores, até chegar finalmente a nos reconhecer
na Divina Morada, nossa verdadeira identidade, nosso “eu profundo”. Daí nasce a
sabedoria, unindo corpo-mente-afetividade, coração.
Esse caminho conduz à descoberta de que somos Um com
Aquele que nos habita e nos conecta com o universo, forjando nossa identidade
de filhos(as), irmão e irmã de todos. Quando conectamos com esta realidade,
toda nossa vida se equilibra e adquire sentido; esbarramos na Fonte.
Texto
bíblico: Mc
7,31-37
Na oração:
No
evangelho deste domingo, o autor transmite a palavra
chave no próprio idioma de Jesus, o aramaico “Efatá”, “abre-te”.
É
preciso deixar ressoar no próprio interior esta expressão; enquanto pronuncia,
pergunte-se: “A quê ou em quê preciso
abrir-me?”
- Quê
portas de sua vida é preciso abrir? Capacidades adormecidas (amor, ternura,
alegria, generosidade, solidariedade, liberdade...), defesas protetoras que se
converteram em armadura oxidada (medo, indiferença, imagem idealizada,
intolerância...), “manias” nas quais se instala, costumes e rotinas que o(a)
mantém fecha-do(a) em uma bolha de tolerado conforto...
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