Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 10º. Domingo do Tempo Comum (Ano A).
“Ao passar, Jesus viu um homem chamado Mateus,...”
É curioso: nossa
identidade também se revela no modo de olhar; somos o que olhamos;
somos como olhamos. Alguns dizem: “Dize-me como olhas e te direi
quem és”.
Trata-se de uma linguagem universal, para além das palavras. Diariamente
vivemos de olhares, imersos neles, amando ou condenando, acolhen-do ou
rejeitando. Quem não experimentou alguma vez sentir-se especial diante do olhar
do(a) outro(a)? Quem não provou o peso de um olhar julgador que, como um dardo
venenoso, atravessou as entranhas?
O olhar diz muito mais do que pensamos. Há
olhares que ocultam um poder imenso: maliciosos, sensuais, provocativos,
inocentes... Há olhares intensos e penetrantes que conseguem despertar nosso
lado mais selvagem e passional e que ultrapassam a barreira de nosso ser
permanecendo gravadas em nossa mente. Há olhares que falam por si sós, sem
necessidade de nenhuma palavra, que transmitem sentimentos, desejos e afetos.
Igualmente há olhares que deixam transparecer uma personalidade venenosa,
destrutiva e daninha e que, muitas vezes, nos fazem afastar dessas pessoas
pelas más sensações que nos causam.
Não nos enganemos; os
olhares não são neutros. Eles des-velam (tiram o veú) o mais profundo da
pessoa.
A maneira
com que olhamos uma pessoa, a forma com que respondemos a um olhar, muitas
vezes vai determinar a diferença entre um encontro memorável e grandioso ou um
encontro repulsivo e constrangedor
Corações petrificados e
insensíveis se expressam nos olhares que matam, que fecham as portas e condenam
àqueles que são diferente; há olhares que delatam, que invejam e que não
suportam o bem alheio; olhares de morte, impessoais e indiferentes,
superficiais e interesseiros; olhares embriagados de soberba, calculistas,
gélidos. Olhares sem luz e sem Deus.
Mas também sabemos que há
olhares que curam e reconfortam; olhares que são oásis e sombra acolhedora, que
protegem e bendizem; olhares que são bálsamos que aliviam feridas, derramam
consolo e compreensão. Olhares cheios de amor para com o outro, que tornam a
vida mais fácil. Olhares tolerantes, que não levam em conta o mal, mas tudo
suportam e tudo esperam. Olhares que transmitem o bem e que embelezam seus
destinatários, fazendo-os melhores e extraindo o melhor deles.
A Revelação vem nos ensinar que Deus “olhou”
para a humanidade, e seu olhar de amor foi tal que desceu até o mais profundo
da condição humana. A Encarnação do
Filho foi determinada a partir de um “olhar” que saiu do coração da
Trindade, que pousou sobre o mundo e que voltou ao seu coração, estremecendo-a
de compaixão e movendo-a à ação redentora.
Assim
também nossa presença no mundo deve ter sua origem no olhar misericordioso e compassivo, amoroso e esperançoso...
Precisamos reaprender a olhar as pessoas nos olhos
para despertar em nós a consciência da bondade humana, cujas raízes foram
plantadas por Deus no coração de cada uma delas.
E quando somos capazes de olhar nos olhos, com
simplicidade podemos encontrar no coração do outro uma imagem do nosso próprio
coração.
Quem é a referência e o modelo na arte de
olhar? O Mestre da Galiléia que, passando pelos
lugares cotidianos, olhou a todos como ninguém nunca olhou, extraindo o melhor
de cada pessoa em cada circunstância, ativando possibilidades inimagináveis,
mobilizando todos os seus recursos vitais... Seu olhar transformava as pessoas em maravilhosas obras
de arte.
Durante sua vida, Jesus passou entre nós com um
olhar profundo e que chegou a comover muitas e diferentes pessoas: os
discípulos, convidando-os a segui-lo; os pecadores, oferecendo seu perdão; os
enfermos, oferecendo cura; os excluídos, oferecendo sua acolhida...
Seu olhar nos inspira a
olhar o mundo e as pessoas de maneira diferente; olhar que recupera e vibra
frente à novidade, que capta a verdade, a beleza e o bem presente em tudo e em
todos; olhar que recolhe das margens os olhares perdidos, distraídos ou
derrotados de tantos irmãos caídos que necessitam, com urgência de um “olhar
cristificado” que os salve. O que salva é o olhar.
O evangelho deste domingo
nos situa diante do olhar arrebatador e transformador de Jesus.
O sujeito do primeiro verbo é Jesus: “viu um homem
chamado Mateus”.
Jesus estava em movimento e Mateus, pelo contrário, estava parado, passivo, “sentado junto à
banca”,
apegado à sua condição de cobrador de impostos, preso a uma profissão que o
tornava desprezível aos olhos de todos.
Mas os olhos
de Jesus souberam ver além das aparências: viram no publicano um discípulo, um
seguidor.
Para esse olhar ninguém está sentenciado nem
qualificado definitivamente, mas tem o futuro diante de si.
Pela primeira vez, Mateus sentiu-se olhado de
outra maneira: alguém acreditou nele e o chamou, e por isso ele se transformou
em alguém dinâmico que deixou para trás seu passado, assumiu o protagonismo de
sua própria vida e se pôs a caminho atrás d’Aquele que foi capaz de olhá-lo
assim.
No olhar de Jesus não há, nesse primeiro momento,
nem exigência, nem correção, nem sequer chamado à conversão; tão somente um
apelo para entrar em outro nível de relação com Ele.
Com seu
olhar pro-vocativo Jesus arrancou Mateus de sua mesa (mesa que o distanciava dos outros, mesa da traição do seu
povo e que o fazia colaborador do império romano, mesa que o fazia sentir-se
inimigo do povo, mesa da exploração, da solidão, da acomodação, da fixação...
mesa da morte).
Em casa de
Mateus, Jesus funda uma outra mesa: mesa
da comunhão, da partilha, da festa, mesa da fraternidade onde todos se sentem
iguais... Mesa da vida.
Trata-se de
uma mesa provocativa, questionadora,
incômoda... que requer mudança de lugar, de mentalidade, de
atitude... transformação interior. “Virar a mesa”, eis a questão!
Porém, a aventura de “troca de mesa” requer
uma troca de “senhor”.
Para Mateus, a troca de mesa só foi possível a partir da troca de “senhor”: deixou a mesa da dependência ao imperador romano e abriu
espaço interior para a presença de Jesus e dos outros. Ele correu o risco de
assumir a mesa da liberdade e da
comunhão.
Mateus não tem mais mesa fixa (deixa de ficar
sentado e põe-se em movimento). Tal como Jesus, ele é chamado a transitar por
outras mesas (a mesa dos encontros, da criatividade, do novo, do diferente...)
Todo
autêntico seguimento começa por uma troca de olhares; o olhar
d’Aquele que chama é mobilizador e move a dar o primeiro passo. E para isso é
imprescindível pôr-se de pé, tomar consciência de si mesmo, da presença e da
potencialidade da própria dignidade e identidade. O ouvido se abre, o olhar se
aclara, a mente se expande, o coração compreende, o corpo se ergue e a vida se
re-inicia. Vida que se abre em movimento, pronta para acolher e viver as
surpresas.
Fazer caminho com Jesus exige abandonar a espera passiva, colocar-nos de pé e entrarmos em sintonia com a liberdade que nos move por dentro. Nada há mais revolucionário que levantar-nos e proclamar que o Reino está em meio a nós porque o trazemos dentro.
Texto bíblico: Mt 9,9-13
Na oração: Contemple o olhar de Jesus e se sinta como Mateus. Deixe-se olhar pelos olhos d’Aquele
que o vê mais por dentro do que os outros ou você mesmo. Ele não se fixa em
seus defeitos nem em suas limitações; não se preocupa com o que você é, mas vê
todas as possibilidades escondidas que Deus mesmo pôs em você e que talvez você
desconheça.
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Confie mais nos olhos d’Ele que nos seus; creia que Seu olhar e Seu chamado
podem fazer de você um(a) discípulo(a).
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Peça-o que o ensine a olhar assim os outros: um olhar límpido, sem segundas
intenções e livres de todo julgamento; um olhar capaz de vislumbrar o “melhor”
que está oculto nas profundezas de cada um.
Deve ser nossa meta: “ Peça-o que o ensine a olhar assim os outros: um olhar límpido, sem segundas intenções e livres de todo julgamento; um olhar capaz de vislumbrar o “melhor” que está oculto nas profundezas de cada um.” ❤️😘 (mãe carioca)
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