Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 12º. Domingo do Tempo Comum (Ano A).
“Não tenhais medo!” (Mt 10,31)
Uma das grandes
insistências de Jesus no Evangelho é, sem dúvida, esta: “não tenhais medo!”
Jesus sempre se
revelou um profundo conhecedor da condição humana; percebeu claramente que
muitas pessoas eram marcadas por tremendos medos, impedindo-as viver com
sentido e plenitude. Ele tinha plena consciência que os maiores medos eram
alimentados pela religião, centrada nas leis, nos ritos, nas doutrinas...
gerando sentimentos de culpa e angústia diante do futuro. Pior ainda, eram os
controladores da religião que manipulavam os medos, tendo o controle sobre as
pessoas e impondo a imagem de um Deus que ameaça e castiga. É o chamado “poder
de consciência” exercido pelas autoridades religiosas que tem feito e continua
fazendo tantos “estragos” nas consciências dos indivíduos.
Diante desta dura
realidade, Jesus sempre procurou despertar a esperança nas pessoas, alimentando
um clima de confiança no Pai e da busca de vida plena: “Vim para que todos
tenham vida e vida em plenitude”.
Medo e confiança são duas emoções fortes
presentes no desenvolvimento do ser humano; dependendo de como alimentamos uma
ou outra, assim será nossa vida: carregada de medo (atrofia, paralisia
existencial...) ou de confiança (criatividade, mobilização dos melhores recursos
internos, busca, inspiração...)
O medo é o oposto da
confiança. Os neurocientíficos confirmam que ambas as emoções usam as mesmas
redes neuronais. Isso quer dizer que, alimentar o medo, consciente ou
inconscientemente, significa solapar a possibilidade de confiar.
O medo nos incapacita para a confiança, que é a atitude humana
sobre a qual se assenta o dom da fé; o medo seca as fontes da
esperança, impedindo-nos viver com prazer e alegria.
Sabemos
que o medo é uma emoção importante que nos permite detectar as ameaças e
proteger-nos diante delas. Faz parte, portanto, de nosso equipamento biológico.
Seu
objetivo primeiro é defender-nos, seja fugindo, seja ativando energias para
enfrentar a ameaça.
O
problema surge quando a ameaça não é real, mas fabricada e alimentada por nossa
mente, como consequência de medos “herdados” através de gerações, de
experiências infantis mais ou menos traumáticas ou da ignorância de quem
realmente somos.
O medo é um câncer que
ameaça à fé, ao amor e à esperança de pessoas e instituições; ele corrói as
fibras humanas, asfixia talentos, esvazia a vida e mata a criatividade.
O medo encolhe o ser
humano, inibe a decisão e bloqueia os movimentos em direção ao “mais”.
A intensidade do medo pode
anular a capacidade de reação das pessoas ou das instituições; ele impede o
discernimento e a busca da solução mais inteligente para os problemas; longe de
resolvê-los, pode agravá-los a médio e longo prazo.
O medo nos
acovarda e nos constrange, nos isola e nos obriga a viver na defensiva, em
permanente estado de alerta. O medo é paralisante; o medo nos impede ser nós
mesmos; o medo nos acovarda diante daqueles que não pensam como nós; o medo
impede afirmar nossa identidade de seguidores(as) de Jesus.
O medo
nos mimetiza como alguns insetos que, diante do perigo, mudam de cor para não
serem vistos e reconhecidos. O medo pode minar nossas esperanças, esvaziar a
capacidade de amar, atrofiar a força de nossas ideias... Enfim, o medo obscurece o
sentido e a direção da vida, tira o brilho tão próprio do amor, nos bloqueia e
nos enterra na acomodação mesquinha.
O medo não só é explorado
por empresas que se dedicam a todo tipo de seguros, mas também pelas religiões,
que exploram seus seguidores vendendo-lhes o “paraíso”, depois de ter-lhes
infundido um medo irracional ao sagrado. Somos bombardeados constantemente por uma “pastoral do medo”, que
continua tendo uma influência nefasta.
Geralmente, os controladores das
religiões tentam manipular a “divindade” para colocá-la a serviço de seus
interesses egoístas. O medo induzido é o instrumento mais eficaz para dominar
os outros. Historicamente, as autoridades religiosas utilizaram sempre desse expediente
para conseguir a docilidade de seus súditos.
Evangelicamente falando, o medo
é sinal de que ainda não entramos na dinâmica do Reino, no caminho de Jesus; o
medo nos faz refugiar numa fé alienante, que não arrisca nada, que não se
compromete com nada, que não vai mais além de nossa auto-realização narcisista,
fechados numa prática devocional estéril.
Os medos
não costumam apresentar-se de rosto descoberto; mascaram-se, porque são
sintomas de debilidade; tornam-se vergonhosos para nós. Eles se disfarçam para
se tornaram mais aceitáveis.
Existem muitos
medos escondidos por trás das atitudes tirânicas de rigidez, de legalismo, de
intransigência ou de intolerância. Recorremos a eles para ocultar-nos e
defender-nos contra o novo e o diferente.
O Papa Francisco
afirma que por detrás das atitudes intolerantes está o frio hálito do medo.
O medo empurra na
direção dos individualismos, dos fanatismos e das soluções que contemplam
simplesmente os próprios interesses.
O medo
enche de sombras o horizonte, tornando impossível uma decisão clarividente e
ordenada. O medo cega, agita a imaginação e precipita juízos e decisões,
criando impedimentos sérios para a vivência da fraternidade e para a coragem de
compreender a vida como doação de si para o bem dos outros.
Quem é capaz de
sentir compaixão, bondade, mansidão..., não se deixa afeta pelo medo e nunca
será fanático, nem intolerante, nem intransigente...
Frente a tais
medos-fantasmas, criados e alimentados por uma mente temerosa e ignorante, a
mensagem das pessoas sábias aparece marcada pela confiança. É o que
percebemos em Jesus de Nazaré, quem, de maneira constante, insiste: “Não tenhais medo”!
Confiai!
A confiança
brota da compreensão, da certeza de que aquilo que somos se encontra sempre a
salvo. Nas palavras do próprio Jesus: “podem matar o
corpo, mas não podem matar a alma”.
A confiança não
surge de um voluntarismo a toda prova, mas da experiência profunda de quem é
Deus para nós. Aceitar e acolher nossas limitações e descobrir nossas
verdadeiras possibilidades, é o único caminho para chegar à total confiança.
Confiar em Deus é
confiar em nosso próprio ser, na vida, naquilo que somos de verdade. Não se
trata de confiar em um ser que está fora de nós e que pode nos dar, a partir de
fora, aquilo que nós desejamos. Trata-se de descobrir que Deus é o fundamento
de nosso próprio ser e que podemos estar tão seguros de nós mesmos como Deus
está seguro de si.
Por maior que seja
o motivo para temer, sempre será maior o motivo para confiar. Confiar em Deus é
acolher nossa realidade, rica e pobre, iluminada pela Sua presença. Confiar em
Deus não é esperar sua intervenção a partir de fora para que retifique a criação.
É entrar na dinâmica da criação e não a violentar.
É deixar-nos conduzir pela energia da vida que sabe perfeitamente onde tem de nos levar. É deixar que a vida flua pelos canais que nosso Criador nos proporcionou: presença solidária, compaixão, amor, alegria, abertura ao novo, espírito de busca...
Texto bíblico: Mt 10,26-33
Na oração:
Redenção é libertação do
medo. É preciso olhar para o alto, encher os pulmões, erguer a cabeça, abrir o
sorriso, e dar boas-vindas à vida; é ativar a força do destemor e a alegria da
coragem.
É este o significado da redenção: a capacidade de ter confiança
em Deus e, como consequência, nas pessoas e em toda a criação, para trabalhar
em liberdade e viver com alegria.
- No dia a dia, você alimenta mais o
medo ou a confiança?
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