quarta-feira, 21 de junho de 2023

Medo ou confiança: quem determina nossa vida?

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 12º. Domingo do Tempo Comum (Ano A).

“Não tenhais medo!” (Mt 10,31)

Uma das grandes insistências de Jesus no Evangelho é, sem dúvida, esta: “não tenhais medo!”

Jesus sempre se revelou um profundo conhecedor da condição humana; percebeu claramente que muitas pessoas eram marcadas por tremendos medos, impedindo-as viver com sentido e plenitude. Ele tinha plena consciência que os maiores medos eram alimentados pela religião, centrada nas leis, nos ritos, nas doutrinas... gerando sentimentos de culpa e angústia diante do futuro. Pior ainda, eram os controladores da religião que manipulavam os medos, tendo o controle sobre as pessoas e impondo a imagem de um Deus que ameaça e castiga. É o chamado “poder de consciência” exercido pelas autoridades religiosas que tem feito e continua fazendo tantos “estragos” nas consciências dos indivíduos.

Diante desta dura realidade, Jesus sempre procurou despertar a esperança nas pessoas, alimentando um clima de confiança no Pai e da busca de vida plena: “Vim para que todos tenham vida e vida em plenitude”.

Medo e confiança são duas emoções fortes presentes no desenvolvimento do ser humano; dependendo de como alimentamos uma ou outra, assim será nossa vida: carregada de medo (atrofia, paralisia existencial...) ou de confiança (criatividade, mobilização dos melhores recursos internos, busca, inspiração...)

O medo é o oposto da confiança. Os neurocientíficos confirmam que ambas as emoções usam as mesmas redes neuronais. Isso quer dizer que, alimentar o medo, consciente ou inconscientemente, significa solapar a possibilidade de confiar.

O medo nos incapacita para a confiança, que é a atitude humana sobre a qual se assenta o dom da fé; o medo seca as fontes da esperança, impedindo-nos viver com prazer e alegria.

Sabemos que o medo é uma emoção importante que nos permite detectar as ameaças e proteger-nos diante delas. Faz parte, portanto, de nosso equipamento biológico. Seu objetivo primeiro é defender-nos, seja fugindo, seja ativando energias para enfrentar a ameaça.

O problema surge quando a ameaça não é real, mas fabricada e alimentada por nossa mente, como consequência de medos “herdados” através de gerações, de experiências infantis mais ou menos traumáticas ou da ignorância de quem realmente somos.

O medo é um câncer que ameaça à fé, ao amor e à esperança de pessoas e instituições; ele corrói as fibras humanas, asfixia talentos, esvazia a vida e mata a criatividade.

O medo encolhe o ser humano, inibe a decisão e bloqueia os movimentos em direção ao “mais”.

A intensidade do medo pode anular a capacidade de reação das pessoas ou das instituições; ele impede o discernimento e a busca da solução mais inteligente para os problemas; longe de resolvê-los, pode agravá-los a médio e longo prazo.

O medo nos acovarda e nos constrange, nos isola e nos obriga a viver na defensiva, em permanente estado de alerta. O medo é paralisante; o medo nos impede ser nós mesmos; o medo nos acovarda diante daqueles que não pensam como nós; o medo impede afirmar nossa identidade de seguidores(as) de Jesus.

O medo nos mimetiza como alguns insetos que, diante do perigo, mudam de cor para não serem vistos e reconhecidos. O medo pode minar nossas esperanças, esvaziar a capacidade de amar, atrofiar a força de nossas ideias... Enfim, o medo obscurece o sentido e a direção da vida, tira o brilho tão próprio do amor, nos bloqueia e nos enterra na acomodação mesquinha.

O medo não só é explorado por empresas que se dedicam a todo tipo de seguros, mas também pelas religiões, que exploram seus seguidores vendendo-lhes o “paraíso”, depois de ter-lhes infundido um medo irracional ao sagrado. Somos bombardeados constantemente por uma “pastoral do medo”, que continua tendo uma influência nefasta.

Geralmente, os controladores das religiões tentam manipular a “divindade” para colocá-la a serviço de seus interesses egoístas. O medo induzido é o instrumento mais eficaz para dominar os outros. Historicamente, as autoridades religiosas utilizaram sempre desse expediente para conseguir a docilidade de seus súditos.

Evangelicamente falando, o medo é sinal de que ainda não entramos na dinâmica do Reino, no caminho de Jesus; o medo nos faz refugiar numa fé alienante, que não arrisca nada, que não se compromete com nada, que não vai mais além de nossa auto-realização narcisista, fechados numa prática devocional estéril.

Os medos não costumam apresentar-se de rosto descoberto; mascaram-se, porque são sintomas de debilidade; tornam-se vergonhosos para nós. Eles se disfarçam para se tornaram mais aceitáveis.

Existem muitos medos escondidos por trás das atitudes tirânicas de rigidez, de legalismo, de intransigência ou de intolerância. Recorremos a eles para ocultar-nos e defender-nos contra o novo e o diferente.

O Papa Francisco afirma que por detrás das atitudes intolerantes está o frio hálito do medo.

O medo empurra na direção dos individualismos, dos fanatismos e das soluções que contemplam simplesmente os próprios interesses.

O medo enche de sombras o horizonte, tornando impossível uma decisão clarividente e ordenada. O medo cega, agita a imaginação e precipita juízos e decisões, criando impedimentos sérios para a vivência da fraternidade e para a coragem de compreender a vida como doação de si para o bem dos outros.

Quem é capaz de sentir compaixão, bondade, mansidão..., não se deixa afeta pelo medo e nunca será fanático, nem intolerante, nem intransigente...

Frente a tais medos-fantasmas, criados e alimentados por uma mente temerosa e ignorante, a mensagem das pessoas sábias aparece marcada pela confiança. É o que percebemos em Jesus de Nazaré, quem, de maneira constante, insiste: “Não tenhais medo”! Confiai!

A confiança brota da compreensão, da certeza de que aquilo que somos se encontra sempre a salvo. Nas palavras do próprio Jesus: “podem matar o corpo, mas não podem matar a alma”.

A confiança não surge de um voluntarismo a toda prova, mas da experiência profunda de quem é Deus para nós. Aceitar e acolher nossas limitações e descobrir nossas verdadeiras possibilidades, é o único caminho para chegar à total confiança.

Confiar em Deus é confiar em nosso próprio ser, na vida, naquilo que somos de verdade. Não se trata de confiar em um ser que está fora de nós e que pode nos dar, a partir de fora, aquilo que nós desejamos. Trata-se de descobrir que Deus é o fundamento de nosso próprio ser e que podemos estar tão seguros de nós mesmos como Deus está seguro de si.

Por maior que seja o motivo para temer, sempre será maior o motivo para confiar. Confiar em Deus é acolher nossa realidade, rica e pobre, iluminada pela Sua presença. Confiar em Deus não é esperar sua intervenção a partir de fora para que retifique a criação. É entrar na dinâmica da criação e não a violentar.

É deixar-nos conduzir pela energia da vida que sabe perfeitamente onde tem de nos levar. É deixar que a vida flua pelos canais que nosso Criador nos proporcionou: presença solidária, compaixão, amor, alegria, abertura ao novo, espírito de busca...

Texto bíblico: Mt 10,26-33

Na oração:

Redenção é libertação do medo. É preciso olhar para o alto, encher os pulmões, erguer a cabeça, abrir o sorriso, e dar boas-vindas à vida; é ativar a força do destemor e a alegria da coragem.

É este o significado da redenção: a capacidade de ter confiança em Deus e, como consequência, nas pessoas e em toda a criação, para trabalhar em liberdade e viver com alegria.

- No dia a dia, você alimenta mais o medo ou a confiança?

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