Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 4º Domingo da Páscoa (2023 - Ano A).
“Eu sou a porta. Quem entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem” (Jo 10,9)
A liturgia deste quarto domingo
de Páscoa nos traz, em primeiro lugar, a imagem de Jesus-Pastor que
conduz e guarda, anima e protege aqueles(as) que o seguem; a segunda imagem
pascal é a “porta da liberdade” pela qual saem e entram as ovelhas, ou
seja, todos nós, sem que ninguém nos persiga nem domine. O próprio Cristo
Ressuscitado é a porta da liberdade.
A terceira imagem refere-se a
todos nós, transformados pelo Ressuscitado em pastores e porta de liberdade em um
mundo onde impera a escravidão da violência, da indiferença e do ódio.
“Eu
sou a porta”: Jesus não se refere à peça de madeira ou
ferro que gira para abrir ou fechar o curral das ovelhas, mas o espaço por onde
se pode ter acesso ao recinto. Por isso, Jesus afirma que é a porta das
ovelhas, não do redil. “Passar por Ele” é “entrar” na Vida, é deixar-se
revestir pelo seu modo de ser e viver. Todos os que vieram antes são ladrões ou
bandidos porque não facilitaram a liberdade e a vida às ovelhas.
Entrar pela porta que é Jesus é o mesmo que “aproximar-se
dele”, “identificar-se com Ele”, “aderir a Ele”; isso implica assemelhar-se a
Ele, ou seja, caminhar com Ele na busca do bem das pessoas. Ele dá a vida
definitiva, e aquele que possui essa Vida ficará a salvo da exploração. Ele é a
alternativa à ordem injusta.
Em Jesus, o ser humano pode alcançar a verdadeira salvação. “Poderá entrar e sair”, ou seja, terá liberdade de
movimento. “Encontrará
pastagem” é o
mesmo que dizer: “não passará fome nem sede”.
O
Bom Pastor inaugura um movimento de vida; Ele não vem fundar
novas instituições que travam a liberdade das pessoas, nem vem trazer novas
leis que se tornam peso nas costas dos seus seguidores. Seu jugo é suave e seu
peso é leve (cf. Mt 11,30). Por isso Ele se define como “Porta da Vida”
que está sempre aberta. Por ela temos acesso ao seu coração carregado de
bondade e compaixão.
Aqueles
que escutam sua voz deixam o ambiente opressor e vivem em liberdade. Jesus não
vem substituir uma instituição por outra; não tira as ovelhas de um curral para
prendê-las em outro.
“Entrar” e “sair” pela porta:
aí está a experiência de viver a vida ressuscitada em toda a sua
plenitude e de “saborear” a existência em toda a sua promessa.
A porta é uma realidade e é um símbolo. “Entrar” e “sair” pela Porta
que é o próprio Cristo Ressuscitado, desata em nós a consciência de sermos “portas
abertas em nossa interioridade”.
Passar pela “Porta” do Ressuscitado é destravar a
porta de nossa interioridade para que a vida possa se expandir e receber novos
ares; passar pela “Porta” do Vivente é ter acesso à nossa verdadeira
identidade.
Quando a experiência de
encontro com Aquele que é a “Porta da Vida” abre a porta de nosso redil
interior, ela faz emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser, reacende nossa vida e
libera em nós as melhores possibilidades, recursos, capacidades,
intuições…; ao mesmo tempo nos faz descobrir em nós, nossa verdade mais profunda de pessoas
amadas, únicas, sagradas, responsáveis...
Assim, de portas abertas, nossa vida se expande em
direção aos outros e à Criação, possibilitando uma conexão livre com toda a realidade,
através da íntima solidariedade e do compromisso ativo.
No atual contexto social e
religioso tudo contribui para vivermos a cultura das “portas fechadas” que
excluem, dividem, marginalizam...; isso provoca a contaminação de nosso
coração: ódio, intolerância, indiferença, preconceito... Muitos de nós continuamos
presos dentro de um medo neurótico, sem atrever-nos a ser o que somos, sem
abrir a porta do coração de nossa vida.
Frente à realidade que insiste para que fechemos
as portas, construamos muros, o evangelho deste domingo nos inspira a viver uma
atitude de permanente abertura, de não ter medo frente à nova vida que nos
chega através do Ressuscitado. Ele vem para abrir as portas, enviar-nos ao mundo
com uma palavra de perdão, com um testemunho de vida, com uma presença
libertadora...
Segundo a tradição bíblica, o que mais nos
desumaniza é viver com um “coração fechado” e endurecido, um
“coração de pedra”, incapaz de amar e de crer. Quem vive “fechado em si
mesmo”, não pode acolher o Espírito de Deus, não pode deixar-se guiar pelo
Espírito de Jesus.
Quando nosso coração está “fechado”, nossos olhos
não veem, nossos ouvidos não ouvem, nossos braços e pés se atrofiam e não se
movimentam em direção ao outro; passamos a viver voltados sobre nós mesmos,
insensíveis à admiração e à ação de graças. Quando nosso coração está
“fechado”, em nossa vida já não há mais compaixão e passamos a viver
indiferentes à violência e injustiça que destroem a felicidade de tantas
pessoas. Vivemos separados da vida, desconectados. Uma fronteira invisível nos
separa do Espírito de Deus que tudo dinamiza e inspira; é impossível
sentir a vida como Jesus sentia.
Em meio às mudanças e às
transformações de nosso tempo, somos chamados, como seguidores(as) do Bom
Pastor, a ser pessoas de interioridade. E interioridade é um caminho sempre
inacabado.
Frente aos desafios que a vida
hoje nos apresenta, é decisivo favorecer um espaço interior livre, ou
seja, liberado de tudo aquilo que possa entorpecê-lo inutilmente, para “sentir e saborear as coisas
internamente” (S. Inácio). Não é
possível “ajudar os outros” a viver interiormente se nós mesmos não vivemos
nesse redil de silêncio, de gratuidade e de interioridade, onde buscamos as
motivações e as inspirações de nossa missão (família, trabalho, relações...).
Sem buscar e encontrar os caminhos da interioridade corremos o risco de
secar nossa generosidade cotidiana e de atrofiar o sentido de nossa existência
e dos nossos mais fortes compromissos.
Para reavivar a graça
pascal precisamos:
- “Ser” a porta da caridade e da misericórdia, revelando-nos
agentes transmissores da bondade e da ternura de Deus; ser porta e mantê-la
sempre aberta, mesmo que entrem fortes ventos ou pessoas inesperadas;
- “Ser” a porta para o novo, o diferente, superando
toda suspeita, preconceito e medo; porta de passagem que nos possibilite
compartilhar e aprender com todos os homens e mulheres de boa vontade para
assumir os desafios mais cruciantes da humanidade de hoje;
- “Ser” porta aberta aos pobres e excluídos,
reforçando a simplicidade como modo de vida e a solidariedade como proposta
ousada;
- “Ser” a porta do encontro que é a chave de nossa
cultura; que passemos e ajudemos a passar da chave da indiferença e da
distância à chave da proximidade e do encontro;
- “Ser” a porta da comunicação direta, simples,
inclusiva, transparente, próxima e fraterna.
- “Ser” a porta para denunciar a desigualdade
social e econômica que produz tanta dor e tantas vítimas;
- “Ser” a porta que nos leve a um compromisso com a
ecologia, o meio ambiente e o cuidado da natureza.
“Eis que
estou à porta e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em
sua casa e cearei com ele e ele comigo” (Ap 3,20). O
convite é todo feito de ternura, de desejo e de liberdade, introduzindo-nos num
movimento interior.
Como sempre, é Deus quem toma a
iniciativa. O Espírito procura entrar para fecundar, recolocar em ordem,
restaurar, unificar.
A experiência de “entrar” e “sair” da porta da interioridade é mobilização para “entrar” e “sair” com leveza alegre em cada circunstância da vida, para viver cada momento de maneira inspirada e ressuscitada.
Texto bíblico: Jo 10,1-10
Na oração:
Todos nós podemos e devemos ser
pastores e porta de liberdade para os outros.
Que saibamos
discernir, diante de tantas portas que temos atrás de nós, junto a nós e diante
de nós, qual deve ser nosso proceder. As portas não se abrem e nem se fecham
sozinhas; é preciso uma chave e ela está em nossas mãos. Cabe a cada um
decidir: que a casa do nosso coração seja a casa da humanidade.