Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 15º. Domingo do Tempo Comum (Ano C).
“Mas um samaritano que estava viajando, chegou perto dele, viu e sentiu compaixão” (Lc 10,33)
O cristão é um pobre que ama e cuida de outros pobres, um ferido que se faz presente junto a outros feridos. Há um ponto de partida comum: a experiência da pobreza radical de todos que se encontram.
Somos seres de relação; é a nossa essência. Nós nos definimos
pela maneira como nos fazemos próximos junto aos outros. Esta relação essencial
se manifesta como presença que acolhe, cuida, reforça laços, alimenta a
comunhão... Há presenças impositivas, indiferentes, manipuladoras e geradoras
de conflitos. E há presenças “cristificadas”, carregadas de compaixão.
Uma das páginas mais belas e provocativas do Evangelho é a parábola do “bom samaritano. Um desconhecido exemplar que nos oferece algumas chaves interessantes de leitura sobre o que significa atender às pessoas que estão em situação de exclusão e dor. Nesta parábola, Jesus destaca uma imagem que deve inspirar uma presença comprometida de todo(a) seguidor(a) seu(sua).
O relato começa com uma situação dramática: um homem “ferido de
morte” à beira de um caminho. Várias pessoas passam por ele: um sacerdote,
“ponte” entre os homens e Deus, e um levita, dedicado ao serviço do Templo. São
incapazes de atendê-lo. Dão meia-volta e se vão.
Por profissão, ambos conheciam bem a Lei de Deus, a
cujo serviço estavam. E, nela, está contida a exigência de humanidade
no trato com o semelhante.
Nada disto os moveu a vir em socorro do homem semimorto,
caído no caminho. O encontro com Deus no
templo não os movia à comunhão com o semelhante em extrema necessidade. Daí terem
se desviado do homem semi-morto, passando pelo outro lado do caminho.
Fugir do sofrimento é, certamente, quase um ato reflexo em todos nós.
Mas o samaritano, pelo contrário, se deteve, talvez porque sabia o que era ser
desprezado (em seu caso, por ser estrangeiro e herege). A experiência da própria
dor desperta nele uma grande sensibilidade, ativa um “radar” especial que
detecta a dor alheia e o anima a “inclinar-se”, de maneira quase “natural”,
para o mais necessitado. Era um dos seus.
A redação de Lucas
reforça insistentemente os verbos “viu”, “sentiu compaixão” e “cuidou
dele”.
Foi suficiente ver
o ferido para que se reacendesse a sua compaixão, ou seja, se enternecesse
diante da triste situação daquele homem ferido, à beira da estrada. Essa
comoção primeira é decisiva porque desperta o desejo de atuar. O que se revela
realmente pernicioso é a indiferença, a frieza, e não o sentimento de tristeza
e empatia que faz emergir uma corrente de afeto para com o sofredor.
O samaritano ficou
“afetado” ao contemplar o drama do outro.
A sequência na maneira de agir do samaritano é preciosa e fica
perfeitamente refletida na narração através dos verbos: olhar, aproximar-se, enfaixar as feridas, colocar o ferido sobre sua
cavalgadura, levar, cuidar, retornar. Uma progressiva implicação que termina alterando seu caminho e sua
vida. Seus planos foram mudados. Alguém ferido cruzou seu caminho e já não pode
viver à margem desse encontro. Por isso, depois de cumprir com suas obrigações,
retorna. Esse homem ferido “permanece” em seu coração.
As vítimas da
injustiça estão clamando a nós a “responsabilidade
de ter olhos quando outros os perderam” (J.
Saramago). Trata-se
de educar o olhar que des-vela a mentira da realidade e ao mesmo tempo
re-vela suas oportunidades históricas.
Educar a visão é
deixar-nos olhar pelo outro, pelo pobre, pela vítima do sistema. A honestidade
com a realidade reclama de nós uma alteração de nossa visão, um movimento sutil
de nossos olhos que nos conduzem a nos colocar-nos “na mira do outro”.
Mais ainda, o
olhar do outro manifesta que “fora dos pobres não há salvação”.
“Há um corpo
caído no chão”: todo
corpo é lugar de comunicação,
de comunhão, é apelo à proximidade e ternura. Dele brota uma voz
provocativa que, quando acolhida, nos introduz na trilha da “vida eterna”, do
horizonte do Sentido; ao passo que, se rejeitada, como aconteceu ao sacerdote e
ao levita, os exclui do espaço da vida.
Mas, não basta o olhar; é
preciso a “conversão das mãos”.
Foi preciso mais que uma mão. Também o dono da
hospedaria, possivelmente um judeu, também foi desafiado a superar o preconceito,
acreditar no samaritano e aceitar colaborar com ele.
O samaritano conta com a ajuda do dono da hospedaria. Este
se torna parceiro na solidariedade quando aceita fazer o que lhe fora pedido.
Ele prolonga os gestos humanizadores do samaritano, manifestando seu
compromisso com a vida frente ao ferido que aparece inesperadamente em sua
pensão.
Depois de apresentada a situação concreta, através de uma
parábola, Jesus relança a questão para o mestre da lei: “qual
dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?”
A resposta brota límpida: não é possível escolher o próximo.
Este, na perspectiva de Jesus, irrompe no caminho das pessoas, sem aviso
prévio, na condição de vítima, do outro sofredor, carente de socorro.
Quem é capaz de romper esquemas e se transformar em servidor,
com total generosidade, faz a experiência de “próximo”, no
sentido do discipulado cristão.
Por conseguinte,
“próximo” tem um sentido bem preciso. Não é qualquer pessoa! É o
outro necessitado de ajuda. Por outro lado, só quem tem uma correta imagem de Deus,
terá uma correta imagem de próximo. A indiferença do sacerdote e do
levita deveu-se a uma falsa concepção de Deus, separado dos seus prediletos. Já
o samaritano foi aquele que possuía uma fé verdadeira, expressa em
atitudes de elevado padrão de misericórdia.
O verdadeiro
seguimento de Jesus nos faz “virar a cabeça” e dirigir nosso olhar para as “margens”, para as “periferias”
da história... comprometendo-nos com os prediletos de Deus. Para Jesus,
o centro está nas margens; os marginalizados e excluídos são trazidos por Ele
ao centro.
Por isso, Jesus derruba as
barreiras de religião e raça. Para Ele, o verdadeiro culto a Deus acontece nas
“margens” e não nos templos.
Na perspectiva cristã, a opção pelos pobres não está vinculada a um voluntarismo ascético-moral, mas a um caminho no qual o ser humano se des-vela como pessoa guiada pelo princípio compaixão, sensível ao sofrimento dos outros e feliz por compartilhar seu ser e seus bens com os despossuídos. É preciso abrir os olhos para ver, dispor o coração para comover-se e estender as mãos para ajudar.
Texto bíblico: Lc 10,25-37
Na
oração:
Solidariedade
é vestir o coração com as roupas do excluído
-
Examinando a sociedade, sentindo de perto os seus problemas e desafios, que
esperança você carrega?
-
Você tem experiências de voluntariado,
de solidariedade e de compromisso com os mais excluídos?
-
Como ser “presença samaritana” no cotidiano de sua vida?
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