Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho da festa da Santíssima Trindade (2022 - Ano C).
“A Santíssima Trindade é a melhor comunidade” (CEBS Brasil)
“Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não
sois capazes de as compreender agora” (Jo16,12)
Neste
domingo, a Igreja celebra a Festa da Santíssima Trindade. Parece que celebramos
algo estranho e distante de nossa compreensão. No entanto, a festa da Trindade nos mobiliza para uma nova
maneira de viver e de nos relacionar com o Deus
de Jesus, cuja presença preenche o cosmos, irrompe na nossa vida, habita criativamente
no interior de cada um de nós e é vivido em comunidade.
É preciso deixar claro que o
Mistério da Trindade não é um enigma a ser decifrado, ou seja, como conjugar
três “individualidades”
em uma Unidade, mas é a proclamação de que “tudo
é Relação”. A Trindade não é uma
especulação teórica sobre três pessoas “abstratas” em Deus, mas a maneira de
ser de Deus, como Amor que se
expande, em si e fora de si, de uma maneira “redentora”, inserindo-se na
história da humanidade.
Assim, a Trindade não é uma
simples verdade para crer, mas a base de nossa experiência cristã. O dogma
trinitário quer expressar o mistério da Vida mesma de Deus que nos é
comunicada.
Foi a
experiência cristã da ação salvadora de Deus por meio de Jesus Cristo e no
Espírito Santo que deu existência à doutrina trinitária.
Deus não é
solidão, mas comunhão perfeita, pois “Deus é Amor”. Eis aí a grande revelação
que Jesus nos trouxe: a essência de Deus é Amor em estado puro. Então, Deus não
poderia fazer outra coisa senão amar. De fato, o amor não existe se não for
movimento, reciprocidade, dom, acolhida, relação e comunhão.
Não podemos
definir Deus. Só podemos nos aproximar da essência de Deus afirmando que Ele é
relação, comunidade, partilha, comunicação, intercâmbio, comunhão....
Santo Agostinho afirmou que no Amor
se encontram três realidades: o Amante, o Amado e o
mesmo Amor.
“Deus é Amor”, circulação eterna e
infinita de amor, na qual o Amante, o Amado e o Amor se relacionam tão
intensamente até “transbordar-se” na criação do universo. A Criação é
transbordamento do Amor trinitário e o ser humano é “morada” das Três Pessoas
Santíssimas.
A Trindade evoca um Deus cuja
essência é caracterizada por um movimento eterno em direção a nós, em um amor
redentor.
Somente na
medida em que formos capazes de amor,
poderemos conhecer o Deus comunidade, ou seja, comunhão de Pessoas.
Esta é a
essência do Evangelho. A melhor notícia que um ser humano podia receber é que
Deus não o afasta de seu Amor. A Trindade nos ensina que só vivemos quando com-vivemos.
A Bíblia
nos fala de um Deus amor; amor pessoal, porque ama a cada um de nós; amor
total, universal, que não exclui ninguém; amor preferencial, porque se inclina
para o frágil; amor comunitário, porque em si mesmo não está só, senão que é
comunidade e gera comunidade entre os seres humanos.
Deus
é Amor e só amor. Percebemos, então que, incompreensível não é Deus, mas nossa resistente e
limitada capacidade de contemplar com profundidade essa Presença que se manifesta,
permanentemente, em nossa vida e na Criação inteira.
Deus nos fez amor para o mútuo encontro, para a
doação, para a comunhão...
Fomos criados “à imagem e semelhança” do Deus Trindade,
comunhão de Pessoas (Pai-Filho-Espírito Santo). Quanto mais unidos somos, por causa do amor que circula entre nós, mais nos
parecemos com o Deus Trindade. “Se nos amarmos uns aos outros,
Deus permanece em nós e o seu Amor em nós é perfeito” (1Jo. 4,12)
Deus colocou em nossos corações impulsos naturais que nos
levam em direção ao convívio, à cooperação, à acolhida, à solidariedade... “Só corações solidários
adoram um Deus Trinitário”.
Aqui está a
grandeza e a dignidade do ser humano, criado à imagem e semelhança do Deus
Trindade. E é fácil intuir isso: sempre que sentimos o dinamismo de amar e
ser amados, sempre que sabemos acolher e buscamos ser acolhidos, quando
compartilhamos uma amizade que nos faz crescer, quando sabemos doar e receber
vida..., estamos saboreando e visibilizando o “amor trinitário” de Deus. Esse
amor que brota em nós tem n’Ele sua fonte.
O
amor intra-trinitário não é um amor excludente, um “amor egoísta” entre três. É
amor em excesso que se difunde e se expande em todas as criaturas. Por isso,
quem vive o amor inspirado pela Trindade, aprende a amar a quem não lhe pode
corresponder, sabe doar sem esperar recompensa, sente uma grande paixão pelos
mais pobres e pequenos, é capaz de entregar sua vida para construir um mundo
mais amável e digno.
Por
outro lado, quem é incapaz de dar e receber amor, quem não sabe compartilhar
nem dialogar, quem só escuta a si mesmo, quem resiste relacionar-se com os
outros, quem só busca seu próprio interesse, quem só deseja o poder, a
competição e o triunfo, não pode experimentar nada da Trindade amorosa.
O ser humano não é feito para viver só; ele é chamado a viver em comunhão com todas as pessoas;
Como homem e como
mulher trazemos esta força interior que nos faz “sair de nós mesmos” e
criar laços, construir fraternidade, fortalecer a comunhão.
Fomos feitos para o encontro e a comunicação.
Não fomos criados para viver sós; necessitamos con-viver, viver-com-os-outros,
encontrar-nos; é essencial descobrir o sentido e a vivência do encontro relacional com os outros, na
vida familiar, na fraternidade, na sensibilidade social para com o diferente e
o excluído.
O sentido da vida em
comum com os outros é um dom de
Deus; afinal, fomos criados à imagem do Deus “encontro intra-trinitário”.
A fraternidade, a
vida em comum se mede pelo amor, por
atos e gestos de doação, por vivências de comunhão, por experiências de
partilha do mesmo ser, da mesma vida, da entrega mútua gratuita...
O amor é olhar
o outro
com olhos tão limpos, bondosos, desinteressados, tão profundos... que só desejo
que o outro seja o que é...
Alegro-me de vê-lo assim, tal como é...
O dogma da
Trindade, portanto, não só nos revela como Deus é para nós; é também
revelação de quem somos nós, ou seja, portadores do impulso relacional
que se manifesta na nossa capacidade de amar.
Se Deus é
relacionamento amoroso perfeito e nós somos criados à sua imagem e semelhança,
então a doutrina da Trindade está preocupada com a nossa vida também. Somos
convidados pela graça divina a entrar neste fluxo de relação que define o
próprio ser de Deus.
O Deus de Jesus não é uma verdade para pensar, mas uma Presença
a ser vivida. Não é uma ideia para quebrar nossa cabeça, mas a base e
fundamento de nossa vida.
Uma profunda vivência da mensagem
cristã será sempre uma aproximação ao mistério Trinitário.
Será, em definitiva, a busca de um
encontro vivo com Deus. Não se trata de demonstrar a existência da luz, mas de
abrir os olhos para vê-la. O verdadeiramente importante foi sempre a
necessidade de viver essa presença do Deus, comunhão de
Pessoas, no interior de cada ser humano.
Jesus, o Mistério de Deus feito carne no Profeta da Galileia, é o melhor e único ponto de partida para reavivar uma fé simples no Deus Comunidade de Pessoas.
Texto bíblico: Jo 16,12-15
Na
oração:
A Trindade não é
hóspede; é a essência do ser humano; o modo de viver de uma pessoa é revelador
de quem habita seu interior; uma pessoa compassiva, aberta, acolhedora... é
sinal de que é habitada pela Trindade amorosa.
- Quem perde o
caminho de sua interioridade, distancia-se da Trindade que é Vida e passa a
viver a cultura da morte, deixando transparecer o ódio, a violência, o
preconceito, a injustiça... como modo petrificado de ser.
- Qual é a Presença
que determina sua vida: a Trindade Santa ou os dinamismos diabólicos (forças
que dividem)?
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