Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 4º. Domingo da Páscoa (2022 - Ano C).
“As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem” (Jo 10,27)
A imagem do
Bom Pastor está carregada de simbolismos interessantes, embora não tenha
tanto impacto no contexto urbano em que vivemos, onde os valores da igualdade e
democracia parecem estar em contradição com a imagem de rebanho conduzida por
um Pastor. No entanto, para muitos, as imagens do “cercadinho” e a do “gado
manipulado” parece não causar tanta estranheza.
Jesus não
foi, nem quis que os seus seguidores fossem “ovelhas e cordeirinhos” submetidos
aos controles de seus pastores, nem obrigados a cumprir normas e costumes
impostos por aqueles que se dizem responsáveis pelo rebanho.
Rebanho não é anulação das identidades,
nem uniformidade no modo de pensar, agir e ser. Cada pessoa é diferente, única,
com experiências, expectativas, medos, ansiedades, desejos, fortalezas e
fraquezas, com seu ritmo e modo próprios de viver.
“Também nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem ao Evangelho o melhor possível no meio de seus limites e podem desenvolver seu próprio discernimento diante de situações onde se rompem todos os esquemas. Somos chamados a formar as consciências, mas não pretender substitui-las” (Papa Francisco - Amoris Laetitia).
Jesus, no ministério do seu pastoreio, ensina e atua com “autoridade”,
e não como os escribas e fariseus. Ele revela o dom de ativar a autonomia em
cada pessoa, de devolver-lhe sua dignidade, de remetê-la a si mesma, de
ajudá-la a se conectar com seu ser profundo, com aquilo que é mais divino no
seu próprio interior. Pastoreio que possibilita cada um viver em plenitude
consigo mesmo.
Jesus é Pastor porque não impõe
nenhuma doutrina nem complica a vida das pessoas com a carga da lei; Ele é
Pastor porque, ao contemplar os rostos das pessoas, vê, no interior delas,
ricas possibilidades humanas, ainda latentes; Sua presença inspiradora faz
emergir o melhor e mais humano que há no coração de suas “ovelhas”, reconstruindo
a humanidade ferida e abrindo sentido para sua existência.
O “divino pastoreio” significa trazer para fora ou extrair a verdade da pessoa (sua identidade), para que ela consiga ter uma visão ampla de si mesma e realizar-se da melhor maneira possível, ativando suas potencialidades, dons e recursos.
Nesse sentido, o pastoreio de Jesus não tinha
nada a ver com poder que se impõe, nem liderança que arrasta, nem controle das
consciências. Suas palavras e suas atitudes ativavam a vida; elas despertavam
tudo o que estava atrofiado e adormecido no ser humano. Aqueles que escutavam
sua voz sentiam que havia algo de vida eterna, que alimentava e dava sentido à
própria existência.
As palavras do Bom Pastor
transmitiam uma sensação de pureza às pessoas, pois elas passavam a se sentir
em harmonia consigo mesmas e conectadas com a nova vida que brotava do interior.
Jesus não só transmitia um novo
ensinamento, senão que criava uma relação nova com o povo e de uns com outros,
segundo o espírito do Reino. Nesse ministério do pastoreio, a palavra de
Jesus manifestava-se cordial, terna, calorosa, pois tocava o coração das
pessoas; ela se revelava criadora de futuro ao transformar por dentro a pessoa
que a acolhia.
Jesus mesmo mostrava-se como a “Voz” do Pai que se expressava em palavras de vida e que o movia a se aproximar de todas as pessoas, revelando-lhes a dignidade infinita que cada um carregava dentro de si.
Essa era a mais nobre missão de Jesus como Pastor: ensinar
os homens e as mulheres para que fossem eles(elas) mesmos(as) em liberdade,
para que descobrissem e ativassem a verdade por dentro, sua verdade fontal,
para que todos se guiassem e se ajudassem e, assim, fossem e vivessem em
plenitude.
Com sua Voz instigante e mobilizadora, Jesus foi
semeando humanidade, despertando o amor criativo, que se fazia vida
naqueles(as) que o escutavam e acolhiam sua palavra.
Assim, o “divino pastoreio”
evoca a verdade do ser humano, comporta uma pro-vocação, uma proposta que o
move a potencializar ao máximo seus recursos internos, revelando aquilo que ele
é capaz.
Deixar-se conduzir pela “Voz
do Bom Pastor” significa uma autêntica experiência e que tem efeitos
explosivos: é novidade que surpreende e às vezes assusta, cria novas
expectativas e solicitações, traz mobilização, pede mudança dos costumes e dos
velhos estilos de vida, realimenta a liberdade criativa, leva adiante o
equilíbrio de cada um em direção a horizontes imprevisíveis, abre uma nova fase
de vida...
Aos olhos do Pastor da Galileia nada é mais perigoso para o espírito humano do que vidas satisfeitas, acomodadas, sem desejos, sem o dinamismo das esperas e o desassossego das buscas; corações quietos, indolentes, medrosos, sem iniciativa, sensatamente contentes com aquilo que são e têm, conduzem à morte.
Pelo contrário, como as vidas são
repletas de razões, criatividade, entusiasmo e vitalidade quando se inspiram no
modo de ser e viver do Bom Pastor!
Por isso, Sua Voz merece ser “escutada” para que ela tenha ressonância no nosso próprio interior e inspire o nosso modo de ser e viver.
Inspirado(a)
e identificado(a) com o Bom Pastor, todo(a) seguidor(a) se reveste desse “ministério
do pastoreio”. Nesse sentido podemos afirmar: “como
seguidores(as) do Bom Pastor, todo somos pastores(as) e exercemos esse
ministério o tempo todo”.
Tudo começa
com a escuta; por sua vez, só escuta quem se encontra numa atitude de busca.
Quem crê estar em posse da verdade, deixa de buscar; blindado a qualquer
questionamento, permanece instalado na “zona de conforto” de sua comodidade.
A pessoa
que entra em sintonia com a Voz do Divino Mestre, começa escutando. A escuta
requer uma disposição de abertura inicial, que implica flexibilidade para
permitir inclusive que as convicções prévias possam ser removidas. A escuta revela seus próprios
segredos para quem sabe desnudar-se nela.
Quando, aquilo que “escutamos”, encontra eco em nosso interior, reconhecemos estar em contato com nosso eu verdadeiro e em profunda “sintonia” com a pessoa que nos fala. Isto é o que acontecia com os seguidores de Jesus e o que continua acontecendo conosco quando lemos o evangelho: ao perceber que a palavra de Jesus “lê” nosso interior, nós a reconhecemos como própria e “comungamos” com sua pessoa, na unidade de vida que transcende o tempo e o espaço.
É preciso, então, educar
os ouvidos para aprender a escutar, escutar-se, e assim poder dialogar.
“Escutar”, do
termo latino “auscultare”, implica atenção e concentração para entender e poder
ajudar.
Consequentemente, escutar as palavras e os gestos, os silêncios, as dores e raivas, os gritos de insegurança e de medo; escutar os tímidos e os sem voz, escutar os gemidos de Deus na dor dos pobres e sofredores; escutar o que se diz e o que se cala e como se diz e por que se cala; escutar também as ações, a vida, que com frequência negam o que se proclama nos discursos. Muitos desfazem com seus pés o que buscam construir com suas palavras.
Texto bíblico: Jo. 10,27-30
Na oração:
Dar o maior e mais amplo espaço possível ao Pastor interior e
deixar-se conduzir por Ele em todas as circunstâncias, em todo tempo e situações
da vida. Ele o(a) conhece como ninguém e como ninguém faz emergir tudo aquilo
que o Pai colocou em seu coração como criatividade, imaginação, intuição...
- “Ex-ponha-se” diante d’Ele, deixe ressoar Sua Voz em seu interior;
deixe-se transbordar, surpreender pela presença d’Aquele que mobiliza seus melhores
recursos.
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