Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 12º Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“Vamos para a outra margem!” (Mc 4,35)
O
evangelho deste domingo fala de movimento, de deslocamento em direção a outras
perspectivas, de saída dos próprios espaços de proteção e segurança, para
acolher outras vidas, outras histórias, abrir-se ao novo, ao diferente. Que
significa, para cada um, a outra margem? Desde logo, não há
resposta padrão; ela é muito pessoal, como é pessoal a adesão à pessoa de
Jesus. Convite pessoal e comunitário, de relação amistosa profunda, para
encontrar n’Ele nossa segurança e, assim, continuar a vida com mais inspiração.
É
uma grande riqueza ir às margens de nossos irmãos, não como turista, mas como
peregrinos.
Jesus convida a todos nós a cruzar o mar em direção à
outra margem. Estamos tão acostumados em nossa margem rotineira que não é fácil
arriscar e fazer a travessia; nem sequer estamos convencidos de que exista
outra Margem, mais além das comodidades e das seguranças que buscamos. No
entanto, nossa meta está do outro lado do risco e do perigo. A falta de
confiança continua sendo a causa de não nos atrevermos a dar o passo;
resistimos acreditar que Ele vai em nossa própria barca.
“A nossa fé não é uma fé laboratório, mas uma fé caminho, uma fé histórica. Deus se revelou como história, não como um compendio de verdades abstratas... Não é preciso levar a fronteira à casa, mas viver em fronteira e ser audazes” (Papa Francisco).
Entrar na barca com o Mestre significa “embarcar” na vida
d’Ele, correndo riscos de sofrer rejeições, abalos e tempestades.
O contexto social pós-moderno desencadeou uma complexa
turbulência em todos os domínios da vida, gerando novos desafios para a
adaptação do ser humano a seu ambiente. As pessoas sentem-se cada vez mais
ameaçadas, por realidades externas e internas, a sensação de insegurança
aumenta e torna-se mais indefinida; por conseguinte, os níveis de ansiedade e
angústia são cada vez mais elevados, conduzindo a verdadeiras situações de
ruptura e desespero.
Reforçam-se e
elevam-se os gradeamentos, mudam-se e sofisticam-se as fechaduras, as pessoas
armam-se, as sociedades ficam cada dia menos seguras e estáveis. É um círculo
dramático e infernal cujo resultado é o desenvolvimento crescente de uma
espiral de medo, de violência, de stress..., tornando as pessoas insensíveis,
passivas e conformadas.
É com esta situação que temos de aprender a lidar e a conviver. De fato, a pressão rotineira vivida cotidianamente nos diferentes ambientes demanda uma enorme competência e uma capacidade de adaptação diante de situações altamente adversas, agressivas e até violentas.
Como
seguidores(as) de Jesus que bebemos das fontes do Evangelho, duas são as “margens”
que nos seduzem, nos mobilizam e nos fazem chegar onde outros não chegam ou encontram
dificuldades para chegar; estas duas “margens” constituem a originalidade de
nossa vivência cristã e de nossa missão no mundo de hoje: a “margem” da interioridade
e a “margem” da universalidade. São “margens” que nos humanizam,
pois nos mobilizam a “descer” em direção àquilo que é mais humano,
em nós e na realidade que nos interpela.
Em primeiro lugar, “passar para a outra margem” nos evoca o chamado a assumir um deslocamento social e religioso que tem um componente de risco e mudança. Implica sair do conhecido, abandonar as próprias seguranças; mudar de lugar, geográfico e/ou existencial, ir aonde ainda não temos ido e enfrentar uma travessia incerta; e, por último, atrever-nos a entrar em contato com o diferente e desconhecido e aceitar ser transformados. Esse desafio hoje nos sacode e pode gerar em nós inquietude e desassossego, como a tormenta que ameaça os discípulos depois de entrarem na barca.
Precisamos
também fazer a travessia em direção à outra margem de nós mesmos, aquela que
não costumamos visitar. Descobrir nosso tesouro escondido: a quantidade de
qualidades e recursos que ativamos com mediocridade, ou simplesmente não
usamos. Porque,
se nos níveis mental e emocional tendemos a nos instalar, no mais profundo, no
entanto, nos habita o desejo do “mais”, que nos impulsiona, a partir de dentro,
numa expansão aberta a horizontes cada vez maiores.
A
“outra margem” é a novidade do presente, a descoberta incessante, a amplitude
sem limites. Mas só poderemos começar a cruzá-la se estivermos dispostos a
deixar nossos caminhos trilhados e nos entregarmos com docilidade à Vida –
outro nome de nosso “mestre interior”.
O primeiro desejo de chegar à outra margem nasce de dentro, do coração, que entende sua missão como busca e peregrinação interior, como um colocar-se em movimento...
Sair da margem conhecida, “velha”, rotineira...
para encontrar a nova margem: lugar de relação, de questionamento, de criatividade, de encontro com o
novo e diferente…
A outra margem, lugar
provocador, incitador, que desperta curiosidade... Aqui brotam as grandes experiências religiosas, as intuições, projetos,
ideais
vitais.
Caminhar para a
outra margem é sair do centro, da segurança, da acomodação... e ir em busca das
surpresas, das novas descobertas; implica arriscar,
ter ousadia,
não ter medo de caminhar para os “confins
da terra”, para regiões
desconhecidas em seu próprio interior...
Precisamos, para isso, ativar nossa “inteligência espiritual”, como a capacidade que nos permite acessar e conectar com essa dimensão profunda, à qual nos referimos com o termo “espiritualidade”.
Aderir
à pessoa de Jesus, portanto, é arriscar-nos à travessia do mar da vida; não
estamos sozinhos; talvez nos encontramos perdidos em alto mar esperando resgate
e não somos capazes de perceber que no interior de nossa barca há uma presença
que nos pacifica. Ao chegarmos à outra margem descobriremos uma experiência pessoal
e comunitária de fé na pessoa de Jesus, que nos ressuscita por dentro, que nos
injeta vida nova e alegria profunda.
No entanto, é na vivência da adversidade
que se dá o encontro das oportunidades para o crescimento.
Muitas vezes, são justamente as circunstâncias
adversas, extremamente difíceis, que despertam na pessoa as condições mais
criativas, que enriquecem suas possibilidades práticas de atuar sobre a
realidade em que vive e transformá-la ou transformar-se.
Isto quer dizer que, diante da adversidade, a pessoa mobiliza um conjunto de recursos dos quais não tinha consciência anterior, mas cujo efeito é potencializador de crescimento e enriquecimento pessoal.
Texto bíblico: Mc 4,35-41
Na oração:
Nas nossas vidas acontece algo de
verdadeiro e belo quando nos dispomos a buscar dentro de nós mesmos a razão da nossa existência.
- A nossa vida é um êxodo, um sair constante de uma
realidade para entrar em uma outra
realidade nova.
O peregrinar é o elemento determinante e com maior valor
simbólico para toda a vida.
- Existem
ainda céus por explorar, aventuras por empreender, pensamentos por
experimentar e experiências por aceitar; falta-nos ainda muito por saber, por ver, por sentir, por desfrutar...
- No “mapa espiritual” de nosso interior ainda existe uma “terra desconhecida”, que desperta interesse à vida, suscita curiosidade, nos põe a caminho... Grandes surpresas interiores estão à nossa espera, e a capacidade de continuar buscando é que dá sentido ao esforço e vigor à vida.
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