Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 4º Domingo da Quaresma (2021).
“Quem age conforme a verdade aproxima-se da luz” (Jo 3,21)
A estas alturas da Quaresma já é tempo para
termos um encontro mais profundo com Jesus, mesmo que seja de noite; para
deixar-nos transformar pelo seu Espírito e começar a “nascer de novo”; para ir
mudando nossa imagem “pesada e deformada” de Deus e descobrir que o Deus de
nossa fé é puro Amor, comprometido com a salvação do mundo, que não quer que se
perca nenhum de seus filhos(as).
O contexto do Evangelho deste domingo é a
conversa noturna de Jesus com Nicodemos, uma autoridade religiosa, membro do
Sinédrio. Nicodemos representante da religião judaica, Jesus portador de
vida.
Nicodemos representa todos aqueles
que, nos seus corações, há uma insatisfação e uma busca; são muitos os que
buscam de noite, embora de dia aparentam outra coisa; são muitos os que, no
silêncio da noite, buscam a verdade de Deus e de si mesmos. São muitos aqueles
aos quais Deus os escuta na noite, mas para anunciar-lhes a novidade de novos
amanheceres no Espírito.
Nicodemos é um desses crentes
anônimos e noturnos, em cujo coração já está atuando a graça. Ele recebe, pela
primeira vez, o anúncio de um rosto diferente de Deus; não de um Deus que
castiga, mas de um Deus que ama; não um rosto de um Deus que condena, mas de um
Deus que salva.
Jesus o convida a sair da escravidão da Lei e lhe anuncia a necessidade de “nascer de novo”; anuncia-lhe um novo princípio vital que não é precisamente o que procede da Lei, mas que procede do Espírito; revela-lhe não o Deus da Lei, mas o Deus do amor exagerado. Um amor que é capaz de enviar ao mundo seu próprio Filho; um amor que terá sua máxima expressão no alto da Cruz; um amor que não julga e nem condena; um amor tão amplo que abarca o mundo inteiro; e um chamado a viver na luz da fé e não na obscuridade da Lei.
A partir do relato,
narrado em Números, no qual Moisés eleva uma serpente de bronze sobre um
madeiro para que os israelitas se curassem ao olhá-la, Jesus recorda ao mestre
fariseu a verdade mais absoluta: que Deus nos ama até extremos inconcebíveis,
que deseja que todos tenhamos vida eterna, ou seja, vida definitiva, plena,
feliz... Deus nos ama de tal maneira que chega até o limite, até a encarnação,
até entregar-se a nós em seu Filho Unigênito.
Em Jesus Cristo, fica claro, de uma vez para
sempre, que Deus é do mundo e o mundo é de Deus; fica claro também a
universalidade do amor salvífico de Deus, pois Ele abre todas as fronteiras
para se revelar como o Deus de todos os seres humanos. Isso faz cair por terra
toda intolerância religiosa, todo preconceito e todo ódio. Nosso tempo pede
que, frente aos conflitos e violências entre culturas e religiões, só há um
remédio: o diálogo intercultural e
inter-religioso, fundado no diálogo de Deus com toda a humanidade.
Apaixonados por Deus, nos apaixonamos pelo mundo
que, em sua diversidade, riqueza, simplicidade, profundidade, fragilidade, sabedoria...
nos fala do novo rosto do Deus que buscamos com desvelo. E amando e
investigando tudo o que é do mundo, adoramos o Deus que habita tudo e tudo
salva.
Na conduta de Jesus se faz presente
a Verdade de Deus que é amor e realiza sua verdade amando, curando,
impulsionando os seres humanos para que cheguem à sua plena realização. Nessa
conduta de Jesus a humanidade encontra sua vocação.
Precisamos de algumas
certezas; buscamos algo sólido sobre o qual fundamentar nossa vida. Hoje,
quando tudo parece discutível, nós nos perguntamos por aquilo que pode ser
definitivo. Fala-se muito da verdade; é uma busca humana, mas muito
delicada. Existem aqueles que, em nome da verdade, excluem, odeiam, insultam,
julgam... Há outros que se fazem “donos” da verdade: dogmáticos, fanáticos...
Mas, na realidade, devemos ser muito humildes na maneira de nos aproximar dela.
E, no entanto, buscamos sem cessar, até descobrir algumas verdades essenciais
que dão sentido à nossa existência.
O
ser humano busca a verdade; antes que “ter” verdade, ele quer “ser
verdade”. Jesus afirma: “eu sou a verdade”, e não “eu tenho a verdade” (poderia
fechá-lo diante da verdade do outro, caindo no fundamentalismo). O importante
não é ter a verdade, mas ser verdadeiro, transparente. A pessoa
verdadeira pode entrar em consonância com a verdade do outro. Jesus é
verdadeiro, revela o que é mais nobre em seu coração, não usa máscara, é pura
transparência do rosto do Pai.
“Andar na verdade” é identificá-la com o caminho mesmo da vida humana. A verdade não está na ciência abstrata, nem nas teorias puramente racionais, nem nos sistemas fechados... A verdade é a vida humana, como extensão da mesma vida de Deus. “Agir conforme a verdade” significa dizer que “nós somos a verdade”, não contra alguém, mas a favor de todos. Nós somos a verdade, os que caminhamos e vivemos no amor, sabendo que em nossa vida se expressa a Vida e da Verdade do Deus Pai.
“Agir
conforme a verdade nos aproxima da luz”: significa ir tecendo dia-a-dia a existência
conforme o que é coerente com o nosso ser essencial, no mais profundo de nós
mesmos: uma vida na verdade, uma vida iluminada. Assusta-nos conhecer tal como
somos. Sentimo-nos incomodados quando a luz penetra em nossa vida e nos
des-vela. Preferimos, muitas vezes, continuar cegos, alimentando novos enganos
e ilusões.
Pode parecer estranho, mas o certo é que somos
capazes de viver longos anos sem ter a mínima ideia daquilo que está
acontecendo em nosso interior. Podemos continuar vivendo, dia após dia, sem
desejar ver o que é que, na verdade, move nossa vida e quem é que, dentro de
nós, fundamenta nossas decisões.
Cada dia é tempo que nos convida a despertar e abrir os corações, escutar o
Espírito e pôr-se a caminho, enquanto “a luz da vida” nos ilumina.
Despertar é simplesmente abrir nossos olhos
à Luz que provém de Deus e confiar que tal luz transforme nossa maneira de ser
e de viver; é preciso deixar que esta luz ilumine nossas sombras interiores,
des-velando e trazendo à tona nossas aspirações e esperanças mais duradouras.
Abrir os olhos à luz de Deus e escutar atônitos, fascinados, a voz divina que
cada dia ressoa em nosso interior.
Trata-se de estar despertos para
assumir a vida com uma consciência lúcida. O amor, a inspiração, a vida, nos
movem por dentro. Tudo o que esperamos, já temos dentro de nós. Um dinamismo
misterioso nos abre e nos atrai, nos impulsiona a ser, a viver. Basta
“destravar” este impulso e nos deixarmos conduzir.
Por isso, o sinal decisivo de que
alguém crê no Deus de Jesus está na vida que leva; ou seja, está na
experiência de viver como viveu Jesus de Nazaré. Isso quer dizer que o sinal de
que uma pessoa encontrou o Deus é quando ela se deixa invadir pelo humano e é
sensível a toda expressão de vida; ela
“aproxima-se
da luz”
quando de verdade se
relaciona com os outros como Jesus se relacionou, sente o
que Jesus sentiu, vive o que Jesus viveu...
Texto bíblico: Jo 3,14-21
Na oração:
Podemos “viver de modo eterno” vivendo as experiências que são
eternas: amar,
perdoar, ajudar, compreender, aceitar, consolar, dialogar...
Podemos
falar de uma plenitude de vida, que com toda verdade, pode-se chamar “vida eterna”, porque
transcende os limites deste mundo. Quem
não encontra a Deus “nesta”
vida, não o encontrará jamais.
- Dê graças a Deus por tantas vidas, por fazer parte de um mar de vida, que às vezes é tormentoso, e outras, pacífico, mas sempre incrivelmente belo.
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