Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 3º Domingo da Quaresma (2021).
“Mas Jesus estava falando do Templo do seu corpo”. (Jo 2,21
O evangelista João, no relato da expulsão dos
“vendilhões do Templo”, revela que os conflitos maiores vividos por Jesus se
deram no campo religioso; e isso esteve presente já no início de sua vida
pública. Com seu gesto Jesus atinge o centro do poder religioso; Ele
arremessa diretamente contra o Templo, pois este deixou de ser espaço de
encontro com o Pai e passou a ser um local de comércio explorador.
O Templo já não é mais a morada de Deus, pois Ele
foi desalojado pelo poder sacerdotal; por isso, Jesus expulsa seus
representantes. O Templo, o sacerdócio, a lei, já não são
mais mediadores de libertação para o ser humano. Estão aí, secos e estéreis, e
não estão a serviço da vida, mas da exclusão.
Jesus rejeitou o Templo e suas
instituições por serem improdutivos e manipuladores; Ele pôs em evidência que a
relação com Deus não necessita
intermediários, como o Templo e o sacerdócio, e a relação entre as pessoas é
relação de encontro e comunhão.
Por isso, Jesus não propõe sua restauração, mas seu término. Em lugar do Templo, Ele colocou o ser humano no centro, e diz “não” a uma religião fundada na Lei e no culto externo; rompe com todo o ritualismo e legalismo anterior e oferece uma alternativa encarnada na vida. Deus é adorado em “espírito e em verdade” e não depende de “espaços sagrados” para manifestar sua presença providente.
Os fariseus e sacerdotes queriam um Deus e um céu
que não se contaminassem com os deserdados desta terra; queriam um Templo como
lugar de pureza e de perfeição, legitimado por uma ordem que se constrói sobre
o sofrimento e a exclusão. Eles não queriam um Templo que fosse a casa dos
impuros, dos abatidos e excluídos, dos encurvados e oprimidos, dos leprosos,
cegos e coxos...
A partir de agora, o encontro com o
Pai e com os outros não se realiza no Templo, mas fora, nas casas abertas, nas
ruas e estradas, onde todos têm acesso e a partilha criativa possibilita que
todos tenham vida.
A mesa de Jesus, fora do
Templo, estava aberta a todos. Ele não inicia uma nova religião, não cria um
novo sacerdócio, não restaura o templo. O templo agora são as próprias pessoas
que estão acima da lei e do culto.
Todos estão implicados nessa nova maneira de viver e de se relacionar com o Pai, superando o medo do castigo e confiando uns nos outros.
Segundo o evangelista João, Jesus começa sua vida
pública denunciando o “deus” apresentado
pelos dirigentes religiosos do Templo e em quem eles buscavam a justificação de
seus poderes.
Tal denúncia desestabilizou o sistema religioso
sobre o qual a instituição sacerdotal se sustentava.
Por isso,
Jesus compreendeu que, para mudar o comportamento dos dirigentes do Templo, a primeira
coisa a fazer era desmontar o “ídolo” que legitimava o poder autoritário
daqueles que oprimiam o povo indefeso. No fundo, o que preocupava Jesus era o
problema de “Deus”; e Deus não era como os dirigentes imaginavam e que
estava de acordo com seus critérios e sua posição social.
Deus era tão desconcertante como desconcertante era aquele Nazareno que eles tinham diante de si. Jesus transcende todas as religiões quando propõe uma maneira nova dos seres humanos se relacionarem com o Transcendente e entre si, onde não se faz necessário nem sacerdotes, nem templo, nem culto. O “ser humano” é agora o centro desse culto, que consiste na entrega e no serviço aos outros. Não é mais a Lei que impera, mas o amor; não é condenação que tem mais força, mas a acolhida e a compaixão.
A fé é a que faz vencer o
medo diante de qualquer tentativa de domínio ou manipulação, e a solidariedade
é a que possibilita que a vida se multiplique.
O Deus que Jesus revela não é propriedade de nenhuma religião ou sacerdócio e ninguém pode reduzi-Lo a uma verdade única, porque Ele se revela no amor mútuo e na entrega da própria vida.
“Mas
Ele falava do templo de seu corpo”. Este é o verdadeiro Templo de Deus: o próprio “corpo” de Jesus, o Seu e o de todos os
homens e mulheres que vem a Ele se unir e constituir um só “corpo de amor e
solidariedade”. Este é o Templo, o “corpo messiânico”, o corpo da vida
solidária de homens e mulheres que se escutam e se ajudam, se amam e se animam
mutuamente. Jesus veio estabelecer um Templo Novo, pois Ele é o verdadeiro
construtor, é o autêntico edificador de humanidade. Agora não é preciso
sacrificar animais e dar seu sangue a Deus; não precisa de dinheiro ou banco
para criar novos negócios e viver da exploração dos outros... Jesus quer
humanidade e com sua própria humanidade vai construir o Templo Novo.
Surgiu um novo Templo, nosso próprio corpo, “morada sagrada” da Trindade. Costumamos distinguir entre sagrado e profano. Dentro do templo está o “sagrado”: Deus e as realidades que se relacionam com Ele. Fora do templo está o “profano”, identificado muitas vezes não só como o que não é sagrado, mas como o que se opõe ao sagrado. Curiosamente, a última página da Bíblia afirma que na Jerusalém celeste “não se vê nenhum templo” (Ap 21,22). Alguém poderia chegar à absurda conclusão que no céu não há lugar para Deus, porque não há templo.
Será esta imagem do futuro uma
crítica do presente, ou seja, uma separação entre lugares onde pensamos que
está Deus e lugares onde pensamos que Ele não está?
Quê acontece na terra, este espaço nosso no qual há tantos templos? Acaso Deus precisa deles, porque foi expulso dos lugares “profanos”? Não será, talvez, porque não O reconhecemos nesses lugares? Deus está em todos os lugares, sua presença providente envolve tudo e todos.
Para nós
cristãos, o Templo está em Jesus e em todo ser humano que é morada do seu
Espírito. Esse é o lugar do verdadeiro culto, que não se expressa em ritos
vazios, mas em “fazer memória” viva de Jesus que nos impulsiona a viver como
Ele. Essa é a verdadeira espiritualidade: deixar-nos conduzir pelo Espírito, no
grande “templo da vida”: lugar do verdadeiro culto que se faz visível no
serviço oblativo e na compaixão solidária.
Estamos
nos despertando para esta realidade: hoje, os “templos” estão cada vez mais
vazios; o máximo que fazemos é admirar as grandes obras de arte de um passado
glorioso. Mas, ao mesmo tempo, vamos amadurecendo a consciência de que os
templos são nossos corpos, os de
nossos irmãos e irmãs que sofrem fugindo da violência e buscando um lar, os
corpos dos “sem teto”, os corpos das vítimas do tráfego de pessoas, os corpos
das pessoas exploradas por uma “economia que mata”... O templo é hoje a terra,
explorada e espoliada, colocando em risco a teia de relações vitais.
Não se trata de restaurar o “templo-espaço”
com todas as suas implicações, mas de voltar às origens desse “movimento
itinerante” que Jesus começou pelas aldeias da Galileia, onde um pequeno grupo,
entusiasmado pelo Reino, reuniam-se nas casas e partilhavam pão e vida. O
movimento de Jesus é um movimento de “casas”: lugar da acolhida, do encontro,
da festa, da celebração...
Seremos nós, seguidores(as) de Jesus que deveremos recordar que o “templo” não é um edifício de pedra, mas a vida inspirada pelo Espírito, em meio a um contexto social e religioso que faz da “casa do Pai uma casa de comércio”; que o verdadeiro culto que agrada a Deus é nossa relação filial com Ele, e que isso tem consequências concretas no modo como nos relacionamos com os outros. Em sintonia com o Pai, estamos mergulhados no “sagrado”, porque a vida é sagrada.
Texto bíblico: Jo 2,13-25
Na oração:
- Você sente o “pulsar” do coração de Deus nas realidades
mais cotidianas: ambiente familiar, trabalho, relações, oração, descanso...?
- Diante da “cultura de morte”, como viver a “cultura do encontro”, a verdadeira “religião” de Jesus?
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