Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o relato da "Entrada de Jesus em Jerusalém" - Domingo de Ramos
“Quando se aproximaram de Jerusalém na
altura de Betfagé e de Betânia, junto ao monte das Oliveiras... (Mc 11,1)
Galileia foi a primeira decisão
importante que Jesus tomou no início de sua vida pública.
Ele
viu claramente que o melhor lugar onde Ele poderia e deveria comunicar
sua mensagem era, precisamente fazer-se presente nos povoados, nas pequenas
vilas, nos campos e à beira-mar, lugares habitados por humildes camponeses e
pescadores, pessoas pobres e marginalizadas, doentes e excluídas.
O fato é que Jesus, para realizar sua missão como
Messias, não se dirigiu à capital, Jerusalém, nem à importante província da
Judeia. Para comunicar
uma “boa notícia” à sociedade de seu tempo, não buscou conquistar para si os
notáveis e as classes abastadas, nem procurou os postos de privilégios, nem o favor
dos mais influentes e, muito menos, os que detinham o poder e o dinheiro nos
grandes centros urbanos.
No entanto, Jesus, presença de vida nos povoados, vilas e campos, quis também levar vida a uma cidade que carregava forças de morte em seu interior. Ele quis pôr o coração de Deus no coração da grande cidade; desejava re-criar, no coração da capital, o ícone da nova Jerusalém, a cidade cheia de humanidade e comunhão, o lugar da justiça e fraternidade...
A
situação pandêmica do Covid 19 que estamos vivendo fez emergir a situação
camuflada de um distanciamento humano. O isolamento sanitário e a decretação de
“lockdown” em muitas cidades pôs às claras esta dura realidade: já levamos anos
praticando o distanciamento político, a polarização religiosa, o enfrentamento
de extremos, a separação ideológica, a distância como meio para nos fechar em
nossas posições fanáticas, preconceituosas e intolerantes, o esvaziamento do
diálogo... Uma voz surda sempre esteve presente: devemos nos separar dos
outros, daqueles que pensam diferente, sentem diferente, vivem diferente,
assumem posições e opções diferentes...
Não podemos deixar que a atual crise sanitária acentue
mais ainda os diferentes distanciamentos que estavam escondidos, mas que agora
vieram à tona com mais força. As nossas cidades estão se revelando, cada vez
com mais intensidade, como espaço de grandes rupturas e violências, lugar de
exclusão e isolamento, visibilização de uma desumanização trágica.
Também os muros estão voltando à moda. Há em todo ser humano uma tendência a cercar-se de muros, a encastelar-se, a criar uma rede de proteção. Os muros, no interior das cidades, são muito concretos: muros sociais, religiosos, políticos, culturais... Com tantos muros é impossível construir pontes de diálogo e reconciliação.
A
vivência do seguimento de Jesus Cristo implica romper a bolha que asfixia a
vida e derrubar os muros que cercam o coração, atrofiando a própria existência.
Somos
chamados a uma pertença pessoal cada vez mais ampla, até sentir-nos parte da
“Jerusalém” que sonhamos. Precisamos de fronteiras, sim, mas que sejam
fronteiras abertas ao diálogo, flexíveis, fluidas, acolhedoras do diferente...
Esta
capacidade humana de dialogar com o outro diferente, quebrar distâncias e
deixar que a própria vida seja questionada pelo outro é a qualidade maior
daqueles que alargam suas fronteiras e não se deixam dominar pelo medo e pelo
preconceito.
O diálogo com todos é verdadeiramente o
único modo para superar os desafios que temos diante da diversidade de ideias,
visões, modos de ser e viver.... Quando
nos encontramos, nos revelamos como pessoas vivas que tem imaginação,
criatividade, sonhos..., e isso nos faz crescer e viver um humanismo mais
aberto.
As pessoas e os povos de todos os tempos e lugares trazem, como que enraizados nas fendas mais profundas de sua alma, sonhos de rara beleza. São desejos de construção de uma nova Jerusalém, a cidade humanizada, ou seja, espaço da acolhida, da convivência, do diálogo aberto, da fraternidade e dos encontros... Era certamente nessa direção que Jesus apontava, ao se dirigir a Jerusalém como a cidade das esperanças e possibilidades.
Não
nos sobram muitas outras oportunidades de transformar este sonho em realidade.
Vivemos na distância, necessária no momento, mas não façamos dela nosso estilo
de vida; não devemos convertê-la em meio que determine o que somos. Somos chamados
a ser algo mais que compartimentos estanques e seguros, isolados. Podemos ser
“praça comum” de encontro e diálogo, de mãos estendidas e ouvidos atentos para
dar forma a isso que tanto precisamos: sentir-nos próximos uns dos outros.
Podemos recordar o constante convite de Jesus a
provocar encontros e diálogos que ajudem a integrar, a
re-unir, a re-ligar, a articular o tecido comunitário. Há tantas vidas
esparramadas, isoladas, rejeitadas..., esperando por sinergia. Na verdade, Ele
provocou as pessoas a saírem de seu isolamento e padrões alienados de
relacionamento para expandir-se em direção a uma nova forma relacional com tudo
o que existe; tal relação é a concretização do sonho do “Reino de
Deus”.
Nossa vocação é a de construir pontes e ser presença reconciliadora em situações de fronteira, colocando nossas energias, nossa formação, nossa vida a serviço... para criar, alimentar e sustentar os laços humanos, relações sociais, estruturas sociais, políticas e econômicas que tornem possível o diálogo, a solidariedade e o encontro entre todos os seres humanos e aponte para uma nova cidade, fraterna e justa.
Esta
é a dura contradição que estamos vivendo: se estar separados fisicamente de
nossos seres queridos e vizinhos é o mais eficaz para combater a pandemia,
precisamos, então, buscar outras expressões de proximidade para que essa
distância não se converta em ecossistema e modo de vida. A distância sanitária
não pode servir de cortina de fumaça para reforçar as distâncias sociais e
religiosas, no interior dos grandes centros urbanos.
Isso pede de todos nós uma atitude de
abertura e de deslocamento frente ao outro, o que implica colocar-nos em seu
lugar, deixar-nos questionar e desinstalar por ele... Importa, pois,
re-descobrir com urgência o encontro
dialogal como valor ético e como hábito permanente de vida.
Somos chamados a viver o diálogo como um estilo de vida, fundado
no modo
de viver de Jesus.
O diálogo,
que nos faz sair de nós mesmos, nasce da compaixão e nos leva a reconhecer no outro uma dignidade e uma capacidade criativa
para superar toda divisão e conflito
A paixão pelo Reino nos mobiliza a levar
adiante a missão, a ir aos lugares
onde há mais necessidade e ali realizar obras duradouras de maior proveito e
fruto.
O(a) discípulo(a)
missionário(a) não é aquele(a) que, por medo, se distancia de sua cidade,
mas é aquele(a) que, movido(a) por uma radical
paixão, desce ao coração da realidade em que se encontra, aí se encarna e
aí revela os traços da velada
presença do Inefável; a cidade já não é percebida como ameaça ou como
objeto de domínio, mas como dom pelo qual Deus mesmo se faz encontrar. A
cidade não é lugar da exploração e da depredação, mas é o lugar da receptividade, da oferenda e do diálogo inspirador.
Texto bíblico: Mc 11,1-10
Na
oração:
O
gesto profético de Jesus de “entrar em Jerusalém” nos convida
a contemplar nossas cidades e nos desafia ser presença evangélica,
transformadora, portadora de vida nos nossos grandes centros urbanos.
A
cidade é o lugar por excelência do discernimento, porque é o espaço de
decisão onde se constrói o futuro comum. Lugar da política, da cultura, da educação, da saúde... onde se forjam as mudanças, a capacidade de criar novos
modos de existir, de romper com as
estruturas que desumanizam e buscar o diferente, o novo, o desconhecido...
*
Como ser portador de Boa Notícia nas grandes cidades?
*
Como ser sinal de comunhão e do Amor misericordioso do Deus da Vida?
* Como transformar a vida das grandes cidades?
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