Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 23º Domingo do Tempo Comum (Ano A).
“Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo, mas em particular, a sós contigo!” (Mt 18,15)
Como pessoas, somos seres sociais, comunitários.
Todas as dimensões de nossa existência são vividas socialmente: família, povo,
Igreja, comunidades, associações, partidos políticos, etc... Desde o nascimento
até à morte, somos para e com os demais.
Saber se relacionar com os outros é uma
necessidade fundamental da pessoa humana; esta, revela sua maturidade e se
realiza humanamente quando se abre às relações interpessoais e descobre o
prazer de conviver.
Jesus veio restabelecer um novo
tipo de relações, e nos motiva a colocá-las em prática e estendê-las em
todos os nossos encontros.
A vida de relação também ocupa o
centro da comunidade cristã, que é pensada e vivida como mistério de comunhão e
de missão, fundada na relação com Deus, comunhão de Pessoas e fundamento de
nossa fraternidade. Tal fundamento dá vida e equilíbrio às realidades
comunitárias, onde a atenção recíproca ajuda a superar a solidão, a comunicação
favorece a corresponsabilidade, o perdão cicatriza as feridas e cada pessoa é
motivada a sair de si para viver o compromisso com o outro.
Cremos no “Deus dos laços”, das
conexões e das relações criativas. Deus, já desde o princípio, faz resplandecer
seu rosto trinitário na expressão “façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança”. Ele deixou sua pegada de amor
recíproco e compartilhado em cada ser humano.
Por isso, para curar na raiz os males que provocam as falsas relações e as forças desagregadoras, temos de aprender do Deus trinitário o segredo de um amor oblativo, de um esvaziamento recíproco de nossos egos, a fim de que nossos laços fraternais também sejam alimentados por um amor expansivo.
O evangelho deste domingo é um texto significativamente
comunitário.
Mateus emprega, pela primeira vez aqui, o termo “irmão”, para fazer referência às pessoas que faziam parte da
comunidade cristã, e mostra costumes que, seguramente, faziam parte da
organização e do modo de vida das primeiras comunidades.
O relato reflete, a partir da memória destas
comunidades ‘mateanas’, a importância que o cuidado das relações interpessoais tinha
para aqueles(as) que professavam a fé em Jesus Cristo. Por isso, o evangelista
põe na boca de Jesus o que conhecemos como correção
fraterna, o perdão e a oração em comum.
O ponto central do relato (a
correção fraterna) é “ganhar” o irmão. Jesus buscou salvar sempre o que estava
perdido. A finalidade de sua vida não foi a de condenar ou castigar, mas
“ganhar” o irmão, encontrar a ovelha perdida, acolher o filho perdido, receber
no Reino o bom ladrão.
Isto nos recorda a necessidade do diálogo e da compaixão em nossas relações humanas. Relações que são, em definitiva, o eixo principal de nossa vida comunitária e eclesial. De nada servem as reuniões, celebrações ou projetos que realizamos se não cuidamos, concretamente, da relação com os outros, com as irmãs e irmãos que o Senhor nos presenteou como companheiros(as) de caminho.
Jesus, com suas palavras, mostra mais uma vez
compreensão e firmeza, sensatez e liberdade. A correção fraterna, em qualquer grupo, se torna difícil. Talvez seja
uma das atitudes que mais nos custa viver com maturidade. Mas, a correção se
torna simples quando brota do carinho e da humildade, quando está permeada pelo
amor e pela misericórdia. Afinal, somos humanos e todos cometemos equívocos em
algum momento da vida. Esta correção busca, a partir do coração, não humilhar,
mas sustentar o(a) irmão(a) nas dificuldades.
E isto é assim porque lhe mostra o mal que fez
para que possa crescer e ser melhor pessoa.
A “correção fraterna” é
gesto humilde que não humilha, porque é discreto e silencioso. A correção
fraterna “não faz ruído”; por isso Jesus convida a corrigir a sós com o ofensor
e só em último caso, recorrer à comunidade.
Corrigir com amor não significa pôr
o(a) outro(a) de joelhos para que reconheça as suas faltas; a correção nasce de
um coração “educado” pela Misericórdia divina e se manifesta externamente
com uma atitude mansa e condescendente. Esse Amor é uma força poderosa, não se
rende diante do mal, porque é sempre capaz de redescobrir o bem ou de salvar a intenção do outro, de ativar novamente nele a esperança...
A correção fraterna é mais um estilo de vida que um ato ligado a uma transgressão. É um modo de pôr-se diante do outro e de sua fraqueza, mas que não se realiza exclusivamente depois da queda; antes, pode às vezes impedir essa queda porque é um estilo de bondade, compreensão, magnanimidade, estilo de quem não presta atenção ao que o outro merece nem se escandaliza com sua miséria. "Devemos corrigir como pecadores(as)”, não como “justos(as)”.
O cristianismo é tão revolucionário que exige do ser humano não apenas a grandeza de compreender e desculpar o ofensor, mas a capacidade de amá-lo.
Corrigir é ter esperança naquele
que ofende, acreditar em sua humanidade, oculta sob a sua fragilidade.
O ser humano é muito mais
que um ato falho ou uma decisão equivocada. É reconhecer sua liberdade de ser,
de abrir uma nova possibilidade para sua vida e de reiniciar-se a si mesmo.
A pessoa misericordiosa
salva e redime só enquanto ama: quer o bem do(a) outro(a) e se entristece com
seu mal, sente o dever de fazer alguma coisa por ele(a). Trata-se da motivação
mais nobre e verdadeira de sentir-se responsável pelo(a) outro(a).
Sua correção é fundamentalmente uma mensagem de estima e confiança no(a) outro(a), crer na sua amabilidade. Quem corrige está convencido de que o(a) irmão(ã) é melhor que aquilo que aparenta ser. Por isso, a correção é aquela energia escondida nas palavras de Jesus:
“Vai e não peques mais”. Força que realiza aquilo que diz.
No momento da correção fraterna, que é um momento de parto e de libertação, dá-se ao(à) outro(a) o direito de “ser um outro”, não o(a) aprisionando numa única possibilidade de ação e de decisão errada. Tal correção é muito mais uma atitude de vida que pede um olhar mais amplo sobre o(a) outro(a), contemplá-lo (a) a partir de outra perspectiva. É enxergar no(a) outro(a) não o mal que fez, mas sua verdadeira identidade de filho(a) de Deus. Correção expansiva, que abre futuro; faz emergir outros recursos latentes na pessoa; é impulso de vida, pois destrava e coloca a pessoa em movimento, impulsionando-a a ir além de si mesma.
Na realidade, a correção fraterna deve fazer parte de
nossa vida cotidiana, das relações familiares, de amizade, relações comunitárias...
Ela não se restringe a um ato pontual mas deve se tornar um “modo de viver” no
qual a outra pessoa é mais importante para nós que os atos equivocados que
realiza. Por isso, buscamos seu bem, seu crescimento, seu desenvolvimento como
pessoa, a partir do amor verdadeiro.
Bem vivida, a correção é das experiências mais enriquecedoras para ambas pessoas, porque o desafio não é só para aquele(a) que deve acolher a correção, mas também para aquele(a) que a realiza, pois, para este(a) implica maturidade, amor, bondade, liberdade e espírito de discernimento. Igualmente, este(a) deve ter consciência de que todos são “santos(as) e pecadores(as)” e, portanto, todos necessitam de pessoas amigas que as façam ver, com maior claridade, se desviaram do caminho por alguma causa. Como costuma acontecer em tudo o que é humano, quem melhor sabe propor a correção fraterna é quem já a experimentou em sua própria pele e saboreou o bem que isso traz.
Podemos concluir afirmando: fazem parte da
comunidade dos(das) seguidores(as) de Jesus, aqueles(as) que perdoam
e se deixam
perdoar, aqueles(as) que acolhem a mútua correção fraterna. Mas,
aqueles(as) que negam o perdão (dar e receber), acabam se afastando da mesma
comunidade.
Não é a comunidade em si que exclui o “irmão que pecou”, mas é este que se auto-exclui, porque não é capaz de entrar no fluxo do perdão. Aqui aparece a grande novidade: a comunidade cristã é capaz de regular-se e criar comunhão a partir da autoridade do perdão do evangelho. O centro é o perdão, sempre oferecido, acima da lei, como graça fundante.
Texto bíblico: Mt 18,15-20
Na oração:
- Olhar cada uma das pessoas com quem convive. Dar-se conta
daquilo que sente para com cada uma delas, como as trata, como as acolhe...
- Contemplar o outro respeitando-o em seu modo de ser, de agir, de
pensar, de falar, ajudando-o a ser mais humano no seu modo de ser, de pensar,
de viver...
- Observar e descobrir seus valores, suas riquezas, sua originalidade, sua profundidade; lentamente, mas com um olhar sereno e profundo... tentar descobrir “algo mais” presente em cada pessoa com quem convive (família, trabalho, comunidade); vê-la com os olhos do coração: imagem de Deus, amada por Deus, templo do Espírito, presença de Deus no mais profundo de seu ser.