“Não tenhais medo!”(Mt 10,31)
O ser humano amadurece no
confronto entre desejo e medo. Não há medo sem um desejo
escondido e não há desejo que não
traga consigo um medo. O desejo e o medo estão profundamente ligados.
É constitutivo, na natureza
humana, a tendência natural de tentar ultrapassar
o imediato, de arriscar novos
horizontes, de enfrentar perigos, de buscar, de criar, de se aventurar; mas, em
seu interior, está também presente a tendência oposta, ou seja, poupar-se e acautelar-se,
a necessidade inata de evitar o perigo, de se afastar dos obstáculos, de se
acomodar no passado, no conhecido, no que dá segurança...
Há, em todos nós,
um desejo de plenitude e o medo do fracasso. No nosso processo de
crescimento humano, o medo não
superado e o desejo bloqueado vão
gerar frustrações; de outro lado, o medo
superado e o desejo desbloqueado
vão permitir que sejamos mais ousados e criativos.
O evangelho deste domingo nos
revela que Jesus é um profundo conhecedor do coração humano; ele sabe de quê
somos feitos e o que se passa no mais profundo de cada um de nós. Ele conhece
profundamente as inseguranças e os medos que nos habitam.
Por isso, do seu humano coração,
marcado com as fibras da coragem, brota este apelo: “Não
tenhais medo!” Esta expressão está situada no contexto do envio dos
discípulos em missão. Jesus acaba de dizer a seus seguidores que eles serão
perseguidos e encarcerados.
Se Jesus nos
convida a não ter medo, não é porque nos prometa um caminho de rosas. Não se
trata de confiar em que não nos acontecerá nada desagradável, ou, se algo mal
nos acontece, alguém nos livrará do perigo. Trata-se de uma segurança que
permanece intacta em meio às dificuldades, sabendo que os contratempos não podem
atrofiar nosso ser essencial. Deus não é a garantia de que tudo irá bem, mas a
segurança de que Ele estará aí presente, em qualquer situação que estivermos
envolvidos.
O apelo de Jesus também pode ser
aplicado a todas as situações de medo paralisante que podemos encontrar na
vida. Por detrás de numerosos comportamentos destrutivos – o
consumo compulsivo, a dependência, o ódio, o racismo, a intolerância, a
indiferença, a suspeita, a violência, a competição, a exclusão, a prepotência,
o abuso de poder... - se
oculta o medo. O medo continua enchendo nosso planeta de vítimas
anônimas, impedindo que a humanização e a harmonia, nossa vocação última, se
expressem.
No atual momento,
toda a humanidade está atravessada por um terrível medo: a contaminação pelo
convid-19. Mas, os grandes medos não aparecem com frequência; são os
pequenos medos, que surgem dos encontros diários com a realidade, que roubam da
pessoa sua vitalidade e dinamismo. O medo inibe o pensamento, impede a
concentração e é, portanto, muito responsável por se fazer as coisas de modo
medíocre, sem valor, abaixo das possibilidades e contra as próprias
expectativas.
O medo não
é um ato moral nem uma omissão. Sem ser convidado, ele cresce no coração
humano. Em tal atmosfera de medo, a imaginação e todas as energias criativas se
atrofiam.
O medo é um
câncer que ameaça a fé, o amor e a esperança de pessoas e instituições; ele
corrói as fibras humanas, asfixia talentos, esvazia a vida e mata a
criatividade. O medo encolhe o ser humano, inibe a decisão e bloqueia os
movimentos em direção ao “mais”. Sua intensidade pode anular a
capacidade de reação das pessoas ou das instituições; ele impede o
discernimento e a busca da solução mais inteligente para os problemas; longe de
resolvê-los, pode agravá-los a médio e longo prazo.
Enfim, o medo
obscurece o sentido e a direção da vida, tira o brilho tão próprio do amor e
seca as fontes da esperança; ele nos acovarda e nos enterra na acomodação
mesquinha.
No evangelho, que
acabamos de escutar, Jesus faz referência ao medo que pode vir de fora, provocado por aqueles que se fecham e
resistem frente à novidade do anúncio do Reino. Mas, também podemos considerar
o apelo de Jesus – “Não tenhais medo!” – em chave de interioridade; esta expressão se refere
a um acontecimento interior, pois o medo é o inimigo de nosso eu original.
Quando o inimigo é
uma força externa, nem sempre há motivos para alimentar o medo. Mas quando os
inimigos se encontram no nosso próprio interior (traumas, recalques, frustrações,
fracassos...), provocando medos paralisantes, é preciso ter a coragem para
des-velá-los, conhecer a raiz de onde brotam, entrar em diálogo e
reconciliar-nos com tudo aquilo que foi rejeitado e que continua envenenando
nossa vida.
Podemos ser presa
fácil de um medo que foi introjetado
pelas experiências de insegurança e frustração do passado, e que impede
deslanchar todas as nossas potencialidades humanas. Tal medo nos aniquila, pois
mina toda possibilidade de alimentar a fé-confiança em nós mesmos, nos outros,
e sobretudo n’Aquele que nunca provoca medo, com ameaças de inferno,
julgamentos...
No fundo, o medo é
a ignorância com respeito a nós mesmos; vivemos a cultura da superficialidade e
esquecemos o caminho que dá acesso ao nosso coração. Se conhecêssemos nosso
verdadeiro ser, não haveria lugar para o medo, que nos mantém confinados na
prisão de nossa interioridade doentia. Se experimentássemos, por nós mesmos, a
realidade que nos fundamenta, estaríamos sempre tranquilos e em paz.
Uma sadia
interioridade supõe mobilizar o coração para a imprevisível revelação de um
Deus Outro, que faz de nosso ser sua morada. Isso implica adentrar-nos com os pés
descalços, despojando-nos de nosso afã de domínio, de controle, “deixando Deus ser Deus”: amor, mistério, surpresa, desconcerto, noite...
Todos nós já tivemos
a oportunidade de perceber as consequências funestas quando levamos uma vida
dispersa, agitada, ansiosa, evasiva, inquieta...; e, ao contrário, o que
sentimos e saboreamos quando entramos no espaço interior, mesmo que seja por
poucos instantes: a paz do coração, a serenidade prazerosa, a percepção do
sussurro amável, a brisa que nos envolve quando permanecemos submergidos na
certeza de saber que somos amados, sem dependência e nem fragmentação.
Alguns
testemunhos confirmam e dão crédito a esta experiência interior: “Fizeste-nos para ti, e inquieto está nosso coração até que descanse em
ti” (S. Agostinho). “Nada te
perturbe, nada te espante, quem a Deus tem, nada lhe falta, só Deus
basta” (S. Teresa de Jesus)
Sem
a superação cotidiana desse medo, nossa missão estará
comprometida; perderá sua força inovadora, garantida pela novidade do Projeto
de Deus. O compromisso com o Reino requer de todos uma forte dose de coragem
e uma alma ágil, animada e vivificada pelo sabor da aventura e da novidade.
Nada
de medo nesta terra sobre a qual
Jesus pisou e nos corações que Ele visita diariamente.
O
velho medo não vigora onde os olhos
se abrem para a suprema realidade do mundo como criação de Deus, e da vida como
um presente d’Ele.
Vencido
o medo, nós nos tornaremos autênticos(as), criativos(as) e audazes
seguidores(as) de Jesus.
“Quem for
medroso e tímido volte para trás” (Jz 7,3).
Texto
bíblico: Mt
10,26-33
* Jesus conhece a necessidade de intervir
no mais escondido de cada um dos seus discípulos; ali estão alojados os mais
diferentes medos, que minam a força e a coragem do seguimento.
* Dar nomes aos medos pessoais: são
reais? Imaginários?
* Quê desejos alimentam e sustentam
sua vida?
Nenhum comentário:
Postar um comentário