“Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,14)
O evangelho deste domingo é continuação das
bem-aventuranças; estamos no início do primeiro discurso de Jesus, conhecido
como “Sermão da Montanha”. É, portanto, um texto ao qual Mateus quer dar suma
importância. As duas imagens, luz e sal, tem forte impacto na vida do(a)
seguidor(a) de Jesus, pois sua presença no mundo deveria fazer a diferença: iluminar
e dar
sabor.
A mensagem de hoje é muito simples e de grande
valor; efetivamente, todo(a) aquele(a) que alcançou a iluminação, ilumina. Se
uma vela está acesa, necessariamente tem de iluminar. Se colocamos sal no
alimento, este necessariamente ficará temperado. O encontro com Aquele que é a Luz ativa a luz, talvez atrofiada, em
nosso interior.
Quanto mais luz emergir de dentro,
mais brilhante será o mundo em que vivemos.
Sabemos que a luz, por si mesma, é
contagiosa e expansiva; em oposição às trevas,
a luz exalta o que belo e bom, na realidade e nas pessoas. Pelo fato
de ser benfazeja e criadora, ela nos permite dizer com o poeta Thiago de Mello,
no meio de impasses, ameaças e conflitos que pesam sobre nossa vida: “Faz escuro, mas
eu canto”.
Mas, quê
queremos dizer quando aplicamos a uma pessoa humana o conceito de iluminada?
Todos os
grandes líderes espirituais falam de iluminação.
Não é fácil entender o que isso significa. Na realidade, só pode compreender
isso quem faz a experiência de estar iluminado.
Quando as
tradições religiosas falam de iluminação, elas se referem a uma pessoa que
despertou, ou seja, que ativou todas as suas possibilidades de ser humano.
Estamos, então, falando de uma pessoa plenamente humana: aquela que vive uma
interioridade iluminada.
Isto é precisamente o que está nos
dizendo o evangelho de hoje. Dá por suposto que o caminho do seguimento de
Jesus é um “caminho de humanização”, é uma experiência de iluminação; os
discípulos, na convivência com o Iluminado, são despertados, mobilizam seus
recursos iluminantes e tornam-se também iluminados; como consequência, são
capazes de expandir suas luzes e mobilizar a luz escondida nos outros. É inútil
tentar iluminar os outros, estando apagados, adormecidos, paralisados em sua
obscura vida.
Devemos ter cuidado de iluminar, não deslumbrar. Como
é sedutor estar no candeeiro! Há muitos que anseiam estar no candeeiro, mas não
tem luz. Não se trata de “subir” ao candeeiro, mas possibilitar que a luz
interior ilumine a partir dele.
O candeeiro não é para que os outros nos vejam; é
para que a luz de nossas vidas ilumine melhor. O candeeiro não é para que
estejamos mais alto, e sim, para que a luz interior se espalhe mais e desperte
a “faísca de luz”, presente no coração dos outros. “Estar no candeeiro”
significa estar a serviço do outro, pensando no bem dele e não em nossa
vaidade; devemos oferecer o que o outro espera e necessita, não o que nós
queremos lhe oferecer.
Muitas vezes, nós cristãos somos mais
afeiçoados a deslumbrar que a iluminar; temos a tendência a ser presença
iluminante desde que com isso se potencie nosso “ego”. Porque o ego necessita
fazer-se notar e brilhar; não está disposto a consumir-se nem a passar
desapercebido.
Cegamos as pessoas com imposições
excessivas e tornamos inútil a mensagem de Jesus para iluminar a vida real de
cada dia. Quando tiramos alguém de sua obscuridade, devemos dosificar a luz
para não causar dano a seus olhos.
O sal
é um dos minerais mais simples (cloreto de sódio), mas também é um dos mais
imprescindíveis para nossa alimentação. Mas tem muitas outras virtudes que
podem nos ajudar a entender o relato deste domingo. No tempo de Jesus, eram
usados blocos de sal para revestir por dentro os fornos de pão. Com isso, conseguia-se
conservar o calor para o cozimento do pão. Este sal, com o tempo, perdia sua
capacidade térmica e devia ser substituído. Os restos das placas retiradas eram
utilizadas para compactar a terra dos caminhos.
Agora podemos compreender a frase
do evangelho:
“se o sal se tornar insosso, com que
salgaremos? Ele
não servirá para mais nada, senão para
ser jogado fora e ser pisado pelos homens”.
O sal não se torna insosso; o sal
dos fornos sim, pode perder a qualidade de conservar o calor.
A expressão latina “evanuerit”
significa desvirtuar-se, desvanecer-se. A tradução melhor seria assim: se o sal
perde sua qualidade, como poderá recuperar-se. Esse sal “queimado” só serve
para ser jogado nos caminhos e ser pisado pelas pessoas.
Há um aspecto no qual sal e luz coincidem: não
tem utilidade por si mesmos. Se o sal
permanece isolado em um recipiente, não serve para nada; só quando entra em
contato e se dissolve nos alimentos pode dar sabor ao que comemos; para salgar,
o sal precisa desfazer-se, deixar de ser o que era.
Segundo os entendidos na arte culinária, não é o
sal de “dá sabor”; ele realça o sabor de cada alimento. O humilde sal é feito
para os outros, para que os outros sejam eles mesmos.
O mesmo acontece com a luz; se ela permanece fechada e oculta, não pode iluminar ninguém.
Só quando está em meio às trevas pode iluminar e orientar. A luz não é para ser
vista, caso contrário, cega. A lâmpada ou a vela produz luz, mas o azeite ou a
cera se consomem. Imagens que revelam que nossa existência só terá sentido na
medido em que nos consumimos em benefício dos outros. Uma comunidade cristã isolada
do mundo não pode ser sal e nem luz.
Ser sal e luz do mundo nos move a encontrar outras vidas,
outras histórias, outras situações…; escutar outros relatos que trazem muita
luz para a nossa própria vida. Olhar a partir de um horizonte mais amplo, ajuda
a relativizar nossos próprios absolutos e deixar-nos impactar pelos valores
presentes no outro. Escutar de tal maneira que o que ouvimos penetra na nossa
própria vida; isso significa implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com
pessoas, não com etiquetas. Acolher na nossa própria vida outras vidas; abrir
espaços para que as histórias dos excluídos e diferentes encontrem morada nas
nossas entranhas, na nossa memória e no nosso coração.
Ser sal e
luz é dizer sim à vida. Experimentamos isso quando nos submergimos na vida,
quando crescemos nela, buscando, saboreando até o final o que ela nos oferece
em cada circunstância. Nunca alheios à vida, nada desprezando, nada lamentando.
Ser sal e luz não é um programa. É
uma experiência de vida, um modo de estar no mundo a partir da confiança numa
promessa. Enraizados na pessoa e promessa de Jesus, o chamado a ser sal e luz nos
propõe um estilo próprio de vida aberto e expansivo: uma maneira alegre,
pacífica, compassiva, responsável e generosa de se fazer presente neste mundo
onde são centrais o cuidado de todo o vivente e o trabalho em favor da justiça.
O apelo de Jesus nos move a
transformar o que, com frequência, é terra insípida ou deserto inóspito em um
mundo mais humano, com sabor de lar humanizador.
Texto bíblico: Mt 5,13-16
Na
oração:
“Deus
é Luz, e n’Ele não há treva alguma” (1Jo 1,5).
É
preciso buscar esta faísca de luz dentro de nós, no nosso eu mais profundo.
Talvez por isto alguém escreveu: no ser humano há mais coisas dignas de
admiração que de desprezo.
-
Sua relação com os outros: deixa transparecer a luz da compaixão, da acolhida
ao diferente, do cuidado...?
-
Qual é o sabor que sua presença revela na realidade onde você vive? Faz
diferença? Inspira?...
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