“Simeão tomou
o menino nos braços e bendisse a Deus” (Lc 2,28)
Neste ano, o 4º. domingo
do Tempo Comum coincide com 02 de fevereiro, um dia de festa de Jesus e de sua
mãe Maria; festa que é conhecida com vários nomes:
- Apresentação de Jesus no Templo, para ser oferecido a seu Deus; a
humanidade, representada por Maria e José, “presenteiam” a Deus o maior dom que
possuem, seu filho primogênito, a Luz das Nações;
- Purificação da mãe Maria, a quem Simeão revela seu destino sofredor
e ativo de Mãe. Esta é a festa das sete dores que purificam e iluminam, quando
são assumidas a serviço dos outros;
- Festa da Luz, dia das Candeias. Quarenta dias depois do nascimento
de Jesus (fechando o ciclo do Natal), os cristãos (especialmente as mulheres)
iam às igrejas com velas/candeias, dando graças pela vida.
Todos nós sabemos e
experimentamos que o modo de agir Deus é discreto, silencioso. Ele se deixa
encontrar no cotidiano e nas histórias simples. O mundo está cheio de mistérios grandiosos que
cobrimos com a rotina e as pressas. Falta-nos capacidade de assombro e pureza
no olhar para captar o mistério do simples. Quando a realidade é vista tão
somente com os olhos estreitos e interessados, perdemos a oportunidade de
contemplar o rosto d’Aquele que se deixa encontrar em tudo e em todos.
Todo o relato da Apresentação de Jesus no Templo está
atravessado de cotidianidade, com a marca da simplicidade e dos olhares
contemplativos. Aqui se faz visível uma festa de promessas cumpridas.
Simeão e Ana tiveram
o privilégio de contemplar o Salvador, porque souberam esperar e permanecer. E
porque souberam contemplar, viram na vulnerabilidade de um menino, o esperado
de Israel.
Podemos imaginar os
rostos irradiantes e os olhos cheios de luz destes dois anciãos diante do
Menino que lhes abre o futuro e alarga os seus sonhos!...
O Nascimento de Jesus parece
despertar os anciãos: Zacarias, o
idoso que põe em dúvida a promessa de Deus; Isabel, aquela que concebe na velhice; José, aquele que não compreende o que está acontecendo, mas confia
na palavra de Deus; Simeão, o homem
que envelhece com a esperança de ver o Messias antes que a morte feche seus
olhos; Ana, a profetisa, aquela que
dá graças ao Senhor e proclama a todos o nascimento do Messias.
Nos relatos de Lucas,
não são os sacerdotes do templo, nem os mestres da lei, nem os legitimados pela
religião ou pelo poder social que falam ou reconhecem. Falam os pequenos, os
pobres e os simples. Aqueles que não costumam ter palavra – pastores, ilegais,
pagãos – são os que veem mais além, maravilham-se, reconhecem e confessam o
Menino de Belém.
É com eles que devemos
estar, se queremos também reconhecer Jesus.
Alguém poderia perguntar:
por que tantos idosos(as) no Nascimento de Jesus?
Infelizmente, não vivemos
tempos favoráveis aos idosos; considerados “improdutivos” são “descartados”;
para muitos, são só um estorvo.
E, no entanto, são
eles(as) as testemunhas da esperança messiânica, as testemunhas das promessas
do Espírito Santo, as testemunhas do futuro e do novo, as testemunhas da fé, as
testemunhas de um caloroso entardecer da vida. Os anciãos e anciãs são
aqueles(as) que mantém viva a memória de seu povo, mantém viva a continuidade
da história; são eles e elas que sustentam em seus braços o novo que começa; são
eles e elas que esquecem a nostalgia do passado, sorriem e cantam o nascimento
do novo. Mesmo com sua visão limitada, são capazes de ver e reconhecer as surpresas
e as maravilhas de Deus.
Simeão é o ancião que soube esperar. Recebeu a promessa de não
morrer sem ver o Messias. E hoje o vemos com o Menino Jesus em seus braços; ele
sente sua vida realizada, reconhece o sentido de tudo o que viveu e agora pode
soltar-se e abandonar-se em paz; a promessa foi realizada: “viu o Senhor”.
Numa sociedade como a
nossa, em constante tensão pelo “conflito de gerações”, a figura de Simeão
torna-se curiosa e até simpática. Seus braços unem e abraçam o velho e o novo; seus
braços apertam o passado e o presente; seus braços são o encontro entre o ontem
e o hoje; seus braços, estreitando o menino, são a harmonia entre o que se vai
e o que vem.
Simeão não tem nada
e, ao mesmo tempo, tem tudo: tem a promessa que alimentou sua vida de esperança
até o final; tem os braços calorosos para acolher Deus neles e embalá-lo; e tem
a alegria e o prazer de uma ancianidade feliz, realizada e cumprida.
Ao ler-escutar o
Evangelho deste domingo, também somos convidados a nos fixar em uma pessoa que
passa quase desapercebida: Ana, a
profetisa. Ela pode nos ensinar a ser profetas e profetisas dos buscadores da
Vida em um mundo tão desafiante como o nosso, onde, muitas vezes, nos sentimos
pequenos, incapazes, pobres..., mas também afortunados, livres, discípulos e
discípulas d’Aquele que sabe quem somos e por isso nos elege, nos chama, nos
convoca a fazer caminho com Ele.
Ana
revela uma presença muito discreta, no templo; mas está atenta a tudo o que ali
acontece. Ela não faz ruído, passa longas horas em silêncio, sua vida não tem
maior relevância social e religiosa...
Lucas só dedica três
versículos para revelar o perfil de Ana, e neles somos informados que era
“profetisa”, “anciã” e possuidora de um nome significativo: “Ana” vem do verbo
“hanan” que em hebraico significa “agraciar”, “favorecer”, e aparece vinculada
a um passado marcado por nomes benditos: “Fanuel” significa “rosto de Deus” e
“Aser” significa “feliz” ou “afortunado”; mas, o fato de ser viúva desde jovem
a associa irremediavelmente a uma situação de perda, vazio e carência. E aqui,
aparece vinculada ao templo e dedicada assiduamente ao serviço de Deus.
Mas, de uma maneira
imprevista, sua vida deu um grande salto ao aproximar-se de outro ancião, Simeão,
precisamente no momento em que este tinha tomado nos braços um menino, filho de
uns pobres e desconhecidos galileus, chamando-o salvador, luz e glória. Junto
aos pastores de Belém, Ana recebe as primícias da presença de Jesus, e seu nome
de “Agraciada”, que possuía só como promessa, se faz realidade nela; e a partir
desse momento, com todo seu ser reverdecido e os olhos cheios de luzes
(candeias), dava “graças
a
Deus e falava do menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém”.
A liturgia deste domingo
apresenta-se como ocasião privilegiada para nos recordar que a velhice é uma
etapa da vida, com suas limitações e problemas, mas também com suas grandes
possibilidades. Não podemos negar o desgaste e os problemas que o passar dos anos
traz consigo, mas, ao mesmo tempo, inspirados nos idosos Simeão e Ana, somos
motivados a não esquecer que a velhice é a etapa que nos oferece a
possibilidade de coroar nossa vida.
O decisivo é adotar uma
postura aberta e positiva diante da última etapa da vida. “Vivê-la positivamente como a culminação da vida, como a etapa sem a qual a
vida ficaria inacabada, inconclusa” (L. Diez).
Segundo o Papa
Francisco, a pessoa idosa pode viver com mais sabedoria e sensatez, para
relativizar, inclusive com humor, muitas coisas que antes dava tanta
importância; a ancianidade é tempo para recordar (visitar de novo com o
coração) o essencial; o tempo para a quietude e a contemplação; é o tempo para
viver mais devagar, sem pressas, encontrando-se consigo mesmo com mais profundidade;
é o tempo de desfrutar de maneira mais sossegada cada experiência, cada pessoa,
cada encontro.
Frente a uma vida
fragmentada e dispersa, o ancião e a anciã estão em melhores condições de
unificar e integrar sua existência. Esta última etapa da vida se converte em
tempo de graça e salvação pois pode contar sempre com a presença e o auxílio
amoroso d’Aquele que é o Senhor dos tempos.
Texto
bíblico: Lc
2,22-40
Na oração:
Precisamos de homens como Simeão e mulheres
como Ana, da tribo dos que estão reconciliados com sua própria vida; pessoas
com uma presença benevolente e carinhosa para tudo o que lhes rodeia. Com olhos
expandidos por dentro, eles puderam perceber a salvação de um modo muito
diferente do que haviam imaginado.
- O gesto de Simeão nos é proposto
a todos, e todos os dias: bendizer a vida nova nos outros.
- Seu cotidiano, no Templo da vida,
tem a marca do bem-dizer ou do mal-dizer, da gratidão ou da
queixa...?
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