“Vós
admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra” (Lc 21,6)
Estamos
chegando ao final de mais um tempo litúrgico (Tempo Comum); fizemos uma longa
“caminhada contemplativa”, tendo os olhos fixos em Jesus e deixando-nos ensinar
por Ele. Hoje, mais uma vez, ressoa forte em cada um de nós, o apelo de Jesus:
é preciso “sair dos próprios muros”, remover as pedras que
soterram a vida dentro de nós, derrubar as muralhas que cercam
nosso coração.
O contexto é a presença de Jesus no Templo de
Jerusalém e a admiração dos discípulos diante da grandeza e da beleza do
edifício. No entanto, Jerusalém e o Templo traíram sua missão e serão
destruídos pois se fecharam em suas fronteiras, em suas seguranças e não
acolheram a transformação interior que Jesus trouxera. Com toda a sua beleza e
grandiosidade o Templo carrega sinais de morte dentro de si. A destruição do
santuário é para Jesus a consequência do fechamento interior dos seus
habitantes e da recusa em acolher a novidade do Reino. Não só o Templo, mas as
realidades que parecem intocáveis e eternas devem cair para que seja possível a
Nova Jerusalém, humana e humanizadora.
Os
grandes templos costumam ser muito solenes em suas estruturas e em seus muros.
Mas, tanta pedra, com frequência, impede que a vida circule por ali; e também
impedem que os de dentro deixem-se afetar pelo movimento da vida que se faz
visível nos lugares abertos.
A
imagem de um Templo construído com enormes pedras e rodeado de grandes muros é
a expressão de uma religião petrificada, fria e sem a marca da compaixão.
Jesus, o verdadeiro Templo, desmascara toda religião que se fundamenta em
edifícios vistosos, em ritos suntuosos... É só aparência que causa espanto, mas
não se sustenta. Tudo o que se fundamenta na pura exterioridade, cai por si
mesmo.
Certamente, o Templo de Jerusalém era
belo, imponente, sagrado, não só por sua forma externa (grandes e pesadas pedras),
senão por sua função social. Para
os judeus, o templo simbolizava e expressava a presença de Deus, que habitava
no meio do povo. Nesse sentido, aparecia como lugar privilegiado de oração e
purificação. O santuário de Deus garantia, com seu edifício e liturgia
expiatória, a ordem da terra; o Templo era a chave e o sentido da estabilidade
do mundo. Se falhasse o templo, o mundo perderia seu sentido e os homens
ficariam sem chão, sem união com Deus, sem garantias de vida e sobrevivência.
Jesus
vincula a chegada dos tempos finais à ruína e queda desse Templo. Tudo o que parecia
ser sólido e consistente sofrerá abalos e cairá. Só assim poderá dar lugar ao
verdadeiro santuário de Deus; só assim poderá chegar a humanidade reconciliada,
o templo de verdade, que são os homens e mulheres como presença e transparência
de Deus.
Para Jesus, a verdadeira imagem de Deus é o ser
humano. Por isso, Ele entrou em conflito com o Templo onde o judaísmo oficial
havia condensado (e fechado) a sacralidade e a presença de Deus.
É nesse contexto que Jesus afirma
que “não
ficará pedra sobre pedra”.
E não diz por desespero, mas com uma imensa esperança, pois somente a queda do
Templo poderia abrir o caminho para o Reino de Deus, que é a nova humanidade.
A destruição do Templo será o
início de uma nova e mais alta construção humana. Só ali, onde acaba um tipo de
ordem fundado e centrado no templo, pode chegar o Reino de Deus.
A expressão usada por Jesus – “não ficará
pedra sobre pedra” –
des-vela também nossa construção
interior, muitas vezes sustentada sobre as pedras do preconceito e da
intolerância, rodeada de muros que excluem, ambientes frios que alimentam a
cultura da indiferença. Construção centrada na mera aparência, que pode
provocar assombro; no seu interior, vazio.
Deus não se deixa prender nos
templos: “meu
Pai é adorado em espírito e verdade”. O
verdadeiro Tempo é a vida; a
verdadeira religião é aquela que sustenta as relações, reconstrói os vínculos,
acolhe e integra o diferente. Templo vivo que humaniza e é espaço de
humanização.
Na vida, há uma tendência sempre
presente em todos nós: construir muros, elevar grossas paredes...; exteriormente,
parecem belíssimos, mas nos dificultam alimentar as relações interpessoais. São
os muros religiosos, políticos, raciais, sociais... Temos demasiados muros e
paredes que nos impedem viver a cultura do encontro. São paredes que nos impedem
ver a luz da verdade também presente nos outros; paredes que nos atrofiam e não
nos deixam sentir afetados pelos sinais que cada dia Deus nos envia através dos
acontecimentos da vida.
Corremos
o risco de viver em mundos-bolha; podemos construir nossa vida encapsulada em
espaços feitos de hábito e segurança, convivendo com pessoas semelhantes a nós
e dentro de situações estáveis.
É
difícil romper e sair do terreno conhecido, deixar o convencional. Tudo parece
conspirar para que nos mantenhamos dentro dos limites politicamente corretos.
Todos podemos terminar estabelecendo fronteiras vitais, sociais e religiosas
impermeáveis ao diferente. Se isso acontece, acabamos tendo perspectivas
pequenas, visões atrofiadas e horizontes limitados, ignorando um mundo amplo,
complexo e cheio de surpresas. Muitas vezes “vemos” o diferente, mas só como
notícia, como o olhar do espectador que sabe das “coisas que acontecem”, mas
não sente e nem se compadece por elas.
Por isso, o maior perigo é buscar segurança
numa patologia religiosa: emoção petrificada, conceitos e pré-conceitos
petrificados, imagem de Deus petrificada, atitudes petrificadas, religião
petrificada (legalismo, moralismo, perfeccionismo...). Somos submetidos ao
grande risco de ficarmos imobilizados, emparedados em nosso corpo, murados em
nossos pensamentos, em nosso coração e em nosso espírito.
Um coração petrificado se
expressa numa atitude de intolerância e insensibilidade frente aos outros.
Normalmente, a petrificação
interior é sempre recheada de devocionismos externos, repetitivos, de moralismos
estéreis... O legalismo intransigente e inflexível desemboca no orgulho e na
vaidade, levando a pessoa a assumir o lugar de Deus, fazendo-se juiz dos
outros.
S. Cura d’Ars dizia que
“os
santos têm o coração líquido”;
ou seja, ser santo
é ser flexível, manso, não petrificado, sensível... O ser humano, na sua
essência, é um ser fluído. Resgatar
em nós a “fluidez do ser” é reencontrar nosso ser em movimento, nosso
ser em marcha. O fluído está sempre
em movimento.
Ao falar de fluidez pensamos na qualidade cristalina e poderosa da água viva
que brota do nosso “eu profundo”. Aceitar, com fluidez, cada momento, é
deixar nossa vida deslizar como um rio, acolhendo as surpresas do percurso.
Seremos mais fluídos, mais “líquidos”, à medida que
substituirmos o medo pela confiança, pela abertura, pela não-resistência, pela
descontração, pelo amor oblativo...; para vencer a rigidez devemos ter mais
ternura e humor em relação a nós mesmos e aos outros.
A rigidez só é boa na pedra, não no
ser humano.
Texto bíblico: Lc
21,5-19
Na
oração:
É
importante ir descobrindo em nossa vida que a experiência de fé deve estar
atravessada pelo serviço incondicio-nal aos outros; é assim que vamos sentindo
a presença de Deus em nossa existência e é assim que vamos construindo o
verdadeiro Templo de Deus, que não se identifica com edificações ostentosas,
mas com a comunidade de seguidores(as) de Jesus, inspirando-se na sua Palavra e
no seu modo de viver.
-
Situações de sua vida em que se sente “emparedado”, “petrificado”, “rígido”...,
atrofiando o fluir da vida.
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