“...pois todos
vivem para Ele” (Lc 38)
Estamos
nos aproximando do final do ano litúrgico. Finalmente, depois de um longo
percurso contemplativo e fazendo caminho com Jesus, chegamos a Jerusalém. Lucas
já narrou a entrada solene na cidade e a purificação do Templo. Continua a
polêmica e os conflitos com os dirigentes religiosos.
Os
saduceus, que tinham seu suporte
junto ao templo, entram em cena. Formado pela aristocracia laica e sacerdotal,
eles constituíam a elite econômica, social e religiosa da sociedade judaica nos
tempos de Jesus. Eram colaboracionistas dos romanos, uma estratégia para não
colocar em risco seus interesses. Só admitiam o Pentateuco como livro sagrado e
não acreditavam na ressurreição. Por isso, um grupo deles se aproxima de Jesus,
ironizando precisamente sobre o tema da ressurreição, apresentando um absurdo
caso hipotético de vários irmãos que, sucessivamente e de acordo com a lei do
levirato, casam-se com a mesma mulher.
Jesus,
porém, não responde diretamente à pergunta absurda. Como bom pedagogo,
aproveita a ocasião e responde, sim, àquilo que deviam ter perguntado. Jesus
sempre foi muito sóbrio ao falar da vida nova depois da ressurreição. No
entanto, quando este grupo de aristocratas ridiculariza a fé na ressurreição
dos mortos, Jesus reage elevando a questão ao seu verdadeiro nível e fazendo
afirmações básicas.
Antes de mais nada, Jesus rejeita a
ideia infantil dos saduceus que imaginavam a vida dos ressuscitados como
prolongamento desta vida que agora conhecemos. É um erro representar a
vida ressuscitada por Deus a partir de nossas experiências atuais.
Jesus tira sua própria conclusão,
fazendo uma afirmação decisiva para nossa fé: “Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos, pois todos vivem
para Ele”. E a
ressurreição não é, como supõem os saduceus, um retorno ao passado. Pelo
contrário, é a entrada em uma outra vida. Ressuscitar não é voltar a ser
como antes, é voltar a ser como depois.
Por ser “Deus dos vivos”, a
experiência da ressurreição consiste numa Nova Criação. Deus é fonte inesgotável
de Vida e acolhe a todos em seu amor
de Pai-Mãe. Nesse sentido, há uma diferença radical entre nossa vida terrestre
e essa vida plena, sustentada pelo Amor criativo de Deus, depois da morte. É
Vida absolutamente “nova”, que deve ser esperada, mas nunca descrita ou explicada.
As relações interpessoais não serão uma cópia do modo de ser desta vida. A Ressurreição é uma “novidade” que está
além de toda e qualquer experiência terrestre e que é antecipada e preparada na
maneira de “viver intensamente” esta vida.
Nós
somos destinados, portanto, não à morte, mas à Vida e essa Vida já começou. Não temos Vida, somos Vida! Experimentamos
que somos Vida. Vida mais além desta vida, e não meramente “vida depois”, nem
sequer “vida perdurável”, mas vida transformada no seio da Vida que se faz vida
em nós. Vivemos no fluxo da única Vida que vive em nós. Nessa Vida repousamos,
surpreendidos e maravilhados por aquilo que Ela realiza em e através de tudo o
que existe.
Somos
visibilizações da Vida, envolvidos, sustentados e inspirados por Ela. Somos a
Vida, ou mais precisamente, Ela é em
nós. E a Vida é uma contínua celebração de si mesma. É o Divino em nós que
ativa todas as possibilidades de nossa vida, conduzindo-nos ao seio da única
Vida.
Por isso, crer no Deus que é Vida, revela
uma forma de viver e implica ser militante em favor da vida, frente a uma
cultura de morte e violência. E crer na vida é rebelar-se contra todos os
poderes que a asfixiam, fazer-se presente junto às vidas rejeitadas, ser
humilde fermento que levanta e transforma as vidas caídas, abrir o coração e os
olhos para apalpar a Vida em todas as mãos e pés feridos daqueles que são
vítimas da “cultura do descarte”: os imigrantes expulsos, os índios despojados
de suas terras, as mulheres marginalizadas, as crianças e idosos abandonados...
Com
frequência, muitas pessoas que creem, estabelecem uma separação entre Deus e
a vida; ou seja, para elas, Deus e vida são realidades
dissociadas e, sobretudo, contrapostas.
São
muitos aqueles que veem na vida, com seus males, seus sofrimentos e suas
contradições, a grande dificuldade para acreditar que existe um Deus
infinitamente bom e misericordioso.
E,
em sentido contrário, outros veem em Deus o grande obstáculo para viver,
desenvolver e desfrutar a vida em toda sua plenitude; pois o Deus que lhes é
anunciado é o Deus que manda, proíbe, ameaça e castiga.
Tem-se a impressão que, para viver a vida
com todas as suas possibilidades e suas riquezas, é preciso prescindir de Deus.
Na
realidade, o que acontece é que, em Nome de Deus, muitas vezes as religiões
reprimem tudo aquilo que na vida significa dinamismos, impulsos, forças...,
enfim, tudo aquilo que o ser humano mais deseja e necessita: ser feliz, viver
com segurança, com dignidade, respeitado em seus direitos, acolhido em suas
diferenças, com a possibilidade real e concreta de viver prazerosamente.
Com isso, a religião e a vida
entram em conflito, porque a religião complica a vida de muitas pessoas que
levam a sério sua experiência de Deus. E a vida, com seus dinamismos,
seus direitos e seus instintos mais básicos, é vista, pelos responsáveis pela
religião, como um perigo para fazer uma experiência de Deus.
Somos culpabilizados até que nos
sintamos como seres miseráveis que só merecem a eterna condenação.
Todos
sabemos, e experimentamos, as consequências funestas desta confrontação entre Deus
e a vida: a centralidade
do sacrifício e da renúncia, a repressão dos instintos da vida, a violência
contra os dinamismos da sexualidade, a agressão a tudo o que se refere ao
prazer e à alegria de viver...
No
entanto, o Evangelho deixa muito claro que a mediação entre os seres humanos e
Deus é a vida, não a religião. A religião é uma expressão
fundamental da vida e deve estar sempre a seu serviço.
Nesse
sentido, a religião é aceitável só na medida em que serve para potenciar
e dignificar a vida, inclusive o prazer e a alegria de viver. Quando a
religião é vivida de maneira a agredir à vida e à dignidade das pessoas, ela se
desnaturaliza e se desumaniza, e acaba sendo uma ofensa ao Deus da vida
revelado por Jesus.
De fato, para Jesus, o primeiro é a
vida e não a religião. Ele colocou a religião onde deve estar: a serviço
da vida, para dignificá-la. Ele tomou partido da vida, contra aqueles
que, a partir da religião, cometiam todo tipo de agressão contra a vida.
Jesus sempre se deixou conduzir
pelo Espírito do Senhor para aliviar o sofrimento humano, levar a Boa Nova aos
pobres, devolver a vista aos cegos, dar a liberdade aos presos e oprimidos, dar
vida àqueles que tinham a vida massacrada ou diminuída, devolver a
dignidade da vida àqueles que eram encurvados pelo peso da opressão e do
legalismo.
Isto significa que a espiritualidade
cristã, apresentada pelo Evangelho, funde a causa de Deus com a
causa da vida; os cristãos encontram a Deus somente na medida em que
defendem, respeitam e dignificam a vida. Nesse sentido, a vida tem a dimensão do milagre e até na
morte anuncia o início de algo novo; ela carrega no seu interior o destino da
ressurreição.
Texto bíblico: Lc 20,27-38
Na oração:
A
maior perda da vida é o que “resseca” dentro de nós enquanto vivemos: sonhos,
criatividade, intuição.
A
vida não é uma realidade estática, nem um momento congelado ou
petrificado. Cada dia é única e nela vamos construindo uma história
irrepetível, percorrendo um caminho em direção à Vida plena: ressurreição.
- Quando vou começar
a viver como ressuscitado? Há na vida muitas coisas – pequenas ou imensas – que vão morrendo e
nascendo de novo, diferentes, melhores, reconciliadas...
- Que sinais de
ressurreição vou vislumbrando no meu cotidiano?
- Sou militante em
favor da vida, ou alimento a cultura da morte: julgamentos, intolerância,
preconceitos...?
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