“Vinde, benditos de meu Pai!” (Mt 25,34)
Todos somos criaturas procedentes das entranhas
d’Aquele que é Plenitude e Presença. Filhos e filhas de Deus, gerados pelos
nossos pais, desde toda a Eternidade estamos em seu pensamento e em seu
coração; daí nosso desejo de eternidade.
Na Eternidade não há passado nem futuro, só Presente, aqui e agora.
Ao nascer, começamos a existir, mas já estávamos
na mente e no coração de Deus; existir é ser no tempo; ao morrer, deixamos de
existir, mas não deixamos de ser. Usando uma expressão poética podemos dizer
que “somos suspiros de amor de Deus” e, tal como as ondas do
mar que beijam a praia e retornam ao oceano que as constitui, assim nós também
retornaremos à nossa Fonte original; seremos “aspirados” para dentro do coração
oceânico do Deus Pai/Mãe.
Isso celebramos cada 2 de novembro: a esperança
de que aqueles que morreram, já vivem ressuscitados para a Vida de Deus. No “Dia de Finados”, nós cristãos re-cordamos
(visitamos de novo com o coração), na oração e no afeto, aqueles(as) que amamos
e que já deixaram este mundo. Apesar de sua ausência física, pela fé sabemos
que a morte não tem nunca a última palavra. De fato, a morte é a passagem para
a Vida, para sempre; a Vida que não terá fim, pois nosso Deus não é Deus de
mortos, mas de vivos. Porque para Deus, todos vivem.
Celebrar e recordar os falecidos a cada 02 de
novembro e cada dia na eucaristia nos anima a viver a fé na Ressurreição e nos
encher de esperança.
A experiência cristã da morte parte
de uma revelação básica: Deus não quer a morte, mas a vida, a vida plena para
toda pessoa humana. “Tu perdoas a todos, porque são teus, Senhor, amigo da vida” (Sab. 11,26). Somos convidados à
confiança em Deus, renunciando toda pretensão de querer controlar nossa
existência; somos movidos a reconhecer que os momentos cruciais de nossa vida
foram “dom de Deus”, mais que planificada construção nossa.
Morrer é o processo pelo qual nos
“reintegramos” na Vida que sempre fomos.
Somos
viventes mortais e honramos os nossos mortos, aqueles cuja recordação ainda nos
afeta. Mas todos os mortos, grandes e pequenos, santos e pecadores, são nossos,
somos de todos eles, pois a mesma vida nos une na morte, e a mesma morte nos
une na vida. O que eles(elas) foram na vida agora faz parte do que somos, e
nossa vida deve restaurar e completar o que eles não alcançaram viver. Nisso
consiste honrar os mortos: em dar culto à vida, em cultivá-la, cuidá-la,
curá-la neles e em nós.
Celebrar
o dia de Finados é um ato de justiça
para com os mortos. Os mortos também têm direitos e é bom que se reconheça
isso. Vivemos uma cultura que extingue o passado, obscurece o futuro e fica
preso a um presente emocional vazio. Os mortos têm direito a que lhes
agradeçamos sua vida e a marca original que nos deixaram.
Celebrar
e recordar aqueles que nos precederam é negar à morte a última palavra, é
afirmar que a Vida é a palavra
definitiva; recordar aqueles com os quais convivemos nos faz viver a partir das
raízes humanas, ancorados em nossa existência cotidiana.
Não querer
ver a morte de frente, ignorá-la, apagá-la de nossa vida, fazê-la invisível...,
é perder humanidade, é um auto-engano sobre a condição humana frágil, banaliza-se
a mesma vida que acaba não valendo nada. Quando a morte é “consumida”
diariamente nos noticiários, só se ativam emotividades instantâneas que não
levam a nada, ou a uma resignação estéril diante do que acontece.
Pensamos que
a morte é o contrário da vida e essa lógica é falsa. A vida é como uma moeda
que tem duas faces: uma é o nascimento, a outra é a morte. Entre as duas faces
está a moeda, que é o importante. É a vida que devemos dar valor, não seus
limites.
Diante da
necessidade inata de recordar nossos antepassados devemos aproveitá-la para
encontrar segurança e sentido em nosso próprio mundo. A consciência de que
somos o que somos, graças aos seres humanos que nos precederam, é uma realidade
inspiradora para o nosso viver. Recordar os nossos familiares falecidos e
agradecer-lhes o que fizeram por nós nos ajudará a fazer o mesmo por aqueles
que caminham conosco.
Entrar em
sintonia com os seres queridos que morreram nos impulsiona a viver com maior
intensidade a vida que ainda temos nas nossas mãos. Todo o humano que eles nos
transmitiram devemos potenciá-lo em nós para que o mundo vá se humanizando.
Pelos mortos já não podemos fazer nada, mas sua recordação nos impulsiona para
aqueles que vivem junto a nós. O maior elogio que se pode dizer de um ser
humano é
que, quando
partiu, deixou o mundo um pouquinho melhor que quando chegou a ele.
O grande
teólogo Karl Rahner entendia a morte em chave de generosidade. Morrer,
escreveu ele, é “dar lugar” aos que virão depois, é nosso último exercício de
amor, responsabilidade e humildade. É, inclusive, nosso derradeiro exercício de
liberdade.
Precisamos
morrer, não só para que outros vivam, abrindo, com nossa morte, um espaço para
eles, mas também para que valorizemos a vida como presente recebido, que vamos
legando aos que vem, constituindo, assim, uma corrente de vida sempre mais
expansiva.
Todos morremos, mas há mortes e mortes. Na
cultura da “pós-moderna líquida” a morte se apresenta como termo,
ruptura e aniquilação. Somente os que não viveram seriamente, os que esbanjaram
sua vida em caprichos e superficialidades, os que semearam dor e morte ao seu
redor, os que asfixiaram a vida e não se importaram com os outros, tem medo de
morrer.
Os que aceitaram sua vida e se
atreveram a vivê-la seriamente, os que a viveram como dom que se entrega,
aceitam sua morte e a esperam de modo sereno e livre, como o descanso devido
depois de uma jornada trabalhosa e fecunda. Assim como a jornada cumprida
devidamente dá alegria ao sonho, uma vida bem vivida dá alegria à morte. Porque
a vida valeu a pena, também vale a pena morrer.
Dia de Finados é ocasião privilegiada para confrontar a morte,
como fazemos com outros medos.
Devemos
contemplar nosso fim último, familiarizar-nos com ele, aprofundá-lo e
analisá-lo, conversar com ele e descartar as aterrorizadoras distorções
infantis sobre a morte.
Ao
compreendermos, de verdade, nossa condição humana – nossa finitude, nosso breve
período de tempo sob a luz -, não só passamos a saborear a preciosidade de cada
momento e o simples prazer de existir, como também intensificamos nossa
compaixão por nós mesmos e por todos os outros seres humanos.
Morre-se
no instante da morte, como morremos ao longo da vida. Este é o caminho normal
de morrer. A presença da morte na existência não se veste de luto, mas de
seriedade e irreversibilidade nas decisões. Uma vida pensada sem morte
perde-se, no final, na total irresponsabilidade.
Texto bíblico: Mt
25,31-46
Na
oração:
O “depois da vida” é um grande encontro onde
seremos perguntados: “o
quanto você viveu sua vida?”
- “Fazer memória”
das pessoas que viveram intensamente e deixaram “marcas” em sua vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário