“Alegrai-vos e exultai, porque é
grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5,12)
No dia em que a Igreja
faz memória de todos os Santos e Santas, a liturgia escolhe sabiamente
o evangelho das Bem-aventuranças. A sabedoria deste texto, surpreendente e
genial, está no fato de apresentar um projeto de realização total, de
felicidade sem limites. O
Evangelho que nos foi confiado é um programa
de vida para alcançar a felicidade, a beatitude, a vida
ditosa, prazerosa, bem-aventurada...
Na boca de Jesus brilha sempre a palavra-chave: “Felizes”.
A primeira coisa que Jesus proclama
e deseja para o ser humano é: “seja feliz, ditoso, bem-aventurado...”
Ele não faz referência às práticas religiosas,
rituais, doutrinas, leis... mas à vida e vida plena, aberta e solidária,
compassiva e justa, mansa e humilde...
As nove bem-aventuranças des-velam
uma atitude para com os outros: a simplicidade de vida, o chorar com o outro,
trabalhar pela justiça, viver misericordiosamente, ser perseguido por causa da
justiça...., é centrar-se nos outros, acima dos próprios interesses.
No texto evangélico, a bem-aventurança ou beatitude tem o sentido de “estar em marcha”, de “estar
a caminho”. “Bem-aventurança”, em hebraico, quer dizer “em
marcha” e a infelicidade é
estar imobili-zado, parado sobre a própria imagem, parado sobre as memórias do
passado, parado sobre o sofrimento...
Por isso a bem-aventurança consiste em dar um passo
a mais. Esta é uma bela definição da “espiritualidade”,
dar um passo a mais a partir do lugar onde estamos. Cada uma das
bem-aventuranças é um convite
para nos recolocar em
marcha, a partir do caminho que já percorremos. Há ainda muito por caminhar.
As palavras de Jesus nas Bem-aventuranças poderiam ser
interpretadas no sentido em que Ele convida a nos colocar em movimento, a sair
de nossa paralisia e fixação; Ele nos desperta para nos colocarmos em marcha
através de nossa sede, de nossa fome de justiça, através dos lutos que temos de
superar e das oposições que temos de enfrentar...
Jesus nos convida a viver uma felicidade que está em marcha. A vida
é movimento e as bem-aventuranças
possibilitam a passagem de uma vida suportada para uma vida plenamente
assumida.
As bem-aventuranças não são formuladas negativamente, nem na forma de
um código moral, mas de maneira positiva e aberta. Elas são o compêndio do ministério de Jesus. Não é
lei que se impõe por si mesma; é
confissão: “o Reino chegou”.
Não é pura doutrina,
mas estilo de vida, um modo de
proceder. Jesus não prega diretamente uma moral. Proclama a “irrupção”
da graça, do amor, da misericórdia, da justiça de Deus na história da
humanidade.
Porque tem a certeza de
que chegou a “hora” de Deus intervir
na história, Jesus fica feliz e proclama “felizes” os até agora indefesos,
oprimidos e marginalizados, mas que mantiveram viva a confiança em Deus.
Os enunciados das bem-aventuranças soam à primeira vista
como “idealistas”,
“utópicas”, absolutamente irrealizáveis no mundo em que vivemos. No
entanto, pela sua provocação e questionamento, elas são a proposta mais
realista, mais revolucionária e mais eficaz jamais pronunciada.
As bem-aventuranças são a exposição mais exigente e, ao mesmo tempo
mais fascinante, da mensagem e da “intenção de Cristo”. Elas são a plenificação daquilo que é o mais
humano.
Devemos levar em conta também que as bem-aventuranças não são um “sim” de
Deus à pobreza e ao sofrimento, mas um rotundo “não” de Deus às situações de
injustiça, assegurando a todos o maior dom que poderíamos esperar, o seu Amor. N’Ele os pobres podem esperar,
ter confiança, não para um futuro distante, mas já, aqui e agora. Pode ser
bem-aventurado aquele que chora, mas nunca aquele que faz chorar. Pode ser
feliz aquele que passa fome, mas não aquele que é responsável pela fome dos
outros. Buscar a felicidade nas seguranças terrenas é a melhor prova de que não
se descobriu o amor de Deus. Mesmo nas piores circunstâncias imagináveis, as
possibilidades de ser alguém, único e original, podem se fazer presentes.
Os Santos e as Santas são as testemunhas (martyria)
da vida, ou seja, aqueles(as) que, inspirados nas Bem-aventuranças, foram
presenças inspiradoras no mundo, portadores(as) de valores humanos e que
construíram suas vidas sobre a rocha firme do amor incondicional e generoso;
homens e mulheres que “viveram um caso de amor com a vida”.
Esta é a vocação fundamental à qual somos todos chamados, enquanto
seguidores(as) de Jesus Cristo.
Ser santo(a) é ser dócil para “deixar-nos
conduzir” pelos impulsos de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e
não entendemos. Seus caminhos não
são os nossos caminhos.
Este “deixar-nos levar” pela
mão providente de Deus é uma ousadia.
Na vida espiritual a liberdade tem que ser ousada, mas a
maior ousadia é “deixar-se levar”.
“Deixar-se levar” é uma ousadia porque pressupõe a ação de Deus, um Deus que impulsiona e
que impulsionará sem limites. É também uma ousadia
porque a pessoa confia tranquila e descansadamente na força do Senhor que não
falha. Ser santo(a) é “arriscar-se”
em Deus. É navegar no oceano da gratuidade, da compaixão, da solidariedade...
O apelo à santidade
perpassa toda a história do cristianismo e chega até os nossos dias. E o Papa
Francisco trata deste tema na Exortação Apostólica “Gaudete et Exsultate”, ou
seja, o chamado à santidade no mundo atual. Numa cultura espiritualmente
desnutrida, mas sequiosa de espiritualidade, como a nossa, longe de ser um tema
e um assunto fora de moda, a santidade,
é um assunto pertinente. É preciso revela-la a uma humanidade cansada de
novidades e sedenta de verdade. É preciso purificá-la de tantas ambiguidades,
equívocos, mal-entendidos para que a santidade seja entendida como um programa
de vida, acontecendo no altar da vida, encarnada em pessoas de carne e ossos.
Papa Francisco fala de santidade acontecendo
“ao pé da porta” (cf. n. 7), sendo, por isso, o rosto mais belo da Igreja (n.
9). A santidade não é uma subida em direção às perfeições, mas uma descida em
direção à própria humanidade e à humanidade dos outros. Ser santo(a) é ser
humano por excelência. E o caminho da santidade é, segundo o papa, transfigurar
o cotidiano, resgatar o extraordinário em meio ao ordinário.
Texto bíblico:
Mt 5,1-11
Na
oração:
O
melhor modo de fazer esta oração é
seguir um dos “modos de orar” proposto por S. Iná-cio, ou seja: “Contemplar
o significado de cada palavra da oração” (EE. 249).
*
Rezar as dimensões da vida que estão
paralisadas, impedindo-lhe viver a dinâmica das bem-aventuranças.
*
Como ser presença visível das Bem-aventuranças no seu cotidiano?
Nenhum comentário:
Postar um comentário