“Esta pobre viúva deu mais do que
todos os outros que depositaram no cofre” (Mc 12,43)
Encontramo-nos nos últimos versículos do cap. 12
de Marcos; só temos, pela frente, o discurso escatológico do cap. 13 e o relato
pascal. Jesus, mais uma vez nos ensina. Embora o relato deste domingo se reduz
a poucos versículos, tem uma profundidade enorme. É o melhor resumo que se pode
fazer do evangelho. A simplicidade do relato esconde a mensagem mais profunda
de Jesus: toda a parafernália religiosa externa não tem nenhum valor
espiritual; o único que importa é o interior de cada pessoa.
Vivemos a cultura da superficialidade e da
aparência e perdemos o caminho do coração; carecemos de interioridade,
carecemos de humanidade.
Este simples relato deixa clara a
crítica de Jesus à religião de seu tempo (e a de todos os tempos). N’Ele
destaca-se a diferença entre religião e religiosidade, entre cumprimento de
normas e vivência interior, entre os ritos programados e a experiência de Deus.
Ainda não aprendemos a lição. Hoje continuamos dando mais importância ao
externo que a uma atitude interior. À religião continua interessando-lhe mais
que sejamos fiéis à doutrina, aos ritos e às normas. E a verdade é que nós mesmos
continuamos dependentes da vaidade e da aparência e não de atitude vital, de
onde flui nossa vida.
A crítica de Jesus aos escribas é dura, pois desmascara
a falsa religiosidade deles. Em vez de
orientar o povo a buscar a glória de Deus, atraem a atenção das pessoas para si
mesmos, buscando sua própria honra.
Mas há algo que, sem dúvida, dói mais ainda em
Jesus que este comportamento fantasioso e pueril de ser contemplados, saudados
e reverenciados. Enquanto aparentam uma piedade profunda em suas longas orações
em público, aproveitam-se de seu prestígio religioso para viver à custa das
viúvas, as pessoas mais fracas e indefesas de Israel segundo a tradição
bíblica.
É inútil querer fazer bela figura
diante de Deus, pensando que Ele se deixa impressionar pelas grandezas humanas.
O Reino de Deus subverte as categorias humanas. Assim, o que é grande aos olhos
humanos, é desprezível para Deus. E vice-versa: o que o mundo desvaloriza,
encontra valor aos olhos de Deus.
Mas Jesus, que acaba de criticar tão duramente os
“controladores” do Templo e da Religião, descobre também a riqueza espiritual
que uma pobre viúva manifesta, e reconhece que a maneira dela atuar deve ser
referência para todos, porque é reflexo de sua atitude para com Deus. Distante
de todo cálculo mesquinho, ela se deixa levar pelos sentimentos mais nobres. Jesus
descobriu naquela mulher uma atitude esplêndida: o comportamento de alguém que
espera tudo de Deus.
Precisamente, esta viúva vai
des-velar (tirar o véu) da religião corrupta dos dirigentes religiosos. Seu
gesto passou desapercebido a todos, mas tocou a sensibilidade de Jesus.
O Evangelho nos diz muito pouco
sobre ela; diz-nos somente que, enquanto para muitos olhos ela passa
desapercebida, o olhar de Jesus, pelo contrário, a descobre e a eleva.
Encontramo-nos aqui diante de uma
mulher sem nome, não sabemos se jovem ou idosa, somente sabemos que era viúva,
que viveu perdas. E Jesus nos faz olhar a magnitude, a generosidade desta
mulher em meio à sua pobreza e como ela se envolve no dom da entrega. Seu
atrevido gesto torna-a aberta, vazia e disponível para deixar-se conduzir por
uma Vida maior, para confiar na bondade do Mistério.
Não é uma mulher que anda escondida
no anonimato, para que ninguém a veja colocar sua oferenda. Não está se esquivando
do olhar dos outros. Não lhe dá vergonha colocar pouco no cofre, nem se sente
grandiosa por depositar tudo o que tinha.
Esta viúva não buscou honras nem
prestígio algum; age de maneira calada e humilde. Não pensa em explorar
ninguém; pelo contrário, dá tudo o que tem porque outros podem precisar.
Segundo Jesus, ela deu mais que todos, pois não dá do que lhe sobrava, mas “ofereceu
tudo o que tinha para viver”.
“Muitos
ricos depositavam grandes quantias”. As moedas eram depositadas em uma espécie de
funis enormes, colocados ao longo do muro do Templo. A ampla boca do funil de
bronze permitia lançar as moedas de uma certa distância, fazendo muito ruído ao
caírem. Os ricos podiam ouvir, com orgulho, o som de suas moedas ao se chocarem
com o metal no interior do cofre. O que a viúva depositou foram duas moedinhas
do mais baixo valor da época e que não emitiam sons ao passarem pela boca do
funil.
Era preciso ter um ouvido bem apurado para
descobrir esse gesto silencioso de uma mulher que vive como oferenda, porque
não retém nada para si.
Mas Jesus, com sua sensibilidade
aguçada, chama os seus discípulos para observá-la, pois dificilmente
encontrarão no ambiente do Templo um coração mais generoso e mais solidário com
os necessitados. Gente simples que poderá ensiná-los a viver o Evangelho.
Por que o gesto da viúva chamou
tanto a atenção de Jesus? É que Ele tem
outra lógica para olhar os acontecimentos, não tem uma visão gananciosa, nem
mercantilista. Ele vê além das aparências e descobre a generosidade e o
desprendimento dessa pobre mulher que entrega tudo o que tinha.
Jesus fica impactado pela
gratuidade do gesto: ela tinha entre as mãos duas moedas e não duvidou, nem
calculou quanto lhe dariam a prazo fixo se investisse em um seguro de velhice
ou na poupança da Caixa. Pareceu-lhe que era melhor investir tudo em uma só
cartada, a da entrega, a da totalidade, e toda ela estava inteira em sua
eleição tão arriscada. Toma a decisão temerária de depositar no cofre do
templo, e de uma só vez, as duas moedinhas que era tudo o que tinha para viver.
Dizia S. Ambrósio: “Deus
não se fixa tanto no que damos, quanto no que reservamos para nós”. Aquilo que se guarda acaba se
perdendo. A viúva, ao renunciar a menor segurança, manifesta a verdadeira
grandeza. Oferecendo aquilo que lhe restava para viver, a mulher colocava-se
toda nas mãos do Pai e fazia sua vida depender totalmente d’Ele. Reconhecia que
tudo, em sua vida, era dom de Deus. Por isso, com toda a liberdade e sem a
ânsia de possuir, foi capaz de arriscar tudo. Esta é a oferta que tem valor
diante de Deus.
“Ofereceu
tudo aquilo que possuía para viver”. Para captar toda a força desta frase final, temos
que levar em conta que em grego “bios” significa não só vida, mas também modo
de vida, recursos, sustento; seria o conjunto de bens imprescindíveis para a
subsistência. Nós temos uma palavra que poderia se aproximar bastante da
expressão grega: “víveres” ou “sustento”. Deu tudo o que constituía sua
possibilidade de viver. Equivaleria a pôr sua vida nas mãos de Deus.
Eis a questão: passar de nossas
mãos possessivas às mãos que se estendem para oferecer e partilhar. Aquilo ao
qual estamos apegados nos ata, e o que retemos nos possui. Para viver uma sadia
relação com os bens precisamos ser capazes de tomar, de abraçar e de soltar. O
que nos impede estar disponíveis para Deus vai sendo afastado, e pouco a pouco
vamos nos aproximando cada vez mais de nosso centro, ou seja, o nosso coração,
onde as moedas não fazem barulho; são moedas cunhadas no silêncio do encontro
com Aquele que é fonte de todas as nossas riquezas; e é no silêncio que essas
moedas se expressam através dos gestos despojados do serviço, do compromisso e
da partilha...
E, assim, a vida se faz uma
oferenda contínua.
Texto bíblico:
Mc 12,38-44
Na oração:
Esta cena
tão simples do Evangelho nos desafia mais uma vez, e nos vemos retratado nela; simplesmente
temos que nos deixar interpelar pelo relato e tentar descobrir se nossa atitude
de vida está mais próxima da dos escribas ou mais próxima daquela da viúva.
- O que
prevalece em mim: uma religião de aparência, de ritualismos, de moralismos
(própria dos doutores da lei) ou uma religião do coração (simplicidade,
generosidade, despojamento...) própria da viúva?
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