“Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os
aos que estavam sentados...” (Jo 6,11)
No domingo passado, o relato evangélico de Marcos
nos deixou às portas da multiplicação dos pães. Em seu lugar, a liturgia
insere, a partir deste domingo, todo o capítulo 6 do evangelho de João. É o
mais longo e denso capítulo de todos os evangelhos, e que vai ocupar os
próximos cinco domingos. Em seus 71 versículos, partindo da multiplicação dos
pães, João elabora toda uma teologia do seguimento. No fundo trata-se de um
processo de iniciação catequética, que na primitiva comunidade cristã durava
vários anos e que, no final inspirava o catecúmeno a tomar uma decisão
definitiva: o batismo.
João, o evangelista dos detalhes, começa trazendo
um dado interessante: “Jesus foi para
o outro lado do mar da Galileia”. Ao passar para a outra margem, Jesus desencadeia
um movimento inspirador: não podemos nos limitar a ver as coisas a partir das margens
conhecidas. É preciso deslocar-nos para a outra margem, para ver as coisas sob
outra perspectiva, com um olhar mais amplo.
Jesus desvela o perigo de
fechar-nos no próprio grupo, nas próprias ideias, doutrinas e considerar-nos
como donos da verdade; somos sempre tentados a instalar-nos no conhecido e
custa abrir-nos a outras percepções. É preciso fazer a travessia para
deixar-nos interpelar pelo novo, colocar em questão nossa própria visão e
compreensão da vida e enriquecer-nos com outros pontos de vista: a dos pobres e
marginalizados.
O Evangelho não é para acomodados
ou para aqueles que tem medo de fazer a travessia; o Evangelho é para fazer
estrada, viver em atitude de saída. Sair dos lugares conhecidos, rotineiros,
estreitos e abrir-nos às surpresas dos lugares novos.
Outro dado instigante, apresentado no evangelho
deste domingo: não basta ver a fome nas fotos, embora as fotos costumam “doer”.
O importante é ver os rostos famintos. Jesus não é daqueles que, quando passa
junto ao faminto, baixa os olhos para não ver. Jesus “levantou os olhos e viu uma grande multidão”.
Segundo a versão de João, Jesus é o primeiro que
pensa na fome daquela multidão que acudiu para escutá-lo. Ela precisa comer e é
preciso fazer algo. Assim era Jesus. Vivia pensando nas necessidades básicas do
ser humano.
Jesus é daqueles que, quando descobre que a
multidão tem fome, busca respostas, busca soluções. “Onde vamos comprar pão para que eles possam comer?”
A solução de Felipe é aquela que a
maioria tem às mãos: só vê a dificuldade e, inclusive, a impossibilidade de
encontrar uma saída para a situação. Ele recorda que o grupo não tem dinheiro.
Entre os discípulos, todos são pobres: não podem comprar pão para tantos.
Jesus sabe disso. Os que tem
dinheiro não resolverão nunca o problema da fome no mundo. É preciso algo mais
que dinheiro. A solução de Jesus é abrir outra possibilidade: Ele vai ajudá-los
a vislumbrar um caminho diferente. Antes de mais nada, é necessário que ninguém
monopolize o seu alimento para si mesmo, quando há outros que passam fome. Seus
discípulos terão que aprender a pôr à disposição dos famintos o que têm, mesmo
que seja só “cinco pães de cevada e dois peixes”.
Jesus ensina que a dinâmica do Reino é a arte de compartilhar. Talvez todo o dinheiro do
mundo não seja suficiente para comprar o alimento necessário para todos os que
passam fome... O problema não se soluciona comprando, o problema se soluciona
compartilhando.
O pão nas mãos de Jesus era pão para ser
partido, repartido e compartilhado.
O pão armazenado, como o maná no deserto, se
corrompe, apodrece.
Também hoje Ele precisa de nossas mãos para
multiplicar os grãos; precisa de nossas mãos para triturar esses grãos, amassar
a farinha e fazer o pão. E precisa de nosso coração para que o pão seja
repartido.
O pão sem coração é pão
“monopolizado”. Pão indigesto, que engorda o egoísmo.
O pão sem coração gera divisões e
conflitos. Quantas guerras fraticidas provoca o pão sem coração!
Deus precisa de nosso coração para
que o pão leve o sinal da fraternidade, seja vitamina de solidariedade,
alimento de comunhão, para que possamos comungar.
No pão compartilhado, encontramos a
luz da vida. “Se
partes teu pão com o faminto... brilhará tua luz como a aurora” (Is. 58,7-8).
Uma refeição fraterna foi servida por Jesus a
todos, graças ao gesto generoso de um menino, com seus cinco pães de cevada
(pão dos pobres) e dois peixes.
Para Jesus,
isso é suficiente. Esse menino, sem nome e desconhecido, vai tornar possível o
que parece ser impossível. Sua disponibilidade para partilhar tudo o que tem é
o caminho para alimentar aquela multidão. Jesus fará o resto. Toma em suas mãos
os pães, dá graças a Deus e começa a “re-parti-los” entre todos.
Esta refeição compartilhada era,
para os primeiros cristãos, um símbolo atrativo da comunidade nascida do
movimento de Jesus para construir uma humanidade nova e fraterna. Esta cena, evocava-lhes,
ao mesmo tempo, a eucaristia, celebrada no dia do Senhor, para que todos
pudessem se alimentar do espírito e da força de Jesus, o Pão vivo vindo de
Deus.
Mas, os seguidores de Jesus nunca
esqueceram o gesto despojado daquele menino. Se há fome no mundo, não é por
escassez de alimentos, mas por falta de solidariedade. Há pão para todos, falta
espírito generoso para partilhar. Temos deixado a marcha do mundo nas mãos do
poder financeiro, nos dá medo partilhar o que temos, e as pessoas morrem de
fome devido ao nosso egoísmo irracional.
A dinâmica do mundo neoliberal é precisamente o
dinheiro. Cremos que sem dinheiro nada se pode fazer e procuramos converter
tudo em dinheiro, não só os recursos naturais, mas também os recursos humanos e
os valores: o amor, a amizade, o serviço, a justiça, a fraternidade, a fé, etc.
Neste mundo capitalista nada é dado gratuitamente, tudo tem seu preço, tudo é
taxado e comercializado. Esquecemos que a vida
acontece por pura gratuidade, por puro dom de Deus.
Jesus, nesta multiplicação dos pães
e dos peixes, partiu daquilo que as pessoas tinham no momento. O milagre não
foi tanto a multiplicação do alimento, mas o que aconteceu no interior de seus
ouvintes: sentiram-se interpelados pela palavra de Jesus e, deixando de lado o
egoísmo, cada um colocou o pouco que ainda tinham; maravilharam-se, depois, ao
verem que o alimento se multiplicou e sobrou.
Compreenderam, então, que se o povo
passava fome e necessidade, não era tanto pela situação de pobreza, mas pelo
egoísmo dos homens e mulheres que, conformados com o que tinham, não lhes importava
que os outros passassem necessidades. O gesto de compartilhar marcou
profundamente a vida das primeiras comunidades que seguiram a Jesus.
Compartilhar o pão se converteu num
gesto para prolongar e manter a vida, um gesto pascal. Ao partir o pão descobriam
a presença nova do Ressuscitado.
Nós seguidores (as) de Jesus, não
devemos esquecer o gesto de partilhar é a chave para tornar realidade a
fraternidade e para nos reconhecer como filhos e filhas do mesmo Pai. Quando se
compartilha com gosto e com alegria, o alimento se multiplica e sobra.
Texto bíblico: Jo
6,1-15
Na
oração: Nosso
próprio interior é dotado de pães que
devem ser acolhidos, abençoados, re-partidos e distribuídos.
O
alimento vem de nossa própria interioridade: poucos pães e peixes, mas o
suficiente para saciar a fome de muitos. Há um menino interior que aponta para a presença dos pães e peixes e nos
instiga a partilhar.
-
A atitude de Jesus é a mais simples e humana que podemos imaginar. Mas, quem
vai nos ensinar a com-partilhar, se só sabemos comprar? Quem vai nos libertar
de nossa indiferença frente àqueles de morrem de fome? Há algo que possa nos
fazer mais humanos?
Será
que algum dia acontecerá esse “milagre” da solidariedade real entre todos?
-
Quais são seus pães e peixes do seu interior que devem ser
apresentados e partilhados?
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