“O que vos digo, digo a todos:
vigiai!”
(Mc 13,37)
S. Gregório de Nissa afirma que “na vida cristã vamos de começo em começo, através
de começos sem
fim”. Re-começar contínuo, no qual nos
colocamos sempre de novo em sintonia com Aquele que plenifica nossa existência,
dando sentido e inspiração ao nosso modo de ser e viver.
Estamos re-começando mais um tempo litúrgico,
sempre original e instigante; trata-se do Advento.
No evangelho, indicado para este primeiro
domingo, o apelo de Jesus (“vigiai”) poderia perfeitamente
ser traduzida por “estejam
atentos”, “estejam despertos”.
Por que essa insistência em viver
despertos, atentos e lúcidos, como nos pede o tempo do Advento? Porque, como
dizia Antony de Mello, a grande tragédia da vida não é tanto aquilo que
sofremos, mas aquilo que perdemos. Perdemos muitas oportunidades porque a
dispersão e a distração nos acompanham sempre. E isso é justamente o que
pretende a espiritualidade do Advento: despertar.
De vez em quando, deveríamos ter a
coragem de deixar ressoar em nós esta pergunta: “Você vive ou simplesmente sobrevive?”; pois o perigo de viver adormecidos
ou de maneira superficial nos espreita continuamente. Aqui podemos recordar um
texto de Henry Thoreau que se fez famoso graças ao filme “A sociedade dos
poetas mortos”: “Fui aos bosques porque queria viver em plena consciência,
queria viver a fundo e extrair toda a essência da vida;
eliminar tudo o que não fosse a vida, para que, quando a minha morte chegasse,
eu não descobrisse que não tinha vivido”.
S. Paulo também nos convida a despertar de nossa
inconsciência para deixar-nos iluminar por Cristo e assim viver em plenitude, e
não como mortos vivos: “Desperta, tu
que estás dormindo, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará” (Ef 5,14)
Sabemos que o maior inimigo da
atenção e da vigilância é a rotina e o modo de funcionar em
“piloto automático”. A rotina tem a vantagem de facilitar as coisas e nos
confere uma certa sensação de segurança: movemo-nos por caminhos trilhados nos
quais tudo nos torna familiar; ela é como uma roda que, de vez em quando, nos
move para aquilo que já sabemos, para o já conhecido. Os hábitos permitem que
façamos muitas coisas sem precisar pensar: são feitas de uma maneira
“in-sensata”, ou seja, sem sentido e sem discernimento.
Muitas de nossas rotinas são manias que
herdamos, atmosferas que respiramos, condutas que imitamos, maneiras de ser que
assumimos como próprias; nessa repetição do conhecido, vamos nos habituando a
viver na apatia, na falta de sonho e de entusiasmo. A rotina nos
encobre, nos disfarça, nos mascara e nos anula no costumeiro, na tradição, no
hábito, na repetição.
Alguém já disse que a “rotina
é o colchão da comodidade na qual a pessoa vai morrendo, pouco a pouco”.
Há rotinas que se impõem a
nós, sobretudo para que nada se modifique, para que tudo continue como sempre;
com isso não arriscarmos ao novo e, sobretudo, atrofiamos nosso espírito
aventureiro e criativo que nos sussurra outras brisas, que nos instiga a
caminhar por paisagens desconhecidas e nos impulsiona para horizontes
inspiradores.
A rotina nos instala no
gesto mecânico, no movimento inconsciente, na vida sem alento, nas maneiras
normóticas de agir, no vazio do estancamento e na vigília adormecida; ela nos
converte em figueiras estéreis, nos seca por dentro, nos torna deserto, sem
brilho nos olhos, sem vibração no coração, sem presença inspiradora em nosso mundo.
O Advento, como “primeiro
movimento”,
é sempre
atenção, convite a estar desperto
para “fazer
novas
todas
as coisas”.
Não é promover novidade superficial, mas recuperar o novo que sempre brota a
partir de nosso ser mais profundo. O Advento é tempo litúrgico da criatividade;
as rotinas nos alienam, a criatividade nos faz, nos re-refaz.
A atenção vigilante nos
conecta com a vida, porque nos traz ao presente. E o presente é o único lugar
da vida. Graças à atenção, vivemos na consciência, acolhendo tudo a partir da
lucidez e amando tudo a partir da sabedoria; nós nos sintonizamos com a
corrente da vida e passamos a habitar o momento presente, deixando-nos fluir
com a vida mesma.
E, em meio a qualquer atividade, devemos
acostumar a nos perguntar: “estou completamente aqui?”
O cultivo da atenção tornará
possível a saída progressiva do sono e da ignorância para poder viver na luz;
tal prática continuada, não só fará com que saboreemos a vida, mas que
reconheçamos e nos familiarizemos com nossa verdadeira identidade: não somos a
“onda” que emerge fazendo movimentos, mas o “oceano” de onde a onda surge. Ver
isto é “estar despertos”.
Cada Advento
nos mostra um cenário no qual tudo brota de novo, sem estridências nem
espetáculos extravagantes. É o tempo do silêncio que vai gestando algo novo,
pleno de vida e de sabor; tempo que nos move a re-estreiar nossa vida; para
isso é preciso destravar nossos sentidos para olhar, escutar, sentir, tocar,
saborear tudo como se fosse a primeira vez.
À luz do evangelho deste domingo, vemos que o
tempo da ausência do dono da casa que partiu em viagem não é um tempo
morto, mas um tempo de intensa gestação. Não é uma espera vazia,
angustiante e ansiosa, provocadora de medo, mas uma espera centrada no Senhor
que vem e centrada na responsabilidade que nos foi confiada: serviço.
Muitos cristãos perdem a
intensidade da espera; e aqueles que
persistem na espera vão aprendendo a paciência da espera, mobilizando outros
recursos interiores.
A vigilância consiste em viver
esperando o inesperado e o surpreendente. As comunidades cristãs precisam
fortalecer uma pedagogia da espera. Sabem que o Senhor chega de forma surpreendente.
A espera é sempre ativa, atenta aos sinais dos tempos e aos clamores
da vida; ela busca expandir-se, pois aguarda “o novo céu e a nova terra”.
O Advento
é um tempo de oportunidades únicas; e ele está carregado de sinais, elementos
fora do comum, pessoas e acontecimentos pelos quais Deus interpela nossa
liberdade e frente aos quais é preciso tomar uma atitude.
Estamos diante daquilo que podemos chamar de
“Kairós” (tempo oportuno, carregado de inspiração).
Se excepcionais podem ser as pessoas, os lugares,
as relações, as habilidades, etc... excepcional também pode ser um determinado tempo,
que não depende de sua durabilidade, mas o quanto é carregado de sentido e de
presença. É um tempo qualitativamente diferente e denso. É um tempo de graça,
propício para o reencontro, para avançar, para passar a uma nova etapa da vida.
É preciso aproveitar esta oportunidade única.
Oxalá, neste Advento esperemos o
Cristo e saiamos ao seu encontro. E contagiemos os outros com nossa esperança.
Essa é a disposição de uma Igreja em saída e que não aguarda em uma “sala
de espera”.
Texto bíblico: Mc
13,33-37
Na
oração:
Diante
do Senhor, que continuamente está vindo em nossa direção, podemos nos
perguntar: “minha
vida, continua adormecida?
-
Como seguidores(as) de Jesus, somos homens e mulheres que podemos despertar o
mundo?
-
O que estamos vislumbrando no nosso horizonte pessoal, eclesial, social,
familiar...?
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