“Esta
é a voz daquele que grita no deserto” (Mc 1,3)
Advento é um
tempo que se revela como uma espécie de respiro, um tempo para distanciar-nos
do conflito de ideias, interesses e especulações que acabam por alterar a
tranquilidade e a paz de nosso interior. Este é um tempo sagrado e um tempo de
silêncio, muito necessários para o momento em que vivemos. Um silêncio que não
é isolamento, mas capacidade de escuta; algo assim como desconectar o auricular,
no qual permanentemente soam as músicas “interesseiras”, para escutar as
músicas ambientais; um silêncio que não é só ausência de palavras, mas ocasião
para dar a possibilidade a palavras diferentes e novas; um silêncio que é superação
do palavreado crônico que nos esvazia por dentro.
A
“voz que grita no
deserto” é a do profeta vestido pobremente, que nos prepara um
coração compassivo e reconciliado. Aquele que saltou de alegria no ventre de
sua mãe diante da voz da jovem de Nazaré, nos rompe, com sua voz, a surdez do
coração e nos força a abrir os olhos para ver, de maneira nova e diferente, Aquele
que sempre se aproxima.
O Batista é só uma voz; não é a Palavra. Mas não é uma voz
qualquer, não é mais uma voz entre tantas outras; é a voz que faz a diferença:
ela des-vela e re-vela. Des-vela a dureza do coração daqueles que não se abrem
à novidade do Deus que “continuamente vem em sua direção”; re-vela a presença
d’Aquele que com sua Palavra destrava a voz dos sem voz, ativando e despertando
a dignidade escondida sob o peso das “vozes que desumanizam”, sejam elas
políticas ou religiosas.
O tempo litúrgico do Advento nos
possibilita renovar uma atitude tão escassa e tão necessária em nossa cultura:
escuta das vozes frágeis do nosso
entorno; são as vozes dos tristes, dos deprimidos, dos cansados e tantas outras
vozes que se encontram nas margens sociais e religiosas. Essa escuta nos conduz
à voz frágil d’Aquele menino Deus que sempre quer nascer onde há necessidade de
mudança, de busca, de melhora, de um novo começo.
Mas
o Advento também nos faz mais
sensíveis para captar as vozes frágeis de nossa interioridade; elas
querem se expressar, mas não encontram ambiente favorável, devido aos ruídos e
sons estridentes que nos ensurdecem.
Dentro de nós há muitos sentimentos
reprimidos, experiências bloqueadas, vivências rejeitadas, pensamentos
atrofiados... buscando uma oportunidade para se fazerem ouvir; são “vozes
caladas”, “vozes que gritam no deserto interior”, procurando encontrar gretas
de nossa existência por onde respirar. É preciso criar silêncio para ouvi-las,
dialogar com elas e assim poder restabelecer um equilíbrio ecobiológico
interior.
Há um rumor em nossa interioridade,
e disso temos medo, pois des-velam nossa real identidade. O pensador Pascal
dizia que “a infelicidade do ser humano vem de uma só coisa, que é não
saber permanecer quieto
em seu quarto”.
Verdadeiramente há um rumor de vigor e de vida no coração, como a melodia da
fonte na aridez do deserto, que é capaz de pacificar nosso espaço interior. Há
um momento em que uma frágil voz sem palavras nos alcança no ponto mais vivo e
original de nossa existência.
É o rumor que brota da provocação
de uma palavra escutada como aquela de João Batista: “preparai
o caminho
do Senhor, endireitai suas estradas!”
É a estrada mesma da vida que passa pelos meandros do coração. Por ali transita
o Espírito de Deus, que ora grita, ora sussurra, dependendo da nossa sintonia
ou não com sua presença.
Sentados às margens das
estradas ou de um riacho silencioso
de nossas vidas, podemos atingir experiências imprevistas e
surpreendentes, ou reconhecer, através do murmúrio das águas, “vozes
novas” que nos incitam a peregrinar em direção às regiões desconhecidas
do nosso próprio interior. Só assim, poderemos vislumbrar o
outro lado e tocar as raízes mais profundas que dão
sentido e consistência ao nosso viver.
Estamos mergulhados num mundo de vozes; um “vozerio” nos cerca:
vozes que nos levam à morte, vozes que nos chamam à vida; vozes contaminadas pelo egoísmo, adulteradas pelo medo,
deturpadas pela impureza, e vozes que são o eco do paraíso convidando para a
festa, comunicando paz, convocando à comunhão... É possível que as vozes do egoísmo,
do orgulho
e da ambição
tentem se disfarçar em voz do Batista, a fim de arrastar-nos para o vazio e a
ruína.
Mas o Espírito não fala por ruídos, e sim
pelo silêncio; não fala pela força
dos pulmões, e sim pelo vento suave de sua voz
inconfundível.
Para escutá-la, requer-se interioridade
e atenção aos sinais de sua
presença: pode ser a voz de um irmão
pedindo socorro; pode ser a linguagem de um acontecimento alegre ou triste; pode ser uma palavra lida ou proclamada; pode ser uma inspiração misteriosa captada no silêncio...
Sentimos a ressonância da voz do Espírito
na oração, na atividade, ao ver um noticiário, ao dar um abraço, ao ler um
livro, ao ouvir uma canção, ao contemplar um quadro, fazendo um passeio,
escutando alguém que nos fala de sua vida...; sua presença ressoa na história e
na imaginação convidando-nos a sonhar um futuro melhor; sua atuação ressoa nos
encontros humanos, reconstruindo os laços rompidos; sob seu impulso ganham
consistência, em cada um de nós, as atitudes que nos levam a viver com mais
plenitude: compaixão, justiça, verdade, amor...
No
silencioso sussurro de Sua voz toda realidade interior fica abençoada: os
sentimentos contraditórios, os dinamismos opostos... Ele “desce” para
encontrar-nos e despertar nossa vida atrofiada. Com seu toque, uma identidade
nova ressurge: não seremos mais estrangeiros, nem inimigos de nós mesmos. Sua
presença dá calor e sabor à nossa existência.
Na arte do discernimento das vozes, o importante é, através da escuta
interior, perceber de onde vem e
para onde nos conduz cada voz que
ressoa em nós. Se ela nos conduz para o outro, para o serviço, para o Reino...é
clara manifestação da voz do Mestre.
Isto dá uma profundidade especial
ao nosso caminhar, nos desvela uma riqueza humana escondida em nosso interior,
nos dá uma alma de poetas, capazes de dar nome ao mistério.
“Endireitar as estradas interiores” é apaixonante, pois no situa no caminho de uma
humanização mais verdadeira e profunda e dilata nosso coração. Somos
advento; cuidemos, pois, de nossa vida interior!
Texto bíblico: Mc
1,1-8
Na oração:
Espirituais somos todos, se deixarmos que, dentro
de nós, o Espírito de Deus encontre espaço livre para mover-se, sussurrar e suscitar
inquietações. Ao habitar-nos, o Espírito não nos invade, nem se impõe.
Se abrirmos espaço à
sua presença, brota uma sadia convivência que potencia o melhor em nós mesmos,
sensibiliza nosso coração e abre os sentidos para que fiquem mais alertas e
sintonizados com as surpresas que brotam da vida.
-
Recordar (lembrar
com o coração) dimensões da vida que
precisam ser ampliadas a partir da vivência do Advento.
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