“Vou preparar um lugar para vós..., a fim de
que onde eu estiver estejais também vós” (João 14,3)
O evangelho deste domingo, tomado de João, não
descreve uma aparição do Ressuscitado, mas é o mesmo Ressuscitado que se
apresenta e fala para a comunidade dos seus seguidores.
Trata-se de um texto pós-pascal, pois à medida
que vamos entrando no texto caímos na conta que Aquele que fala é o Vivente. A
sua voz não é aquela de um morto que apareceu, mas a Voz da Vida.
O contexto deste evangelho é o
discurso de despedida de Jesus na Última Ceia. Nos versículos anteriores, Ele
havia anunciado a traição de Judas, a negação de Pedro, o anúncio da partida.
Tudo isso deixou os discípulos desconcertados, abatidos e com medo.
Jesus sente a tristeza e a
perturbação dos seus discípulos; esquecendo-se de si mesmo e do que lhe espera,
dirige-lhes palavras para animá-los na esperança, fortalecê-los no meio da
angústia, devolver-lhes o horizonte de vida.
E uma das imagens que Jesus usa
para pacificá-los é a da “morada” ou “estâncias” no coração do
Pai; imagem que pode oferecer o sentimento de proteção e acolhimento.
Uma morada significa muito mais que uma presença. Uma pessoa pode estar
presente em seu local de trabalho, na rua..., mas a morada, a habitação ela a
tem em sua casa. E Deus quis ter uma morada e uma habitação em nosso interior.
Somos sua casa!
“Na casa do Pai há
muitas moradas”; há lugar para todos, talvez de formas
diferentes, por caminhos diversos, mas há lugar abundante. A casa de Deus é
ampla, é a casa de todos os seres humanos, casa de reconciliação e justiça,
aberta antes de tudo para aqueles que foram e são oprimidos. Aqueles que não
cabem na casa deste mundo (os que foram expulsos de suas casas) podem entrar na
casa da Vida de Jesus.
Jesus Cristo, durante seu ministério, construiu
com suas palavras uma morada para as
pessoas, na qual estas se sentiram seguras. Ele falou de tal forma que as
pessoas encontraram harmonia consigo mesmas. E elas tinham o sentimento de
poder habitar em suas palavras, e por meio de suas palavras, encontrar uma
pátria n’Ele.
De fato, o ser humano sempre
aspirou viver em um espaço onde pudesse se sentir seguro, em paz; um espaço
humanizador que lhe permitisse ativar todas as suas potencialidades de vida e
deixasse transparecer a própria identidade; um espaço onde pudesse se “sentir
em casa”.
É da nossa condição humana buscar
um espaço, um lugar hospitaleiro e acolhedor, o lugar onde nos
situamos no mundo e onde podemos ser encontrados; esse espaço nos ajuda a fazer
contato com nossas “moradas interiores”: lugar de intimidade com
Deus, espaço de contemplação, ambiente de discernimen-to e construção de
decisões.
Nesse sentido, a morada interior já
é antecipação da nossa morada eterna, no coração do Pai.
Um dos dramas vivido pelo ser humano no atual contexto
social pós-moderno é que ele perdeu não somente seu lar exterior, mas também se
afastou de sua morada interior. Comprovamos hoje um “déficit de
interioridade”. As pessoas perderam o caminho da direção do seu
coração; vivem fora de si mesmas e não conseguem colocar as grandes perguntas
existenciais: “de onde venho?
Quem sou? Para
onde vou?...”. Elas já não sabem mais
quem são.
Muitas já não conseguem mais recolher-se e voltar
para “dentro de sua morada” para recuperar o centro gravitacional de suas
vidas, o ponto de equilíbrio interior; já não são capazes de velejar nas águas
da interioridade, passando a viver uma vida superficial e sem sentido. Elas se
percebem sem o sentimento de acolhida e proteção, pois perderam seu sentido de
pertença, além de não mais saberem o que as sustenta. Não sabem mais onde
poderão encontrar segurança e acolhimento.
O que é “estar em casa” para nós hoje, num
mundo estranho e em constante mutação? O que significa “morada” para nós
atualmente? Que tipo de sentimento está conectado a ela? Onde nos sentimos de
verdade em casa?
“A
infelicidade do ser humano moderno consiste em que ele não é mais capaz de
permanecer em sua cela” (Pascal). “O ser humano só
está em casa no mistério de Deus” (Clemenz Schmeing).
Nas palavras de Jesus na Última Ceia, Ele deixa
transparecer que, só quando cremos que o mistério de Deus habita em nós, é que
podemos nos sentir em casa; só podemos permanecer em nós mesmos porque o
próprio Deus já está em nós e nos mantém. Nós podemos fazer morada em nós,
porque Deus mesmo já fez morada em nós.
Nossa morada interior é o espaço no
qual Deus mesmo habita em nós. Ali, nós somos plenamente nós mesmos, salvos e
íntegros. Verdadeiramente em casa. Nós precisamos apenas olhar para dentro. O
céu está em nós e ali, no céu interior, está a verdadeira pátria que ninguém
pode nos roubar ou pode destruir.
E ali, as nossas próprias
preocupações e temores não tem nenhum acesso. Ninguém pode nos ferir ali.
Aspiramos um espaço onde possamos ser nós mesmos.
Espaço no qual podemos entrar em contato com algo que nos plenifica e nos
expande. Vivemos das forças e da energia que emanam da nossa casa interior.
Desejamos encontrar-nos conosco mesmos, desenvolver nossas possibilidades,
descobrir e clarificar nossa identidade. O sentimento de ser totalmente nós
mesmos nos dá a sensação de ter encontrado o suporte numa torrente de vida e de
amor. Desse modo, em meio às incertezas deste mundo, podemos experimentar um
ambiente de tranquilidade e de acolhimento.
Num mundo de muita
superficialidade, onde a imposição do imediato, da rapidez, da produtividade e
da eficácia se apresentam como deveres imperiosos, somos chamados, como
seguidores (as) de Jesus, a “ser pessoas de interioridade”.
Diante da “cultura líquida” na qual vivemos, é urgente gerar espaços que
facilitem reabrir as vias da interioridade, possibilitar o retorno à “morada
interior”, onde é gestada a nossa identidade e as nossas opções mais sólidas.
Precisamos, sob a ação da Graça,
destravar nossa “morada viva e sempre inédita”, de tal maneira que dali brote a
novidade que tudo renova e dá sentido à nossa existência.
Texto bíblico:
João
14,1-12
Na oração:
Existe
uma crise de moradia muito mais grave que a falta de casas: é a escassez de
pessoas interiormente acolhedoras e disponíveis para seus irmãos.
Casa: lugar do
lava-pés, do mandamento novo; lugar da Ressurreição e Pentecostes.
Lugar do encontro com o Senhor; Ele
vem. Sua presença causa mudança.
Deixe ressoar a voz do Senhor: “Eu
quero, em tua casa, celebrar a Minha Ceia!”.
Como me sinto em minha casa? Preciso abri-la, arejá-la? Modificá-la?
Iluminá-la?
É acolhedora? Humanizadora?...
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