“Vós o conheceis, porque Ele permanece
junto de vós e estará dentro de vós” (João 14,17)
O evangelho de João nos oferece diversas imagens
de Páscoa: vida, pastor e porta, morada de Deus… O evangelho deste domingo nos
apresenta a Páscoa como promessa e esperança do Espírito Santo, o “Paráclito” (defensor/consolador) dos (as)
seguidores(as) de Jesus. Jesus mesmo tinha sido o Paráclito de seus discípulos,
mas agora envia seu Espírito para que seja presença interior e companhia.
A Páscoa apresenta-se, assim, como experiência de Presença, Deus em
nós. Esta é a grande promessa que sustenta o caminho do seguimento na história,
tantas vezes obscuro e angustiante para o ser humano. Presença que des-vela
nossa identidade e nossa verdade mais profunda: filhos (as) amados(as) do Pai.
O Evangelho de João é uma
verdadeira catequese do Espírito, que se revela como “Espírito da verdade”,
pois atua justamente na intimidade das pessoas, des-velando sua originalidade
interior e comunicando-lhes luz e força para expandir suas vidas na direção do
serviço aos outros.
Este “Espírito da verdade” não deve
ser confundido com uma doutrina. Esta “verdade” não deve ser buscada nos
livros dos teólogos nem nos documentos da hierarquia. É algo muito mais
profundo. Jesus diz que “ela vive conosco e está dentro de nós”. É alento, força, luz, amor... que
nos chega do mistério último de Deus. Devemos acolhê-la com um coração simples
e confiante.
Este “Espírito da verdade” está no interior de cada um de nós,
defendendo-nos de tudo o que nos pode afastar de Jesus. Convida a nos abrir com
simplicidade ao mistério de um Deus, Amigo da vida. Quem busca a este Deus com
honradez e verdade não está longe dele.
A sociedade pós-moderna apostou pelo “exterior” e
se distanciou da dimensão essencial da vida humana: a interioridade. Tudo nos convida a viver a partir de fora; tudo nos
pressiona a mover-nos com pressa, sem nos deter em nada nem em ninguém; a paz
já não encontra espaços para morar em nosso coração; vivemos quase sempre na
superfície da vida; estamos esquecendo o que significa saborear a vida a partir
de dentro. Vivemos a globalização da dispersão e da superficialidade.
E o ser humano “disperso e superficial”
é um ser “desordenado”, ou seja, vive seduzido por estímulos
ambientais, envolvido por apelos vindos de fora, cativado pela mídia, pelas
inovações rápidas, magnetizado por ofertas alucinantes... E então, ele se esvazia, se dilui, perde a
interioridade e... se desumaniza.
A exterioridade absorve a interioridade
humana. A pessoa foge de si mesma, tem medo de encontrar-se. Por isso,
acompanha o ritmo dos outros, repete a linguagem dos outros, adota os critérios
dos outros..., e acaba sendo influenciada e dominada por pressões e hábitos
externos.
Quê pode dizer a espiritualidade do Evangelho
ao ser humano deste 3º. milênio?
Um aspecto decisivo que emerge, entre tantos
outros, é este: o valor do interior, ou seja, tudo o que se refere à
dimensão do coração, das intenções profundas, das decisões que partem das
raízes internas.
Para “desbloquear” nosso interior, fechado e
petrificado, Jesus Cristo promete o envio do Espírito Santo, presença que
examina e purifica as trilhas do coração humano, pois nosso interior é lugar da
intimidade com Deus, espaço de contemplação, ambiente de discernimento e
construção de decisões.
Nesse sentido, ser seguidor(a) de Jesus
significa ser um aprendiz do Espírito, deixando-nos conduzir por Ele em direção
à fronteira da interioridade, do
nosso próprio “eu profundo”. Presença que des-vela regiões não contaminadas em
nosso coração, onde tudo começa a ser percebido como novo, de onde
brotam esperanças adormecidas e desejos ocultos.
É próprio do ser humano mergulhar e experimentar
sua interioridade-profundidade. Auscultando a si mesmo, percebe
que brotam de seu “eu profundo” apelos de compaixão, de amorização e de
identificação com os outros e com o grande Outro (Deus). Dá-se conta de uma
Presença que sempre o acompanha, de um Centro ao redor do qual se organiza a
vida interior e a partir do qual se elaboram os grandes sonhos e as
significações últimas da vida.
Essa interioridade é um modo de ser, uma
atitude de base a ser vivida em cada momento e em todas as circunstâncias.
Mesmo nas atividades cotidianas mais simples, a pessoa que criou espaço para a profundidade
e para a interioridade mostra-se centrada, serena e cumulada de paz,
caminhando junto com os outros na mesma direção que aponta para a Fonte de vida
e de eternidade.
Sabe-se e sente-se habitada por um Maior
que é uma Fonte irradiante de ternura e de amor. Irradia vitalidade e entusiasmo,
porque carrega Deus dentro de si, carrega o Sentido do universo, de cada coisa.
Acolhe e interioriza experiencialmente esse Mistério
sem nome e permite que Ele ilumine sua vida; dialoga e entra em comunhão com
Ele, pois o detecta e o sente em cada detalhe da realidade.
Toda experiência
espiritual significa um encontro com um rosto novo e desafiador de Deus, que
emerge dos grandes desafios da realidade histórica.
Esta “vida interior” é, ao
mesmo tempo, a terra onde a pessoa planta suas raízes e a fonte onde ela pode
apagar sua sede.
A partir da interioridade, tudo se
transfigura, tudo tem sentido, tudo vem carregado de veneração e sacralidade.
Viver a interioridade é desenvolver a nossa capacidade de contemplação,
de compaixão, de assombro, escuta das mensagens e dos valores presentes no
mundo à nossa volta.
Sem interioridade,
Deus parece distante, o Cristo permanece no passado, o Evangelho torna-se
lei, a Igreja uma simples organização, a autoridade transforma-se em poder, a
missão em propaganda, o seguimento se burocratiza, a liturgia vira
ritualismo...
É triste perceber que as
comunidades cristãs não sabem cuidar e promover a vida interior. Muitos não
sabem o que é o silêncio do coração, não se ensina a viver a fé a partir de
dentro. Privados de experiência interior, sobrevive-se esquecendo essa dimensão
mais original: escuta-se palavras com os ouvidos e pronuncia-se orações com os
lábios, enquanto o coração está ausente.
Com isso, no coração de muitos
cristãos está se apagando a experiência interior de Deus.
Quê sentido pode ter a Igreja de Jesus
se deixamos que se perca em nossas comunidades o “Espírito da verdade”? Quem
poderá salvá-la do autoengano, dos desvios e da mediocridade? Quem anunciará a
Boa Notícia de Jesus em uma sociedade tão necessitada de alento e esperança?
Texto bíblico: João
14,15-21
Na
oração: A oração é
o caminho
interior que nos faz chegar até o nosso próprio “eu original”, aquele
lugar santo, intocável...; este é o nível da graça, da gratuidade, da
abundância, onde mergulhamos no silêncio, à escuta de todo o nosso ser.
Se
a nossa oração for um autêntico “deixar-nos conduzir pelo Espírito”, ela deverá
fazer emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser.
O Espírito liberará em nós as melhores possibilidades, recursos desconhecidos,
capacidades, intuições... e nos fará descobrir em nós mesmos (as),
nossa verdade mais verdadeira de
pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis...
Das
raízes profundas brotarão as respostas mais criativas e duradouras que terão
impacto na realidade onde nos encontramos, desencadeando um movimento de
profundas mudanças.
- Busque, na oração, cavar mais profundamente,
até atingir as raízes de seu ser, o núcleo original de sua personalidade, a verdade
de sua vida.
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