sexta-feira, 14 de abril de 2017

Paixão de Jesus - A Terra Crucificada

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho da Sexta-feira da Semana Santa, também chamada de Sexta-feira da Paixão, em que os cristãos celebram a morte de Jesus Cristo.

“Hoje, não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (Laudato si´n. 49)

A Campanha da fraternidade deste ano, com o tema sobre os “biomas brasileiros”, nos oferece uma compreensão aprofundada do sofrimento de Jesus, que inclui sua união com todos os membros da comunidade de vida. Somos chamados a contemplar o cosmos como uma epifania, ou seja, como manifestação de um mistério, que pede reverência e respeito para quem dele se aproxima.
O mistério Pascal constitui o núcleo central da fé cristã, ou seja, a morte e ressurreição de Jesus de Nazaré e a efusão do Espírito sobre toda a Criação.
Este mistério pascal se estende também a todo o povo crucificado, ou seja, a esta grande maioria da humanidade que vive explorada e marginalizada, vítima dos interesses de uma minoria. Por isso, crer no Crucificado implica fazer descer da Cruz todos os que estão dependurados nela.
Mas a imagem da crucifixão se aplica também à situação de nossa Terra, uma terra explorada, desertificada, contaminada, com a biodiversidade destruída e os oceanos transformados em cemitérios.
Por sua atitude de arrogância e de autossuficiência, o ser humano explorou exaustivamente a Terra herdada e a destruiu, depredou, aniquilou, tomou posse dela... Assim, não foi respeitoso para com o Criador que a ele reservou a missão de cuidar do seu jardim e de compartilhar os seus frutos.
Há um clamor generalizado que emerge da realidade desafiante enfrentada pela humanidade: o planeta Terra está gravemente enfermo. As consequências trágicas estão presentes por toda parte: degradação do meio ambiente, diminuição acelerada das fontes de água potável, desertificação, degelo das calotas polares com a consequente elevação do nível do mar, grande incidência de furacões e de queimadas, extinção de milhares de espécies de animais, escassez de alimento, proliferação de doenças, migrações forçadas... Enfim, o desequilíbrio dos ecossistemas pode comprometer, de forma irreversível, todas as formas de vida sobre a terra. Estamos diante da “Terra crucificada”.

E aqui já não podemos repetir as palavras de Jesus na cruz “eles não sabem o que fazem”: todos somos conscientes de que a atitude prepotente e dominadora em nome do progresso e do consumismo causa danos irreversíveis à Terra. A terra geme em dores de parto, um parto que hoje se revela abortivo.
A Criação é também lugar do padecido, da vulnerabilidade afetada, da beleza ferida... A utilização desordenada dos recursos da natureza faz sofrer tanto ao ser humano como à própria natureza, conclamando, portanto, à solidariedade, à partilha, à compaixão, à reconciliação na sua dimensão maior.
Perguntaram ao monge zen Tich Nhat Hanh o que é que precisamos fazer para salvar o mundo. Ele respondeu: “O que precisamos é, antes de tudo, escutar em nosso interior o grito da Terra”.
Como cristãos, este grito o entendemos como o grito de Jesus na Cruz, que condensa todos os gritos da humanidade explorada e da natureza expoliada. Na Paixão, buscamos experimentar, com Jesus, o sofrimento da Terra. Experimentamos Jesus sofrendo nas regiões marcadas pela seca, na terra cheia de cicatrizes pelas explorações do solo e das florestas, na contaminação do ar e da água...

Para Jesus, toda tragédia de sofrimento inocente e absurdo se concentrou n’Ele. Em sua pessoa estão o lamento e o desamparo da vítima inocente. Jesus, na Cruz, expira num grande brado, tão abismal que jamais será ultrapassado; n’Ele se encontram e se reconhecem todos os sofredores inocentes; n’Ele se condensam todos os gritos da humanidade sofredora e da natureza destruída.
Na contemplação de Jesus que sofre e é abandonado, revela-se o mistério maior de Deus frente a todo o mistério do mal. Na fraqueza e no sofrimento inocente de Jesus estão a fragilidade e o sofrimento do próprio Deus. Este é o mistério maior do silêncio e da “kénosis”: com o despojamento de divindade do Filho, o Pai, sem utilizar o revide de vingança e de poder, acolhe o mistério do mal em seu mistério maior de amor.

Disposição de todo o meu ser para o mistério

                                                                         Leio Mc. 14,26-42 Mc. 15,33-41
Trago à memória todas as criaturas que sofrem por causa da cegueira e da avareza suicida do ser humano.
Milhões de anos de história da evolução estão sendo apagados da face da terra, ao mesmo tempo que as áreas desérticas do mundo crescem rapidamente.
Diante da Árvore da Cruz, sinto-me aniquilado pela agonia que Jesus suporta silenciosamente enquanto destruímos biomas, poluímos rios e mares, devastamos florestas junto com a imensa quantidade de comunidades de vidas que há nelas.
Com a imaginação, permaneço junto à Cruz, cheio de aflição e amor por tudo aquilo que Ele está suportando por mim e por todas as criaturas. Vejo como esta Vida pura, inocente, está se desfazendo na Cruz, diante de mim. Esta Vida que assumiu a matéria para poder estar entre suas amadas criaturas. Estou sobressaltado diante deste mistério: Ele assume livremente dar sua vida para plenificar a vida de todos os seres.

O desejo de meu coração
                                           Peço alcançar a graça de ter um conhecimento profundo do sofrimento da humanidade de Cristo, que continua nas comunidades de vida marginalizadas e exploradas, que gemem em seu sofrimento.
Peço sentir tristeza e aflição, dor interior e lágrimas com Cristo, enquanto Ele experimenta o maltrato imposto à
sua amada Terra, e como eu ainda ignoro sua preocupação pessoal e sua vinculação física com sua comunidade universal de vida. Minhas atitudes de avareza e exclusão feriram e humilharam penosamente a sua amada Criação.


Diante da agonia de Jesus, fazer memória da agonia da Terra
A Natureza está sendo vergonhosamente atacada e dizimada pela implacável crueldade humana. Arrancaram suas vestes e a desnudaram. Suas matas e florestas estão sendo destruídas, adulteradas e saqueadas.
A desolação estendeu-se sobre seu corpo; lançaram fogo sobre suas vestes... Poucos correm para socorrê-la. Muitos estão cegos e insensíveis. Observam-na agonizando, enquanto contam seus lucros insaciáveis.
A Terra já não consegue respirar como outrora; sente-se sufocada, febril e doente. Detritos e gases asfixiam-na. Ela sente-se sozinha e indefesa.
Ouço o grito de Jesus na Cruz; ouço os últimos gritos da mãe Terra.

Na oração: Estou assombrado diante da revelação das Três Pessoas Divinas no Gólgota, humilhando-se para dar à luz um novo cosmos de espaço, tempo e matéria.
Penso com espanto na Trindade humilhando-se ao dar completa liberdade ao seu amado cosmos, em vez de impor um controle total.
Maravilho-me diante de Seu amor, demonstrado em sua própria doação e expresso através de toda a evolução ao fazer com que as criaturas fossem adquirindo cada vez maior liberdade, culminando na liberdade humana, capaz de dirigir toda mudança futura.
Ao pé da Cruz, comovo-me no mais profundo de meu ser diante do poder misericordioso de Deus, muito mais efetivo através da doação que através do uso da força.
Dou graças a Jesus na Cruz por ter-me revelado agora que todas as lutas do cosmos durante todas as eras foram experimentadas pela Trindade bondosa. Reflito com espanto que a verdadeira história da vida de Deus inclui toda a agonia da evolução: extinções em massa de espécies, a necessidade cruel da cadeia de alimentação, parasitas, epidemias, bosques arrasados, guerras, crianças famintas, o horror da avareza e a indiferença da humanidade...
Colóquio
Falo com Jesus, meu amigo e irmão, e permaneço presente com Ele, junto à sua Cruz.

Termino com a oração que Jesus nos ensinou.

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