Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do Sábado Santo, o sábado do silêncio e da espera.
O
Sábado Santo é um dia “não-normal”,
porque a morte de Jesus na Cruz deixa o silêncio, o vazio e a obscuridade. É
preciso considerar o Sábado Santo
como um tempo de luto e pranto: depois da dor intensa da Sexta-feira Santa dá-se lugar a uma dor silenciosa, contida, como a
terra que vai se empapando até suas entranhas com a água caída torrencialmente
sobre a superfície.
É
preciso saber acolher este silêncio
surdo, que marca a passagem entre duas experiências intensas: a Sexta-feira de dor e o Domingo de Ressurreição.
A pedra do sepulcro impôs silêncio no Calvário. Também
impôs silêncio nos corações doloridos. É um silêncio de dor e solidão. É um
silêncio do vazio provocado pela morte.
A pedra que fecha o sepulcro é como o último gesto do
morrer. Enquanto o morto está sendo velado, dá a impressão de que, de alguma
maneira, ainda está presente. Quando se fecha o sepulcro tudo parece que
terminou. O Sábado Santo parece um
sábado vazio. Cala a Liturgia. Cala a Igreja. Calam os corações.
O desconcerto diante da Sexta-feira Santa pode ser tão
intenso que já não resta mais esperança, nem razão para a missão. Nesse
sentido, o Sábado não teria nada de “santo”, mas só sábado de sepultura.
Sabemos
que a vida da Igreja, como também a nossa vida pessoal, é feita de longos sábados
santos, nos quais nem a dor da Paixão
nem o consolo da festa Pascal marcam significativamente nossos dias e nossas noites, mas simplesmente a
dura e paciente espera, na fé mais despojada, de um Senhor, que se
faz esperar tanto que parece que já não vai chegar mais.
Como seguidores(as) de Jesus tivemos nosso advento,
natal, quaresma, páscoa, pentecostes...; também nossa sexta-feira santa. Hoje
nos encontramos no Sábado Santo.
O Sábado Santo
é um dia sem liturgia, em silêncio, não passa nada, não sucede nada, recorda a
solidão do sepulcro, a tristeza das mulheres e dos discípulos, a desilusão
diante do fracasso.
“O Rei dorme”, comenta uma antiga homilia sobre o Sábado Santo. O
povo recita o “Shabat mater”, acompanha a Virgem dolorosa, espera com ela, em
silêncio, a aurora pascal.
Este é o dia das mulheres discípulas, que cuidam do
corpo morto e o ungem com aromas; dia do desconcerto dos discípulos masculinos
que, com o gosto amargo do fracasso, retornam à Galileia ou a Emaús.
E,
no entanto, segundo o credo cristão mais primitivo, conservado fielmente sobretudo
na Igreja Oriental, o Sábado Santo
recorda a “descida de Jesus aos infernos”, o que equivale dizer: experimentar até o
fundo o poder da morte e, portanto, a força do silêncio, da obscuridade e do
vazio.
Jesus
desce ao lugar da morte e das sombras, a uma dimensão fechada e murada, da qual
não havia saída. E, ao entrar no lugar da morte, Jesus rompe os ferrolhos,
libera da prisão os encarcerados, ilumina aqueles que viviam nas sombras da
morte, vence o poder do mal.
Na “descida” de Jesus somos movidos a viver esta
jornada como um tempo no qual é possível experimentar a ausência, o silêncio ou
o vazio (quando, por exemplo, é provocado pela perda de um ente querido).
É muito duro viver em um Sábado Santo tão prolongado, é duro o inverno social e eclesial.
Mas, às vezes, em meio ao silêncio do Sábado de nossa história, ouvem-se
algumas vozes de mulheres que falam de anjos que anunciam que o Senhor
ressuscitou. Certamente podemos fechar-nos em nosso pessimismo e pensar que
estas mulheres são umas insensatas, exageradas e aloucadas. Mas, e se estas
mulheres tiverem razão? Então, não teríamos também que “descer aos infernos” de
nosso mundo de hoje para libertar os que estão nas sombras da morte e
anunciar-lhes que o Senhor venceu a morte?
Então, talvez, o Sábado Santo poderia converter-se em
um tempo de esperança germinal.
Sábado
Santo é tempo não só de
espera, mas de esperança, é deixar que o grão de trigo morto comece a
germinar, é tempo de um inverno que tornará possível as flores da primavera, é
tempo de imaginar, de criar, de abrir-se a algo novo e inesperado, de sonhar um
mundo melhor e uma Igreja mais nazarena.
O
vazio da morte de Jesus nos deixa sem alento. Sua ausência nos deixa sem
palavras. Que podemos dizer se Ele não está presente? Quando já não está
presente a Palavra, que podem dizer as palavras?
Por isso, o Sábado Santo, é o sábado das ausências.
Em nosso mundo violento, onde a destruição da vida é
tão forte e as feridas da humanidade e da criação são exibidas, é difícil
tolerar a experiência de Deus como uma ausência purificadora e
manter abertos nossos corações para preparar o novo caminho de vida, de forma
reverente e paciente.
No
entanto, em todo caminho espiritual é preciso passar pela “noite”, pela “ausência”,
pelo “silêncio”, para amadurecer. É inevitável experimentar, durante
algum tempo, alguma forma desconcertante de sentir a presença-ausência de Deus.
Deus
está “além” de nosso coração e de nossa mente, “além”
de nossos sentimentos e de nossos pensamentos, “além” de nossas
expectativas e de nossos desejos, “além” de todas as experiências
que fazem parte da vida. E, ao mesmo tempo, está no “centro” de
tudo isso.
Sua
ausência, por outro lado, muitas vezes é sentida tão
profundamente, que leva a um novo sentido de sua presença. Isto
está expresso no Sl. 22,1-5.
Este
espaço de silêncio não é de morte senão de vida germinal, é noite que aponta à
aurora, são as noites escuras da vida que desembocam na alegria da alvorada; é
tempo de fé e de esperança, é momento de semear, mesmo que não vejamos os
resultados, é tempo de crer que o Espírito do Senhor, criador e doador de vida,
está fecundando a história e a terra para seu amadurecimento pascal e
escatológico, para a chegada da “nova terra nova e do novo céu”.
Vivemos no “sábado santo” da nossa sociedade
dividida, preconceituosa, violenta...; somos terra de penumbra. Mas nela se
antecipa a esperança do dia de Páscoa. Como as mulheres, vamos ao sepulcro,
levando aromas. As orações são aromas que o Espírito recolhe em sua taça. A
esperança é aroma que faz esquecer o mau-cheiro do cadáver. Na noite do sábado
santo nos mobilizamos a levantar bem cedo porque “algo novo” vai acontecer. O Abbá ausente vai revelar sua nova
presença; o Espírito ficou sem Palavra, mas já sussurra; a voz do silêncio dá
seus primeiros gemidos. Algo grande já se prepara.
As discípulas e os discípulos de Jesus estão à espera,
reunidos em torno a Maria, orando com ela, a transparência feminina do
Espírito.
Esta terrível Noite Escura do Sábado Santo corresponde a um incontestável estágio espiritual,
como dura mas inevitável “passagem” (Páscoa) para a Luz do
Domingo.
Só atravessando a prova, a Noite Amarga se transforma
em Noite Amável.
Textos bíblicos: Mc. 15,42-47 João 19,38-42
Na oração:
Recordar os grandes silêncios
da vida (perdas, fracassos, crises...) onde não há razões, não há uma lógica...,
mas no silêncio profundo, algo novo começa a germinar...
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