“Misericórdia: é a palavra que revela
o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o ato último e supremo pelo
qual Deus vem ao nosso encontro”. (Papa Francisco – Misericordiae Vultus
n. 2)
Jesus nos revelou quem é Deus e quem
é o ser humano. Tal revelação encheu nosso coração de profunda gratidão.
Por isso, o que importa verdadeiramente não é satisfazer uma curiosidade especulativa
sobre a essência do Deus Trindade, mas acolher esta Boa Notícia: Deus é Pai-Mãe (Fonte), que deixou
transparecer Seu rosto misericordioso no Filho
(Caminho) em quem somos filhos pela força e alento de seu Espírito (Sopro) presente e atuante em
tudo e em todos.
O mais urgente neste momento para o
cristianismo, não é explicar melhor o dogma da Trindade, e menos ainda, uma
nova doutrina sobre Deus Trino. O
decisivo aqui é a busca de um encontro
vivo com Deus, comunhão de pessoas. Não se trata de demonstrar a existência
da luz, mas de abrir os olhos para ver melhor.
A festa da Trindade nos mobiliza para uma nova
maneira de viver e de nos relacionar com o Deus
de Jesus, cuja presença preenche o
cosmos, irrompe na vida, habita decididamente no interior de cada pessoa e é
vivido em comunidade.
A Trindade “des-vela” a maneira de ser de Deus, como Amor que se expande, em si e fora de
si, de uma maneira “redentora”, inserindo-se na história da humanidade. Deus é Amor e só amor.
Isto é a essência do Evangelho.
Esta é a melhor notícia que devemos acolher. É também o fundamento de nossa
confiança em Deus.
É a partir do Amor trinitário, circulante e
expansivo, que podemos compreender melhor o ser humano, criado à imagem da
Trindade: ele é tanto mais pessoa quanto mais se assemelha às pessoas divinas.
Deus não é estático, nem sequer em seu próprio
interior. No mais profundo de seu ser, Deus é relação, é comunhão de maneira
permanente e dinâmica. E a comunhão entre pessoas é sustentada pelo Amor. Precisamente o amor é o que une
as pessoas. O amor cria unidade e a unidade mais forte é a que brota do amor.
Nesta linha se compreende o Deus cristão: um só Deus em comunhão de pessoas.
Por isso, temos com Deus uma relação personalizada: somos filhos do Pai, irmãos
do Filho, amigos do Espírito.
“Trindade” é um conceito abstrato que corre o
risco de afastar a presença divina para as alturas dos dogmas, doutrinas e
especulações racionais, desprovidas de calor e vida.
Em vez do “Mistério da Santíssima
Trindade”, o importante para o cristão é a experiência histórica e vital do
encontro com a atividade vivificadora da Fonte
da Vida, no percurso do Caminho do
Amor e respirando o Sopro da
Esperança, que tudo pacifica, alenta e reconcilia.
“Pai-Abba” é uma palavra-chave, que remete à origem radical, Vida da vida. Traduz-se como Pai e Mãe,
mas quer dizer mais que pai e mais que mãe.
“Filho” é palavra-chave para referir-se ao
sentido da vida de Jesus, rosto visível da Misericórdia de Deus, imagem, presença
real e proximidade encarnada de Abba: filiação sem limite e fraternidade sem
fronteiras.
“Espírito” é palavra-chave, que expressa a
riqueza da presença vivificadora do Deus em todos e em tudo, no rio
imprevisível da história e na intimidade inefável de cada vida pessoal.
Diante da
presença e da ação do Deus Trinitário, afogam-se as palavras,
desfalecem as imagens e morrem as especulações. Só nos restam o silêncio, a
adoração e a contemplação.
Aqui temos
de retornar à simplicidade da linguagem evangélica e utilizar a parábola, a
alegoria, o exemplo simples, como fazia Jesus. Como a Trindade é o mistério que liga e religa tudo, que deixa transbordar
seu Amor criativo no coração de toda a humanidade e no universo inteiro,
podemos usar uma imagem que hoje faz parte do nosso cotidiano: a “conexão”
Nós entendemos muito bem o que
significa “estar conectados”. A “desconexão” nos priva da energia
disponível e de tantas relações que são possíveis. Quando nos deslocamos de um
lugar a outro buscamos espaços de “cobertura” ou de conexão. Às vezes,
requer-se para isso, conhecer a “senha”; em outros casos são oferecidas redes
abertas. Conectados, descobrimos que não estamos sozinhos, que é possível entrar
em um espaço instigante de informação, relação e intercâmbio.
Podemos usar esta imagem para falar da “tríplice conexão” na vida cristã, como
centro e sentido de nossa existência. Aqui se trata, nada mais e nada menos, da
“conexão” com as três Pessoas da Santíssima Trindade. Sem esta “conexão
trinitária” nossa vida perde a ligação com a Fonte, extravia-se do
Caminho do Amor e se asfixia sem a Respiração da Esperança.
Na vida espiritual, a conexão trinitária
nos liberta da solidão vazia, do enclausuramento em nosso ego, do narcisismo.
Graças a esta grande Conexão vital
nos descobrimos no Todo, num contexto de transbordamento de vida em todas as
direções: vida expansiva, aberta e profundamente religada com todas as demais expressões
de vida. A “tríplice Conexão” nos
faz entrar em sintonia com todos e com tudo e mantém interconectados todos os
fios da vida. O amor circulante no
interior da Trindade se expande e se faz visível na grande rede de vida da
criação. Quão decisivo é descobrir a misteriosa relação trinitária na
qual estamos inseridos!
Não
podemos nós, que cremos na comunhão das Pessoas divinas, estabelecer que tal
tipo de conexão trinitária se converta em realidade?
Precisamos
de ousadia para estabelecer conexões
que em lugar de rupturas e quebras interiores, nos dinamizem muito mais do que
podemos imaginar. E não basta uma conexão; só na “tríplice conexão” se
encontra a reanimação, a revitalização, a possibilidade de uma vida plenificada
e com sentido.
Ninguém poderá
se encontrar só com o Filho ou só com o Pai, ou só com o Espírito Santo. Nossa relação será sempre com o Deus Uno e
Trino. Urge tomar consciência de que quando falamos de qualquer uma das três
pessoas relacionando-se conosco, estamos falando de Deus. Nem o Pai só cria,
nem o Filho só salva, nem o Espírito Santo santifica por sua conta. Tudo é
sempre “obra” do Deus Uno e Trino.
Que a festa da Trindade ajude a nos descobrir envolvidos nessa corrente de Vida: nascendo de Deus Pai-Mãe, sendo
configurados à imagem do Filho, escutando a melodia do Espírito que des-vela
constantemente nossa identidade. Estamos continuamente renascendo da Fonte da qual procede tudo o que
existe; no Caminho do Filho nossa
vida se torna uma grande “travessia” e no Sopro
do Espírito, emerge do nosso interior uma criatividade surpreendente e
mobilizadora.
Se somos filhos e filhas da
Trindade, se cremos de verdade nisso, como não descobrir as “pegadas” da
Trindade em nós? Também nós somos Fonte geradora de vida, Caminho aberto ao
infinito e Sopro criativo. A “conexão” com a Trindade potencia nossa vida,
energiza nosso ser, desperta nossos dinamismos interiores para participarmos do
mesmo Amor circulante e expansivo do Deus Uno e Trino, iluminando
toda nossa existência.
Texto bíblico: João 16,12-15
Na
oração:
A
conexão com a Trindade é permanente, ininterrupta, inserindo-nos na grande
corrente de Vida e de Amor que perpassa toda a Criação, religando tudo e
conduzindo tudo para a plenitude: o retorno ao interior da própria Trindade.
-
Que possibilidades criadoras há em mim que ainda não tive oportunidade de
desenvolver?
-
Como viver conectado com o Todo para que tudo tenha eco em mim?
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