“... a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15)
Jesus, no evangelho deste
domingo, nos situa no horizonte do sentido da vida e revela que o ser
humano está direcionado para um “fim” (“ser rico para Deus”). Assim diz o poeta Elliot: “do fim
é que partimos”. É
este fim que ilumina e inspira todo o seu percurso existencial; é o “fim” que
determinada nosso modo de viver, que ilumina e plenifica nossas opções e
compromissos.
De fato, uma das enfermidades
mais graves de nosso tempo, sem dúvida, é o “vazio existencial”. Essa
verdadeira enfermidade afeta milhares de pessoas em nosso mundo, gera
depressões, inseguranças e neuroses. Viktor Frankl descreveu este vazio como
uma frustração existencial, como um sentimento de falta de sentido da própria
existência. A crise pós-moderna que vivemos deixa transparecer este traço
sinistro: as pessoas não têm mais razões e causas
pelas quais se entregar, pelas quais investir a vida. E assim não encontram
igualmente motivações para viver com intensidade e inspiração.
A questão do “sentido
da vida” ou a “vida com sentido” é fundamental na existência humana.
- Por que vivemos? Para que
vivemos? Quanto vale uma vida e o que vale na vida?
- Quem não aspira preencher a
própria vida de relatos, encontros, paixões, gestos, lições, projetos, ideias e
sentimentos?
O vazio interior, cedo ou
tarde, desemboca no tédio e no cansaço da vida. Não se trata de uma situação passageira,
mas de um mal-estar contínuo, que provém de dentro e que envolve toda a
existência de ceticismo, indiferença e desânimo. Tudo parece insípido. Nada
vale a pena. O indivíduo vive num deserto interior.
Podemos dizer que o coração do
ser humano é feito de “matéria nobre” e de profundas “carências
existenciais”. Sua matéria nobre
provém de sua capacidade de amar, de sua disposição à comunhão, de sua abertura
à transcendência. Não esqueçamos que o ser humano é imagem e semelhança de
Deus...
Suas “carências” provém de suas
limitações e fragilidades, enquanto criatura. Essas “carências” do coração tomam o nome
de insegurança, temor, desconfiança, medo do futuro, da morte...
Quê saída buscar diante da ferida
existencial, da insegurança do próprio eu, da indigência do coração?...
No evangelho deste domingo, Jesus denuncia que, para muitos, o que acalma e apaga a angústia existencial é a riqueza. Ao se cercarem de muitos bens (sejam materiais, como dinheiro, posses... ou espirituais, como as qualidades pessoais e os saberes), creem que se acaba toda insegurança, todo medo ou qualquer tipo de angústia. Trata-se de um engano nada evidente. O mal radical está, portanto, na “insaciável cobiça do coração pervertido”. O engano acontece quando o coração se apega “pulsionalmente” às riquezas até depender delas; nesse caso, elas deixam de ser mediações do Reino para se converterem em ídolos do próprio coração. Deles se espera a salvação, e não dos outros e muito menos de Deus.
O “afeto desordenado” às riquezas se apresenta não somente como problema ético, mas também como problema de fé. A fidelidade ao Deus único fica interditada e o seguimento de Jesus fica fragilizado. Como todo ídolo, a “riqueza” provoca o fascínio, a adoração e as identificações mais perniciosas. O apego aos “bens” apresenta-se como uma das tentações mais maléficas para todo seguidor de Jesus. A busca da própria segurança é a base da tentação pela “riqueza”.
De fato, o apego idolátrico aos bens tem suas raízes fundadas no pânico produzido pela insegurança. O dinheiro, os bens, as posses apresentam-se, então, como solo firme sob os próprios pés. Mais ainda: a riqueza é algo mais do que solo firme e apoio; é carapaça protetora, é um objeto interno, corpo do corpo, ou coisa com a “qualidade do eu”. A dinâmica acumulativa, possessiva, própria do apego aos bens, possui toda a força do narcisismo e de uma carência infantil não integrada, com a ilusão de agradar e abastecer o próprio ego. Além disso, a riqueza tem um caráter “pegajoso”, possui uma sinistra aderência que, na medida em que mais se fixa, maior vai sendo sua força para atrair novas necessidades. Finalmente, acaba-se por criar uma dura cortiça que defende e isola a pessoa do entorno e que a aliena numa insensibilidade para com tudo aquilo que não seja sua própria realidade. Aqui estamos diante de uma "embriaguez existencial" na qual toda alteridade desaparece.
A consequência mais lógica numa pessoa que se habitua a ter tudo ou querer tudo, é que ela chega a bastar-se a si mesma, desprezando ou desvalorizando os outros, inclusive a própria graça do Senhor. A raiz de tudo é uma profunda auto-suficiência, que, sem se dar conta, leva-a a considerar-se forte porque tem tudo.
No apego “perverso” aos bens e
riquezas, não se trata já de “ter algo”, mas de “ter-se a si mesmo” numa
tendência de orientação marcadamente centralizadora. A pessoa fecha-se sobre si
mesma, rompendo todo impulso em direção aos outros, pensando conquistar uma segurança.
Mas, na realidade, a pessoa está se situando na posição mais insegura que se
possa imaginar, pois “se sou o que tenho e o que tenho
se perde, então quem sou?” (E. Fromm).
O problema da relação com as riquezas
se intensifica se levamos em consideração que, junto a estes fatores
pessoais, é preciso acrescentar a influência e a manipulação tão fundamental
que vem do meio ambiente socioeconômico. O desejo não é alheio,
certamente, às dinâmicas ambientais nas quais este necessariamente se
desenvolve, cresce e pode encontrar seus objetos de satisfação.
Por isso, a dinâmica econômica de nossos dias deve ser levada muito em conta à hora de compreender as vias pelas quais circulam nossos vínculos com o dinheiro e com os bens. A armadilha de nossa sociedade de consumo está no fato de não descobrirmos que quanto maior capacidade temos de satisfazer necessidades, maior número de novas necessidades nós criamos; e isso, sem possibilidade alguma de marcar um limite.
Na
criação da nova comunidade dos seguidores de Jesus, a atitude de compartilhar
deve substituir a acumulação e se apresenta como alternativa àquilo que a
sociedade de consumo impõe; aqui está configurada uma das propostas mestras na
proclamação do Reino de Deus.
Contra a tendência a querer apropriar-nos de tudo como busca de segurança e como defesa hostil diante dos outros, Jesus nos convida a compartilhar, como abertura aos outros e como possibilidade para a criação da “nova comunidade”, uma alternativa às relações interpessoais de exploração e exclusão. Na partilha, a primitiva tendência egoísta e agressiva dá lugar a uma atitude aberta, acolhedora e benevolente frente ao outro. Além disso, onde há partilha, há superabundância. Só assim seremos “ricos para Deus”. E “ser rico diante de Deus” não quer dizer armazenar méritos para a outra vida, mas administrar nossos bens inspirado no modo de ser e de viver de Jesus que, sendo rico se fez pobre para nos enriquecer.
É decisivo cuidar e investir no
enriquecimento da vida interior, e reavivar “o amor criador” que, segundo São Tomás de Aquino, é o contrário do vazio ou do tédio vital.
Para o cristão, o seguimento de
Jesus Cristo, “caminho, verdade e vida”, é o melhor estímulo para recuperar o
verdadeiro sentido da existência. A partir dessa identificação o cristão vai se
“enriquecendo” interiormente.
Em seu centro está o amor e somente o amor pode justificar nossa existência.; a partir do amor gera-se uma vida que se caracteriza pela alegria e pela paz, que dá origem a atitudes de bondade, paciência, lealdade, compaixão, presença solidária... O amor é a última palavra na explicação do sentido da vida.
Texto bíblico: Evangelho segundo Lucas 12,13-21
Na oração:
Que paixão move o seu coração? Seu coração está livre?
Seus afetos estão ordenados?
Temos muitas atitudes,
posses, ideias, cargos, posições, bens... que consideramos como Vontade
de Deus; na realidade é tudo “projeção” de nossos desejos, de
nossa vontade, de nós mesmos...
- Quê apegos estão
travando sua vida e impedindo-o aderir a Cristo incondicionalmente?
- Que “riquezas” estão travando o
fluxo de sua vida? Onde você está “investindo” seus melhores recursos?
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