Inácio é o homem da mudança, da transição no
tempo, dos tempos novos, agitados, turbulentos, de transbordantes mudanças que
colocavam em questão tudo o que até então era recebido.
Mas, seu itinerário não é unicamente
geográfico. A grande originalidade da história e da vida de Inácio não é a que
ocorreu fora, mas a que aconteceu dentro dele mesmo. Sua principal contribuição
à história da Igreja e da humanidade não é o que pessoalmente ele realizou em
suas atividades de apostolado e de governo, ou sua obra exterior mais
conhecida, a Companhia de Jesus, mas a descoberta de seu “mundo interior” e,
através dela, a descoberta desse continente sempre inexplorado e surpreendente,
que é o coração, onde acontece o mais importante e decisivo em cada pessoa.
Tudo começou em 20 de março de 1521: A “bala”
que feriu Inácio na batalha de Pamplona não transpassou tão somente sua perna;
atravessou também, de modo igualmente profundo e traumático, todo o mundo de
ambições e sonhos de glória que ele havia buscado e fantasiado até esse
momento. Todo um sistema de ideais se vê deste modo derrubado.
Foi forçado a um confinamento, de uns nove
meses. Nas primeiras semanas debateu-se com a dor e com a morte, mas logo
começou a abrir-se, para ele, algo diferente, e desse tempo nasceu um homem
novo.
Um castelo interior (um tipo ideal de homem)
se desmoronou, ao mesmo tempo que começou a surgir outro edifício humano, não
mais centrado na busca de poder e prestígio, mas na força dos grandes desejos e
na sedução pela pessoa de Jesus Cristo, que, desde então, ocupará a tela
inteira de sua vida.
“Viver em profundidade” significa “entrar” no
âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes
mais profundas. Aí se pode encontrar o sentido de tudo “aquilo que se é,
daquilo que se faz, se espera, busca e deseja”.
Inácio precisou de tempo para compreender tudo
o que se passava com ele. No começo, teve de lutar contra a febre e a dor de
suas feridas; quando elas começaram a diminuir, buscou primeiro entreter-se com
leituras amenas e finalmente foi encontrado por Aquele que o buscava, através
dessa ferida. Aquilo que no início foi vivido como uma derrota e um fracasso,
foi seu segundo nascimento.
Como Inácio, talvez busquemos, num primeiro
momento, nos entreter lendo “livros de cavalarias” que nos fazem fugir e
esquecer a angustiante situação que estamos vivendo; ou talvez, já tenhamos
começado a ler textos verdadeiros, textos reveladores e instigantes que nos
devolvem a nós mesmos para dispor-nos a uma outra escuta, agora interna.
O novo de tudo isto é que não se trata de uma
situação individual, mas coletiva. É agora que nos é dada a oportunidade de nos
colocar realmente a escutar e a discernir os sinais. Mas, não sozinhos, e sim,
juntos. Talvez seja esta a diferença fundamental com respeito a Inácio de
Loyola. Como aconteceu com ele, o desafio está em passar de um confinamento
forçado a um distanciamento, livremente acolhido e carregado de presenças.
Dispomos de muitas ferramentas, entre elas,
aquelas que o mesmo Inácio nos deixou, para converter este confinamento
coletivo em um retiro partilhado, em Exercícios coletivos de discernimento e
re-conversão. São muitos os apelos, as inspirações, os movimentos internos, as
reações e os impulsos que estão em jogo. Santo Inácio, em seu leito de
convalescente em Loyola, começou a dar nomes a tudo isso. Ali aprendeu a
discernir e a decidir; ao sair de seu confinamento, não voltou à “normalidade”
da vida, mas abriu-se ao novo, sonhando grande, ensaiando outros caminhos, indo
ao encontro de um mundo em efervescência.
Que Santo Inácio nos inspire a viver este
tempo como momento privilegiado para uma intensificação nas relações, para dar
passos novos, para reinventar a vida e carregá-la de sentido.
Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ
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