Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 21º. Domingo do Tempo Comum (Ano C).
“Esforçai-vos por entrar pela porta estreita...” (Lc 13,24)
Jesus está a caminho de
Jerusalém, onde também pretende fazer chegar a Boa Notícia do Reino. Nesse
percurso, o evangelista Lucas recolhe uma série de afirmações do Mestre que tem
como objetivo instruir os discípulos e a nós sobre o seu seguimento.
Mais uma vez estamos diante de uma pergunta
curiosa apresentada por alguém da multidão que o seguia: “é verdade que são poucos os que
se salvam?”
Jesus não responde diretamente à questão pois a salvação não significa
um voluntarismo para cruzar a linha de chegada na vida; ela é dom de Deus, que
desperta em nós o desejo de entrar no fluxo da sua Graça, esvaziando-nos do
“ego” e abrindo-nos a uma atitude de serviço oblativo e gratuito.
Jesus não está preocupado com a quantidade dos que se
salvarão, nem dá resposta à pergunta pela salvação final. Pelo contrário, faz
um sério apelo a praticar a justiça no momento presente. Muda, assim, a
direção da resposta esperada acerca do futuro para centrar-se no chamado a
viver o presente com mais sentido e intensidade. A salvação não é simplesmente
uma realidade do futuro, mas está conectada com as atitudes assumidas no
presente, ou seja, é consequência de uma prática da justiça. O decisivo não é o
futuro, que está nas mãos de Deus, mas o presente das ações justas ou injustas.
Jesus usa a imagem da “porta” para falar dessa
passagem de uma vida limitada e auto-centrada, a uma vida expansiva, aberta à
realidade. Porta que possibilita “entrar” na vida; dom em plenitude.
Na realidade, há uma
tendência em todos nós de vivermos trancados em nossos mundos limitados;
criamos e vivemos em “mundos-bolha”. Qual é o problema deste mundo-bolha?
Porque questionar se alguém está tranquilo, comodamente instalado em suas
seguranças, rodeado de um universo familiar e não ameaçante? Porque este afã
por romper a bolha?
É difícil sair do terreno
conhecido. Tudo parece conspirar para que nos mantenhamos dentro dos limites
politicamente corretos. Portas são trancadas em todas as dimensões da vida:
afetiva, social, religiosa, política... Podemos construir uma vida encapsulada
em espaços feitos de hábitos e seguranças, situações estáveis, convivendo com
pessoas que pensam e vivem do mesmo modo...; podemos ancorar-nos em três ou
quatro seguranças que nos permitem viver sem sair de terrenos conhecidos.
Com isso, acabamos estabelecendo fronteiras vitais e
sociais impermeáveis ao diferente. Se isto acontece, terminamos tendo
perspectivas pequenas, visões incompletas, horizontes atrofiados e,
provavelmente, ignorância sobre um mundo amplo, complexo e cheio de ricas
possibilidades.
Em outras palavras: colocamos “portas”
intelectuais e espirituais à audácia do amor. Falta-nos fé nas maravilhas do
Espírito. Essa atitude de sair por nossas portas em direção à necessidade
alheia com criatividade é a essência do Seguimento.
O tema da “porta” é mencionado muitas vezes pelos evangelistas
para indicar uma passagem significativa ou a entrada em uma nova maneira de
viver. O próprio Jesus se definiu como a “Porta da Vida”; Ele não veio
complicar a vida com mais exigências. Só passa pela “porta estreita” quem se
esvazia do próprio ego. Bater à porta significa desejo de entrar na intimidade;
abri-la é sinal de acolhida e fechá-la é dizer não a quem se aproxima.
De fato, o símbolo da “porta” não se define em si como um
espaço, não é um lugar, mas é o “limite” entre um lugar e outro, é o
interstício entre dois espaços; é, portanto, o que divide dois modos de ser e
viver: egóico ou oblativo.
A “porta” representa o lugar
onde acontece a passagem de um estado a outro, a dobradiça entre dois mundos...
; a “porta” protege o sagrado,
esconde o mistério...; tem o seu momento “fascinante”, mas comporta também um
“tremendum”;
ela nos situa num momento de ansiedade, de espera, de inquietação que toda passagem de um estado a outro
provoca; esta preocupação com o que está “além da porta”, ou seja, a passagem
de uma situação que se conhece a uma outra que se revela inédita, mas na qual
se desejaria entrar, provoca medo e insegurança.
O que está além da porta
provoca arrepios; “passar a porta” significa, portanto, ir ao encontro do novo,
do futuro, do diferente, do “fora do normal” ...
O “outro lado” é um espaço
não esclarecido, é um lugar ainda não explorado.
Há um véu que impede a
visão, é o lugar da inacessibilidade, comporta a proibição de se aproximar da “sarça
ardente”. “O homem não pode ver a face de
Deus e continuar vivendo”, diz a Bíblia.
Está cada vez mais
difícil encontrar algo que soa verdadeiramente diferente: sair de nossas
seguranças para adentrar-nos no terreno do incerto; sair dos espaços onde nos
sentimos fortes para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis;
sair do inquestionável para enfrentarmos o novo...
É decisivo estarmos dispostos a abrir espaços em nossa
história a novas pessoas e situações, novas vivências, novas experiências...
Porque sempre há algo diferente e inesperado que pode nos enriquecer.
A vida está cheia de possibilidades; inumeráveis
caminhos que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em nossas
vidas; desafios, provocações, aprendizagens, motivos para celebrar... lições
que aprenderemos e nos farão um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais
simples...
Portanto, a primeira atitude é sair do “ego”
(“sair do seu próprio
amor, querer e interesse” –
S. Inácio).
E isso significa desconstruir nossa linguagem, nossa
presença, nossas seguranças, nosso solo nutrício; deixar-nos romper, abrir-nos
aos outros e ao grande Outro; não sermos nós o centro do processo a partir de
nossas seguranças e daquilo que conhecemos.
“Vivo
já fora de mim, porque vivo no Senhor que me quis para si” (S. Teresa de Ávila).
O compromisso é “viver fora de mim”. E “viver
fora de mim” implica estar aberto ao inesperado, ao surpreendente,
ao desconcertante.
“Dá-me, Senhor, capacidade e
valentia para deixar o terreno conhecido, para sair do já sabido, para aprender
cada dia aquilo que possa se tornar novidade, surpreendente, diferente” (oração Magis)
A “porta estreita” que atravessamos representa a nossa
porta pessoal, que precisamos encontrar e atravessar, para deixar o rastro da
nossa própria vida neste mundo. O caminho espaçoso representa o que todos usam; o apertado é o caminho
que Deus preparou para cada um de nós: é o caminho único e original, no qual
vivemos e deixamos transparecer a imagem que Ele tem de cada um de nós.
Na verdade, o caminho estreito leva a um horizonte mais amplo.
Nele, alcançamos a harmonia conosco. Aquele que se contenta em seguir os
outros não vive de verdade. Nosso processo de humanização só pode ser
completado se encontrarmos nosso caminho pessoal e percorrermos por ele.
John Sanford afirma: “O caminho largo é aquele da vida que seguimos de forma inconsciente, é o caminho da menor resistência e da identificação com as massas. O estreito exige consciência e atenção desperta se não quisermos nos desviar do caminho”.
Texto bíblico: Evangelho segundo Lucas 13,22-30
Na
oração:
A
experiência de oração é um risco, é uma travessia para um outro “lugar”
e deixar-se afetar por este “outro lugar”: lugar provocativo, carregado
de uma Presença que chama, que fala, que envia...
“Passar
a porta” revela que em toda
experiência de oração está implícita a ideia de uma “soleira”, de um “limiar
e, portanto, um momento de “passagem”. Não se pode estar “dentro”
e “fora”
ao mesmo tempo; não se pode ser mero observador na experiência de oração: ou se
fica fora da porta, ou se dá o passo que “desinstala”, que “compromete”,
que “vincula”.
- Atravesse a “porta” de
sua interioridade e viva a intimidade com Aquele que está sempre à sua espera;
entre em diálogo com Ele.
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